Inventário PCI

O Carnaval

Mora

"O Carnaval" -

O número de ovos a partilhar numa refeição de açorda motiva uma zanga séria entre um casal e traz consequências funestas e hilariantes a toda a comunidade.

Luísa de Jesus; Mora; Concelho de Mora, Évora

Registo 2007.

Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: AT 1365 D*  Quem Comerá o Terceiro Ovo?

 

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.

Transcrição

O Carnaval

 

A senhora foi passar o Carnaval em casa do filho. Marido e mulher. Só tinham um filhinho! Dantes o Entrudo, aqui há cinquenta e seis anos, na' queira saber como era! Aquilo eram perus mortos, eram filhoses, era arroz-doce e peru morto e guisado, aqueles assados de peru! Aquela coisa muito boa! A mulher passou lá os dias todos mais o marido na do filho. Depois veio toda atabarrotada com tanta carne... Aquilo eram filhoses (feitas assim como os guarda-chuvas sem varetas) e arroz-doce e azevias... Na' queira saber!

Quando acabou o Carnaval vieram-se embora, quem de lá não é e lá não mora, teve que s'ir embora! Veio de lá muito abatarrotada e, olhe, acontece que chegou cá a casa, disse assim pò marido:

– Ó marido! Que é que hei-de fazer pò almoço?!

Marido – Olha uma açordinha! – É o me'mo que o meu marido diz quando a gente vem de qualquer lado que eu na' tenho comer!

E disse assim a mulher:

– Uma açordinha! Atão vá... Eu ponho três ovos a cozer e fazemos uma açordinha.

Disse assim o marido logo... Espírito santo de orelha!

– Atão somos só dois e pões três ovos?!

Mulher – Eu como dois!

Ele ficou logo azedo!

Marido – Atão? Somos só dois e agora pões três ovos...

Mulher – Atão, eu cá como dois!

Chegou-se à hora da açorda, ela foi fazê-la. Assim foi. Descascou os dois ovos pra ela e o marido só um ovito. E ele disse assim:

– Olha lá! Atão se partisses o ovo ao meio, cada um comia um e metade!

Mulher – Não! Quero comer dois!

Teimou. Tanto discutiram, tanto discutiram (por caso do raio do ovo! Se fosse eu punha meia dúzia, já na' havia briga). Olhe, ele deu-lhe cá um murro! No sítio mortal, aqui por uma fonte... Ela caiu pò chão, ficou morta! Parecia que ficou morta, mas ficou atordoada e aguentou-se assim.

E dantes iam logo tratar da boda! Fazer logo o funeral! (Por isso é que a gente antes 'tá vinte e quatro horas, pra ver se revivemos). Ele foi tratar do funeral, logo do caixão e daquilo tudo e dizer às pessoas... Mas nunca disse que lhe tinha dado um murrozinho com vontade! Acontece que veio a família toda (que ela já na' via há que tempos), veio tudo ao funeral da mulher. E foi assim uma coisa de surpresa...

Até um coxo foi ao funeral.

– Oh, senhor! Fulana morreu! Ai que desastre, aquela senhora morreu tão de repente!

Coxo – Atão eu sou coxo, mas vou também ao funeral!

Lá no cemitério, abriram-lhe o caixão (como é hábito, pra tudo ver) e foi me'mo a hora de ela acordar! Viu tanta gente (que ela há tanto tempo que na' via da família), começou-se a rir! Sabe o que o maroto do homem disse?! O malandreco?!

– Atão agora... – Ele estava com o olho nela. – Atão agora 'tás-te a rir?! Olha, a despesa 'tá feita! Tens que ir!

Ela ainda mais se ria! Via as pessoas...

Marido – Atão, agora 'tás-te a rir?! A despesa 'tá feita, tens que ir!

Mulher – Ai, credo!

A mulher lembrou-se! Saiu do caixão.

Mulher – Hei-de comer dois! E hei-de comer dois! E hei-de comer dois! – Lembrou-se que era do ovo! – Hei-de comer dois!

O acompanhamento abalou todo a fugir. E 'tava lá um coxozinho que foi em muletas.

E ela dizia:

– Hei-de comer dois! Hei-de comer dois!

O coxo dizia assim:

– Ai, de mim! E d' outro! Eu já sei que sou comido! Qual será o outro? Ai de mim! E de outro! – E coxeava e abalava... – Ai de mim! E d' outro! Eu já sei que sou comido, qual será o outro?!

O pessoal todo a fugir... E bem-dito, louvado, o meu continho 'tá acabado! E desculpe se na' é do seu agrado!

 

Luísa de Jesus, 76 anos, Amieiras (conc. Mora), Junho 2007.

 

Caraterização

Identificação

Tradições e expressões orais
Manifestações literárias, orais e escritas
O Carnaval
1931
Luísa de Jesus

Contexto de produção

Contexto territorial

Mora, Casa da Cultura de Mora
Mora
Mora
Évora
Portugal

Contexto temporal

2007
Hoje sem periodicidade certa. Encontros informais e iniciativas do Município de Mora e escolas

Património associado

Transmitidas aos serões, em quotidianos de trabalho e lazer.

Contexto de transmissão

Estado da transmissão
ativa
Descrição da transmissão
Agentes de tramissão

Contadores de histórias participam em iniciativas do Município de Mora. São convidados para participar na inicativa Palavras Andarilhas. Vão a escolas, lares e bibliotecas. Participam em iniciativas do Fluviário de Mora e da Casa da Cultura. Destacam-se as seguintes actividades desenvolvidas desde 1999:

 

- Encontro de Contadores e Histórias - 1999 a 2005

- Ti Tóda - Conta-me eum conto, estafeta de contos - 2001 a 2004

- As lendas vão à escola - 2005

- O Talego Culto - 2007

- O Talego ambiental - 2007 a 2008

- Comunidade do Canto do Lume

Idioma
Português

Equipa

Transcrição
Maria de Lurdes Sousa
Registo vídeo / audio
José Barbieri
Entrevista
José Barbieri
Inventário PCI - Memoria Imaterial CRL