nome: Mariana de Oliveira Ferreira Monge
ano de nascimento: 1912
local: Vila Verde de Ficalho
freguesia: Vila Verde de Ficalho
concelho: Serpa
acervo: António Ferreira Lopes
transcrição:

Era uma vez três, três senhoras qu’ iom p’o trabalho, e virom luzir no caminho, virom brilhar, e forom as três a ápanhar e era um relojo. Depois todas qu’riom o relojo, e nã sabiom o qu’ haviom fazer, e então resolverom ir à autoridade da terra a perguntar o qu’ é qu’ haviom de fazer porque todas virom o relojo ó mesmo tempo e uma só é que o apanhou.

E então a autoridade disse-lhe qu’ aquela que pregasse a mentira mais bem pregada, mais, que o marid’ acreditasse, er’ á que ficava com o relojo.

Então elas vierom p’ra casa e vierom a pensar cada uma o qu’ é qu’ havia de fazer. E uma pensou em dezer que o marido que tinha morrido e fazer-lh’ o funeral, e então fez o altar, pôs o marido, e começou a chorar e aquilo tudo. As ôtras vezinhas, a ôtra gente que vinha do campo, que virom vir o homem do campo:

–– Atã você está morto! ’Tã você já morreu!

–– Ãh?... Mas ê estou vivo: ’tã nã vêem qu’ ê mexo?!

–– Ó, você já morreu, a sua mulher está-o chorando e está lá no altar...

–– Ora essa, nã me digom qu’ ê que estou morto, s’ eu ’inda estou falando e ’inda estou vivo!?

–– Nã senhora, você está morto.

E foi p’ra casa e chegou e viu a mulher com o altar e a chorá-lo, e acreditou. E acreditou. Nã sei p’ra ond’ ele foi, mas acreditou qu’ ele que estava morto, e que tinha morrido.

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–– Foi tudo combinado com os outros lá da terra não? Para os outros lhe dizerem “você está morto”, é porque foi tudo combinado? [entrevistador]

–– Os ôtros tamém acreditarom. [informante]

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Depois a ôtra, a segunda, cond’ o marido veio à noite do trabalho, dê-lh’ uns copinhos, e ele adormeceu. E ele dêxô-se dormir e então apanhou nele e levou-o p’rôs frades p’ra um convento que lá havia e pediu ô superiora que o vestisse de frade, no ôtro dia, e que o mandasse a fazer a..., a c’brança. Pediom; os frades iom a pedir de port’ em porta p’ra..., p’ra sobreviverem. E então ele ia com a cesta, enfiou-a:

–– ’Tã mas eu agora sou frade?! Ê nã me lembro! ’Tã mas eu agora sou frade?! ’Tã o abade superior manda-me a fazer a cobrança, é porqu’ ê sou frade, pronto.

Lá se vestiu e lá foi. E quando chigou –– com o cest’ enfiado no braço –– e quando chigou à porta dele, que a mulher lhe veio a dar a ’smola, os ovos e as coisas qu’ elas davom, ele diss’:

–– Áh! Atão ê realment’ ê sou frade, mas est’ er’ á minha mulher e a minha casa!? Bom mas eu agora já sou frade e já nã posso (...). –– e lá continuou com a sua vida de frade a pedir.

A ôtra o qu’ é que se lembrou? –– Tinha um vezinh’ ali ô lado que tinha ’ma barbearia. E então pediu ô vezinho p’ra mudar a barbearia p’ra casa dela, qu’ era p’rá noite, cond’ o marido viesse, ver que já era barbeiro e que não era..., e na coiso. E fechavom a ôtra porta. Isso fizerom. Mudarom a barbearia, e el’ à noite cond’ veio do trabalho, os burros viom-se no ’spelh’ e nã qu’riom entrar. E ele:

–– Atão agora! –– i’ á bater nos burros mas... –– qu’ é! ’Tã mas agora a minha casa, agora é o barbeiro?! ’Tã mas qu’ é isto?! –– e foi perguntar:

–– ’Tã na vês que tu agora qu’ és barbeiro!? Já ’tá aqui a barbearia e já (...).

Acreditou que era barbeiro, e então ficou uma mentira muit’, as três mentiras que eles acreditarom. Agora, o fim é qu’ ê nã me lembro.