As fotografias foram o rastilho que incendiou a memória. Poderiam ter sido cem ou meia dúzia, mas como tudo tem um princípio, decidimos apostar no 13, esconjurar a crença no infortúnio, provocar o estremecimento, registar o encontro entre o instante aprisionado na imagem e as imagens instáveis, conflituantes, que a memória constrói e reconstrói dentro do seu tempo; ouvir falar de desencontros (que são pontos negros na História), descerrar o sofrimento, criar cumplicidades, reconhecer o trabalho e as lutas que traçam a diferença, sorrir às hesitações, aos lapsos e “esquecimentos” que a memória tece; jogar na metáfora do número a ambiguidade de sentidos que atravessam a imagem (também as alegrias e as suas celebrações), captar na singularidade de cada ponto.de.vista, o estranho ímpar que é todo o ser humano. Este projecto, cataliza o espanto, individual e colectivo, que assenta na descoberta de uma cidade nunca vista, sobre certos pontos.de.vista. Trata-se de criar com os parceiros e voluntários, uma nova e sofisticada cartografia do património, subjectiva, plural e diversa, reconstituída a partir das pessoas e dos seus mundos. O que aqui se apresenta é uma infinitésima parte do que temos recolhido, mas fica o exemplo, a síntese, o mote para a criação de um centro de memórias que registe metodicamente o que está para além das evidências. O que nos torna ímpares, estranhamente diferentes, entre iguais.
Isabel Victor Divisão de Museus / Câmara Municipal de Setúbal
O Projecto Este projecto de recolha e registo de memórias orais tem como ponto de partida as fotografias de Américo Ribeiro, Arquivo Municipal que faz parte do património cultural e artístico de Setúbal. A escolha não foi inocente, sabíamos, à partida, que o arquivo Américo Ribeiro estava inscrito nas vidas e memórias dos cidadãos, não só pela sua riqueza temática, mas também pela forma como Américo Ribeiro se relacionou com as pessoas e com a cidade. Também sabíamos que os afectos gerados pelas imagens e apego aos lugares, fotografados durante mais de meio século, facilmente despertariam a vontade de dizer algo. Para conseguirmos chegar a esta síntese, apresentada sob a forma de exposição e filme, foi necessário um longo e intenso trabalho de retaguarda, que teve início em Outubro de 2007 e que continua a decorrer. Até ao momento, foram trabalhadas 398 imagens, das quais 94 versam o Vitória Futebol Clube; 196, a cidade e as pessoas; 27, as fábricas de conservas e 81, a Batalha das Flores, entre outras festas e tradições. Neste percurso, recolheram-se histórias de vida, memórias, criaram-se afectos e geraram-se emoções em torno do mote escolhido. Constituíram-se redes interpessoais envolvendo os museus e os diferentes grupos na comunidade, contribuindo para atenuar as barreiras sociais e intelectuais que ainda hoje inibem algumas pessoas de entrar nos museus e aceder a bens culturais e patrimoniais, que são pertença de todos. Com este trabalho buscamos a aproximação entre a comunidade, os museus, os patrimónios e aproveitamos a irrepetível oportunidade de recorrer a informantes que foram contemporâneos de acontecimentos fotografados por Américo Ribeiro, tornando-os narradores da sua própria história. A valorização dos saberes e experiências de vida dos membros da comunidade, sistematizados em forma de documentos acessíveis aos públicos e investigadores, permite-nos acrescentar aos espaços museológicos uma outra dimensão de pesquisa, baseada na escuta e no compromisso com os cidadãos, engrandecendo e humanizando o leque de serviços dos museus e os conteúdos do património imaterial. A exposição 13 Fotografias, 13 Estórias, 13 Filmes, reúne um conjunto ímpar de imagens seleccionadas pelos informantes, de acordo com os seus critérios e preferências pessoais. A subjectividade dos seus olhares remete-nos para múltiplas e desafiantes leituras da cidade. O filme que acompanha a exposição “13 fotografias, 13 estórias, 13 filmes” foi realizado e montado para funcionar enquanto complemento de uma exposição de fotografias. Esta especificidade traduziu-se na utilização de um cenário comum a todos os participantes do filme, cenário este que incorpora em si um valor histórico e expositivo pois foi utilizado pelo autor, Américo Ribeiro, nas suas fotografias de estúdio. Desta forma conseguimos criar um ambiente cenográfico de época e que nos remete para a figura de Américo Ribeiro, a partir da qual se inicia o processo de recolha de memorias associadas as fotografias. O cenário é composto por dois adereços: pano de fundo e poltrona. Nenhum destes é filmado na sua totalidade mas apenas a parte de enquadramento onde o participante se insere. A narrativa é estruturada a partir das fotografias, surge em primeira instância a fotografia que figura no ecran durante oito segundos, seguindo-se o testemunho que oscila entre 1 minuto e 3 minutos – não há a manipulação de nenhum testemunho a não ser o simples corte e cola, utilizando o «fade» como forma de transição. Optou-se pela não utilização de banda sonora dado que as fotografias figuram apenas no ecran oito segundos. Preferimos mantê-lo o mais próximo possível do ambiente utilizado na gravação no qual impera o silêncio e concentração demonstradas pelas participantes do Centro de Memórias. Desta forma valorizamos o testemunho, pelo seu conteúdo, não utilizando nenhuma outra fonte sonora para além das vozes que dão vida às fotografias. O programa utilizado para a montagem do filme foi o Adobe Premiére CS PRO e a sua duração total é de 26 minutos. Agradecemos a todos os que contribuíram para que isto fosse possível, dando-nos os seus únicos e irrepetíveis pontos-de-vista. Maria Miguel Cardoso Museu do Trabalho Michel Giacometti | Divisão de Museus | Câmara Municipal de Setúbal Bruno Ferro Arquivo Municipal Fotográfico Américo Ribeiro | Divisão de Museus | Câmara Municipal de Setúbal Edite Barreira Projecto «Ao Encontro da Memória Através do Património»
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