nome:
Mariana dos Santos Pacheco (Mariana Bicho)
ano nascimento:
1938
freguesia: Salvada
concelho:
Beja                                           
distrito:
Beja
data de recolha: Outubro 2010
 
 

Inventário PCI

A mulher do maioral

Beja

“A mulher do maioral”-Uma mulher tem o padre por amante e o seu marido de nada desconfia…

 

Mariana Bicho; Salvada; Ano de nascimento: 1938; Concelho de Beja.

Registo 2010.

Conto jocoso: Ciclo do Marido Tolo: Boggs *1424, Domingos Ovelha (Wife has husband carry her on his back to lover where she makes fun of husband).

 

Classificação: Isabel Cardigos (CEAO/Universidade do Algarve) em Setembro de 2011.

Fonte da classificação: Isabel Cardigos, Paulo Correia, J. J. Dias Marques, Catalogue of Portuguese Folktales, “F.F. Communications nº 291 “ Academia Scientiarum Fennica, Helsínquia, 2006. Elaborado a partir dos catálogos internacionais, nomeadamente o “Aarne-Thompson” (The Types of the Folktales, “F.F.C. nº 184, Helsínquia1961) e a recente reformulação de Hans-Jörg Uther, The Types of International Folktales: A Classification and Bibliography, “F.F.C. 284-286”, Helsínquia 2004.Foi utilizada a reformulação portuguesa ampliada, ainda inédita. Neste caso, foi adoptada a classificação de Ralph Boggs, Index of Spanish Folktales, “F.F. C. nº 74”, Helsínquia, 1930.

Transcrição

A mulher do maioral(1)

 

Um môral(2)! Coitado, andava guardando as ovelhas… Era môral de ovelhas! E ficava lá toda a noite ao pé do gado.

 

E o que é que a mulher dele faz? Ia todos os dias à missa, deu em dormir com o padre! Era amiga(3) do padre!

 

O desgraçado na’(4) apanhava nada…Até que ele um dia, diz assim:

 

- Oh! Atão(5), mas eu na’ vou nenhum dia à missa… Eu tenho que ir à missa. A minha mulher vai direitinha pò(6)Céu e eu fico cá!

Bom, chegou lá – e o homem (…) chamava-se Domingos – ela já ‘tava(7) toda composta, toda perfumada pra ir à missa. Viu vir:

- Atão, onde é que vens?!

 

- Ai mulher, vou à missa! Olha, hoje deixei as ovelhas lá presas e vou à missa.

 

- Ah sim, marido?

 

- Sim. Vou à missa.

Chegou, ele olhou, olhou, na’ a viu. Mas viu-o a ele e fez-lhe assim [com um aceno de cabeça lhe disse]:

- Olá, Ti(8)Domingos-ovelha!

Ele voltou pra casa, disse assim à mulher:

- Olha lá, mulher? Sabe o que o senhor padre me disse?! “- Olá, Ti Domingos ovelha!”

 

- Ah, sim?! Ah!!! Disse-te isso?

 

- Disse!

 

Bom, no outro dia, ovelhas presas outra vez. Foi com ela. Viu…

- Ai, marido! Ontem na’ fui à missa, mas hoje tenho que ir! Tenho que ir descompor o senhor prior!

 

Chegou – ela doía-lhe uma perna, na’ podia ter ido à missa! – e atão lá ia ela toda coxa. O que é que ela faz?

- Olha! Ai marido, tens que me levar às caveritas(9)!

 

Lá foi o desgraçado do môral com ela às caveritas. Uma bicha daquelas, sem prestar pra nada! [Risos]. Lá foi ela.

Bom, chegaram lá (…) olhou, viu os dois. E fez-lhe assim:

- Olá, Ti Domingos-ovelha.

 

- Olhe lá, senhor padre Cabrita!

Pai da minha Marianita,

estragador dos me’s(10) lençóis,

comidor(11) dos me’s perus,

pai dos me’s filhos todos!?

Chamar Domingos–ovelha ao me’ marido?

Chama Domingos-cornêlha(12)!

Que dá três voltas

por detrás das orelhas!

Cabrão que me trouxe,

cabrão que me alevante(13)

que nas costas dele

me hei-de de ir montar!

 

- Oh, mulher! Na’ digas tantas coisa ao senhor prior! - [Risos]. Coitado! Sem entender nada! Do que ela dizia…

- Atão, marido?!

 

- Na’ digas mais coisas mulher! Na’ descomponhas o senhor prior!

 

Coitado, tã’(14) inocente sem ver nada… [Risos].

 

Mariana Bicho, Beja, Outubro de 2010

 

Glossário:

(1) Maioral – «chefe dos pastores da mesma herdadehttp://www.infopedia.pt/lingua-portuguesa-ao/maioral

(2) Môral – môral (contracção de maioral «principal pastor do gado. No ms. 1º. acha-se escrito moural. Num doc. do sec. XIII, publicado pelo snr. Gabriel Pereira nos seus Doc. da cidade de Evora, lê-se mayoral de gaados (pag.28).» Vasconcelos, J. Leite de. (1890-1892). Dialectos alentejanos. Revista Lusitana. Volume II, Livraria Portuense, pp.22-23.

(3) Amiga – amante.

(4) Na’ – não (pronuncia popular, uso coloquial).

(5) Atão“então”, regionalismo de Portugal, de uso informal e coloquial.

(6) – “para o”, forma sincopada de prò (contração da preposição pra com o artigo ou pronome o), uso popular e coloquial.

(7) ‘Tava – “estava” ( pronúncia popular do verbo “estar” conjugado).

(8) Ti – o mesmo que tio. Forma de tratamento que, em Portugal e sobretudo na província, no campo, é usada para homens de certa idade e de condição modesta.

(9) Caveritas – cavalitas ( hipótese pelo contexto e pela acção).

(10) Me’s – meus (supressão da vogal u para reprodução da pronúncia).

(11) Comidor – comedor.

(12) Cornêlha«Cornêlhas, aneis de pano, recheados de lã, que se enfiam nos cornos dos bois para que o aperto da firma, ao preencher o jugo e milhêlhas, não vá ferir os bois na base dos cornos. Vid. apeiros.» Azeredo, Álvaro de. (1908). Apontamentos sobre a linguagem popular de Baião. Revista Lusitana, Volume XI, Lisboa: Imprensa Nacional, pp. 192.

(13) Alevante – levante (verbo levantar).

(14) Tã’ – tão (de tal maneira, em tal grau).

 

Referências bibliográficas e recursos online utilizados no glossário:

Azeredo, Álvaro de. (1908). Apontamentos sobre a linguagem popular de Baião. Revista Lusitana, Volume XI, Lisboa: Imprensa Nacional, pp. 192.

Barros, Vítor Fernandes & Guerreiro, Lourivaldo Martins. (2005). Dicionário de Falares doAlentejo. Porto: Campo das Letras. p.31, 128.

Barros, Vítor Fernandes, (2006). Dicionário do Falar de Trás-os-Montes e Alto Douro. Lisboa: Edição Âncora Editora e Edições Colibri, p.124.

Chaves, Luís. (1916).Folclore de S.ta Vitória do Ameixial. Volume XIX. Lisboa: Livraria Clássica Editora, p.320.

Pires, A. Tomás. (1907). Vocabulário alentejano. Revista Lusitana. Volume X, Lisboa: Imprensa Nacional, p.96.

Santos, Felício dos. (1897-1899). Linguagem popular de Trancoso. Revista  Lusitana. Volume V, Lisboa: Antiga Casa Bertrand, p.170

http://aulete.uol.com.br; http://ciberduvidas.sapo.pt; http://michaelis.uol.com.br; http://www.ciberduvidas.com; http://www.infopedia.pt; http://www.priberam.pt

Caraterização

Identificação

Tradições e expressões orais
Manifestações literárias, orais e escritas
A mulher do maioral
1938
Mariana Bicho

Contexto de produção

Contexto territorial

Junta de Freguesia de Salvada
Salvada
Beja
Beja
Portugal

Contexto temporal

2010
Actualmente sem periodicidade certa. Encontros informais e iniciativas do Município de Beja.

Património associado

Transmitidas aos serões, em quotidianos de trabalho e lazer.

Contexto de transmissão

Estado da transmissão
ativa
Descrição da transmissão
Agentes de tramissão

Contadores de histórias que participam em iniciativas do Município de Beja. São convidados na iniciativa Palavras Andarilhas. Vão a escolas, lares e bibliotecas.

Idioma
Português

Equipa

Transcrição
Maria de Lurdes Sousa
Registo vídeo / audio
José Barbieri
Entrevista
Filomena Sousa
Inventário PCI - Memoria Imaterial CRL