Inventário PCI

A praga do boi

Alenquer

"A praga do boi" - Relato de um homem ciumento que lançou uma praga ao próprio filho, que terá nascido com corpo humano e cabeça de bezerro.

Mariana Monteiro, Ano de Nascimento 1942. Mata de Palhacana. Pereiro de Palhacana. 

Relato sobre práticas culturais

Transcrição

A praga do boi

"Olhe, eu tinha um vizinho meu que era muito malandro. No tempo que eu era novinha, no tempo do pai dos meus filhos. E ele disse:

- A minha mulher, se... Se…

Mas isto é verdade.

- Se a minha mulher…

Foi castigo, ele depois teve um grande castigo; matou-se. Ele depois matou-se. Ele disse:

- O filho da minha mulher, se for meu, tem que trazer… É metade… Metade do corpo bom e a cabeça dele vai ser a cabeça dum boi, se ele for meu filho.

Então não é que a cara do rapazinho era um bezerrinho e uns corninhos? Um bezerrinho e uns corninhos. E ele matou-se. Então, isso… Teve que ser abatido, essa criança, no hospital. Foi abatida. Foi morta. Deram uma injecção, que aquilo não podia viver, não é? É verdade. E ele matou-se, o homem. Essas baboseiras que diziam pela boca fora – e na altura que ele disse, foi uma coisa que foi bem apanhada para um castigo, para ele ter um castigo. Porque a senhora era uma senhora séria, uma senhora boa e uma senhora séria. E ele dizia isso. Era desconfiado, era muito desconfiado. Pois.

Depois eu, quando engravidei, dizia para o meu marido:

- Ai, credo! Ai, Deus queira que eu não tenha assim uma criança…

- Ó rapariga, cala-te, não digas isso! -dizia ele: -Ele é que fez a baboseira.

Parece que eu ainda estou, parece que estou a ver o retrato da criança. Depois a gente foi visitá-la ao hospital. A criança ainda esteve quinze dias em [incubadora]. Esteve quinze dias assim num vidrinho e a gente via através do vidro. Tinha… Não eram uns cornos saídos, era assim um jeitinho duns corninhos e a carinha dele era um bezerrinho, era um bezerrinho! É verdade. Parece que estou a ver aquele filme.

Mas ele, também, foi ver o filho, chegou a casa, meteu-se logo dentro dum poço. Olha, foi bem feito. Não tive pena nenhuma dele. Que isso não se diz! É, é.

Havia coisas… Muita gente que se matava; por qualquer coisa, matavam-se. Os meus avós mataram-se com vinte e oito anos os dois no mesmo dia, os pais da minha mãe. É verdade. Não é do meu tempo, mas as minhas tias diziam. Está lá a campa em Santo Quintino, a data que eles se mataram e tudo. Eles matavam-se; por qualquer coisa, matavam-se. Uma rapariga: o rapaz não queria saber dela e ela, pumba: matava-se. Era noutro tempo. Era pior do que é agora. Não digam que não."

Caraterização

Identificação

Tradições e expressões orais
Manifestações literárias, orais e escritas
A praga do boi
1942
Mariana Monteiro
Trabalhadora agrícola

Contexto de produção

Contexto territorial

Mata de Palhacana, café local
Pereiro de Palhacana
Alenquer
Lisboa
Portugal

Contexto temporal

2013

Património associado

Contexto de transmissão

Estado da transmissão
ativa
Descrição da transmissão
Agentes de tramissão

Histórias partilhadas nos tempos de lazer e em festas e romarias. Actividades promovidas pelo Município.

Idioma
Português

Equipa

Transcrição
Ana Sofia Paiva
Registo vídeo / audio
José Barbieri
Entrevista
Filomena Sousa
Inventário PCI - Memoria Imaterial CRL