Inventário PCI

O padrinho apaixonado

Beja

“O padrinho apaixonado”- Um homem ciumento de sua mulher e um padrinho de casamento apaixonado pela noiva provocam uma situação de tensão emocional que é explicada em verso.

 

Idalina Cocito; St. Clara de Louredo; Ano de nascimento: 1938; Concelho de Beja.

Registo 2010.

Conto novelesco: Ciclo “Provas de Fidelidade e Inocência”: Tipo 891B*, A Vinha e as Uvas (The King’s Glove).

 

Classificação: Isabel Cardigos (CEAO/Universidade do Algarve) em Setembro de 2011.

Fonte da Classificação: Isabel Cardigos, Paulo Correia, J. J. Dias Marques, Catalogue of Portuguese Folktales, “F.F. Communications nº 291 “ Academia Scientiarum Fennica, Helsínquia, 2006. Elaborado a partir dos catálogos internacionais, nomeadamente o “Aarne-Thompson” (The Types of the Folktales, “F.F.C. nº 184, Helsínquia1961) e a recente reformulação de Hans-Jörg Uther, The Types of International Folktales: A Classification and Bibliography, “F.F.C. 284-286”, Helsínquia 2004.Foi utilizada a reformulação portuguesa ampliada, ainda inédita.

Transcrição

O padrinho apaixonado

 

«Havia um homem que era muito desconfiado(1) da mulher e morava num monte(2). (…) E ó’pois o padrinho de casamento (a moça era muita(3) bonita!) começou assim a gostar da moça. Nesse tempo era assim! Agora já é um relaxo(4), mas nesse tempo era uma coisa de respeito. E vai o marido andava desconfiado: andava triste, andava triste…

 

E ela[e] assim: - Atão(5), mas o te’(6) marido anda tã’(7) triste?!

- Na’(8) sei… Diga lá! Eu, na’ sei o qu’ele tem!

 

Mas ele assim: - Bom, eu agora vou mandá-lo a uma herdade(9)...Vai sozinha[o] à herdade, a ver se ele lhe passa…

 

E ele pega no cavalo e abalou(10) pa’(11) outra herdade.

Mas nessa noite que a rapariga se deitou (ela era uma perca muito fina) e ele vai, foi ao quarto onde ela ‘tava(12) - o patrão, que era o padrinho -, mas viu-a deitada, tã’ bonita, tã’ bonita, que nem tã’ pouco lhe tocou. - Quer dizer, destapou-a né(13)? Mas depois, tapou-a. E deixou um cigarro em cima da bainha de cabeceira.

Olhe, o marido veio mais cedo cás(14) plantas (…) e pronto... Dizia que se queria ir embora e que já ná’(15) a queria e *que assim e qu’ assado*(16)

Bom, o padrinho disse: - Ai, diga lá, o que é qu’ eu faço à minha vida?! - Nem a rapariga tem motivos do homem lá ‘tar! E disse: - O que é qu’ eu faço à minha vida?!

- Atão, agora na’ me liga, eu tenho que me ir embora! - Disse ó(17) padrinho.

- Não, *a gente*(18) vamos fazer um jantar.

 

Quer dizer que fizeram um jantar (com aquela gente muito clássica e tudo) e convidaram (…) o afilhado e ela. Depois começaram a dizer:

- A gente agora vamos dizer aqui (…) um poema.

 

Diz ela assim: - Eu lhe digo que sou a primeira a dizer. - E ó depois ela disse assim (é tudo em verso):

- Eu já fui vinha podada, podada dum bom podão.

E agora sou desprezada, mas na’ sei porque a razão!

 

E ó depois, o marido disse:

- Quem seria o ladrão, que na minha vinha entrou?!

Bons cachos de uvas comeu, boa espada levantou. - Por causa que ele tinha levantado.

E ó’ depois o patrão responde:

- Eu é que fui o ladrão que na tua vinha entrei. Bons cachos de uvas vi,

boas espadas levantei mas, se eram boas ou não na’ sei que nunca as provei.»

 

Idalina Cacito, Beja, Abril de 2010

Glossário

(1) Desconfiado – suspeitoso, no caso, ciumento – atormentado pelo medo da infidelidade.

(2) Monteregionalismo do Alentejo - «Cada herdade, com raríssimas excepções, contém uma casa ou edifício denominado monte - talvez por ser construído sempre no alto duma colina ou ondulação do terreno, - no qual, além da parte destinada à habitação do proprietário e do seu feitor, ou guardas, existem os celeiros, as arrecadações da ucharia ou dos aparelhos agrícolas, as cavalariças, o forno, a abegoaria, etc. Em algumas herdades há, ainda, outras casas, alugadas aos jornaleiros ou criados da lavoura, designados então por caseiros, - termo de sentido bem diverso do que lhe compete ao norte do Tejo, onde significa feitor.» (Gonçalves:1921:129).

(3) Muita – muito, neste caso.

(4) Relaxo – relaxamento: descontracção por desregramento dos costumes.

(5) Atão – “então”, interjeição e regionalismo de Portugal, de uso informal e coloquial que, no caso, denota espanto.

(6) Te’ – teu (suprimiu-se a vogal u para manter a pronúncia popular).

(7) Tã’ – tão (de tal maneira, em tal grau).

(8) Na’ – não (pronuncia popular, uso coloquial).

(9) Herdadegrande propriedade rural que engloba habitação e terras de cultivo - «As propriedades rústicas do Alentejo, exceptuadas as pequenas courelas ou querelas, hortas ou fazendas ou quintas, chama-se herdades e a sua extensão varia entre 20 a 500 hectares, sendo mui raras as de maior extensão. (...) - Cada herdade, com raríssimas excepções, contém uma casa ou edifício denominado monte (…)».(Gonçalves:1921:128/129).

(10) Abalou – partiu.

(11) Pa’ “para” (em próclise, usadode modo informal e coloquial).

(12) Tava –“estava” ( pronúncia popular do verbo “estar” conjugado).

(13) Cás – neste caso específico, pressupõe-se “com as” e não “do que”.

(14) Né? – não é? Contracção do advérbio ‘não’ e da forma verbal ‘é’ – “não é”?

(15) Ná’ – não (pronuncia popular, uso coloquial).

(16) Assim e qu' assado – desta e daquela maneira; isto e aquilo.

(17) Ó – ao.

(18) A gente - subentende-se o sujeito “nós”.

 

Referências bibliográficas e recursos online utilizados no glossário:

Barreiros, Fernando Braga. (1917). Vocabulário barrosão. Revista Lusitana, Volume XX, Lisboa: Livraria Clássica Editora, Lisboa. p. 141.

Barros, Vítor Fernandes & Guerreiro, Lourivaldo Martins. (2005). Dicionário de Falares doAlentejo. Porto: Campo das Letras, p. 19, 38.

Gonçalves, Luís da Cunha. (1921). A vida Rural do Alentejo. Breve estudo léxico-etnográfico. II - O regime da propriedade rural. A terra e a habitação. O lar e a alimentação. Sistema usual de explorar a terra. Os salariados e os salários. Horário do trabalho rural (pp.128-136). Academia das Sciencias de Lisboa. (1926). Boletim da Classe de Letras (Antigo Boletim da Segunda Classe). Actas e Pareceres Estudos, Documentos e Notícias. Volume XV. 1920-1921. Coimbra: Imprensa da Universidade (p.128-129).

Nunes, José Joaquim. (1902). Dialectos Algarvios (Lingoagem do várlavento) (Conclusão). Revista Lusitana: Arquivo de Estudos Filológicos e Etnológicos Relativos a Portugal, (1ª Série), Volume VII, Lisboa: Antiga Casa Bertrand.  pp. 250.

Vasconcelos, José Leite de/Centro de Linguística da Universidade de Lisboa. Dicionário de Regionalismos e Arcaísmos (DRA). Em linha, URL/PDF, p.720 http://alfclul.clul.ul.pt/clulsite/DRA/resources/DRA.pdf.

http://acll.home.sapo.pt/portugues.html;http://aulete.uol.com.br;http://dicionario.sensagent.com; http://michaelis.uol.com.br; http://www.ciberduvidas.com; http://www.dicio.com.br; http://www.infopedia.pt; http://www.priberam.pt.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Caraterização

Identificação

Tradições e expressões orais
Manifestações literárias, orais e escritas
O padrinho apaixonado
1938
Idalina Cocito

Contexto de produção

Contexto territorial

St. Clara de Louredo
St. Clara de Louredo
Beja
Beja
Portugal

Contexto temporal

2010
Actualmente sem periodicidade certa. Encontros informais e iniciativas do Município de Beja.

Património associado

Transmitidas aos serões, em quotidianos de trabalho e lazer.

Contexto de transmissão

Estado da transmissão
ativa
Descrição da transmissão
Agentes de tramissão

Contadores de histórias que participam em iniciativas do Município de Beja. São convidados na iniciativa Palavras Andarilhas. Vão a escolas, lares e bibliotecas.

Idioma
Português

Equipa

Transcrição
Maria de Lurdes Sousa
Registo vídeo / audio
José Barbieri
Entrevista
Lénia Santos
Inventário PCI - Memoria Imaterial CRL