Inventário PCI

O rei da floresta

S. Pedro do Sul

"O rei da floresta" - Um gato finório, depois de expulso de casa, passa por rei da floresta com a ajuda e manha de uma raposa.

Mestre Silva, Ano de Nascimento 1922. Manhouce. S. Pedro do Sul. Registo 2007.

Conto

Transcrição

O rei da floresta

 

Bem, vamos então começar. Eu vou contar uma história. É um conto. É o conto do Dom Gato Miador. Havia muito longe na floresta uma casinha perdida. Perdida não, assim afastada, onde vivia um velhinho e uma velhinha e um gato. Eles faziam o almoço numa pucarinha em casa, comiam e deixavam o resto – já ficava para o jantar para quando chegassem.

O gato… Às vezes são meio malandros, os gatos são malandros – alguns – por causa de apanhar a comida. Os velhinhos foram apanhar a lenha à floresta. Demoraram um bocado… O gato, às tantas, tirou a tampinha com a mãozinha. Tirou a tampa, meteu o focinho e foi comendo. Foi comendo… comeu tudo. Comeu tudo.

O velhinho e a velhinha chegaram a casa, não tinham. O homem ficou arreliado e a velhinha também ficou arreliada, porque teve que fazer outra vez o comer porque estavam com fome.

Ao outro dia, disse:

- Vamos lá ver, que ele hoje… ele hoje não vai comer.

Cerraram a porta mas a porta não tinha fecho, não tinha chave, não tinha nada… E o gatinho encostou-se, encostou-se, encostou-se… Tanto se encostou que foi para a beira do borralho. E a comida ficava dentro do pucarinho à beira do borralho, que era para quando chegasse ainda não estava fria para comer. E então eles foram para a lenha outra vez. Quando chegaram, o púcaro já não tinha nada outra vez! Diz assim:

- Ó… Esta é que foi. Então a gente encostou a porta tão bem e ele veio cá outra vez, o gato?

- Pois foi. Ele foi lá e comeu tudo. Tirou a tampa, meteu o focinho, foi comendo… comeu tudo.

Diz o homem assim para a mulher:

- Olha, arranja-me aí um saco.

E ela:

- Para que é que queres um saco?

- Arranja-me um saco.

Arranjou-lhe um saco. Ele pega no gato e mete-o dentro do saco. Põe o saco às costas, pega no pauzito e vai para a floresta. Foi mesmo longe, ao meio da floresta, lá mesmo longe… Sacudiu o saco e o gato ficou lá. E ele veio-se embora; o velhinho veio-se embora. O gato não voltou para casa, não. Começou a olhar para um lado, para o outro, muito admirado… Estava num mundo novo. Subiu para cima das pedras, subiu acima das árvores… Caçou passarinhos, comia… Estava ali num mundo maravilhoso para ele. Andava nesta vida folgada quando de repente uma raposa passou e viu aquele bichinho tão bonito.

- Ai… Mas que bicho tão bonito.

Foi-se aproximando dele e disse:

- Quem é o senhor?

E diz o gato:

- Eu? Eu sou o Dom Gato Miador, rei desta floresta!

E ela diz:

- Ah… Rei desta floresta? Ai, é muito bonito… Olhe, você é muito bonito, eu gosto muito de si…

Diz ele assim:

- Eu também gosto, mas… Agora sou o rei desta floresta, sou dono disto tudo.

Diz ela assim:

- Ah…Não sabia… Não sabia mas olhe, eu estou admirada porque o senhor é muito bonito. Eu até gostava de si. Se fosse da sua vontade a gente podíamos casar os dois.

E diz o gato assim:

- Eu não sei o que isso é. Mas pode ser!

Aceitou. Aceitou o casamento. Então, disse:

- Olha, então eu vou dar a notícia àqueles bichinhos que eu conheço todos. Vou dar a notícia!

E foi a correr dar a volta à floresta e o gatinho ficou lá à procura de passarinhos para comer. E a raposa foi, caminhou, caminhou… Encontrou o lobo. Encontrou o lobo e diz-lhe assim:

- Ah, comadre raposa, como tu vais esperta! Tu, ó! Hoje estás muito bonita!

- Shhh! Não admito chalaças, que eu sou uma senhora casada! Agora não admito chalaças. Sou uma senhora casada, quero muito respeito!

- Ah-ah… Então já se casou? Ó comadre, então tu já te casaste?

- Já sim senhor.

- E então quem é o teu marido? Até gostava de o ir presentear.

Diz ela:

- O meu marido é o Dom Gato Miador, o rei desta floresta!

O lobo diz:

- Ah…

- Mas se tu o encontrares, não te chegues muito a ele! Que ele começa a rosnar e zanga-se a atira-se a ti e arranha-te todo!

Ele já ficou com medo do rei. A raposa continuou.

- E então, olha lá: que é que lhe eu levo?

- Tu? Vai caçar um carneiro e leva-lhe um carneiro.

As raposas são espertas como uma raposa, não é?

- Leva-lhe um carneiro…

E o lobo foi à cata do carneiro. E a raposa disse – virou-se para trás para o lobo:

- Mas olha! Sabes onde é a minha casa, onde é o nosso palácio?

- Não…

- Olha, é acolá atrás daquele altinho. Tem uma árvore. E no fundo da árvore tem duas pedras. A gente está… O nosso palácio é por baixo daquelas pedras à vista da árvore, aí a uns vinte metros da árvore.

- Está bem.

- Mas tu, quando trouxeres alguma coisa, deixa ficar onde está a árvore. Não te chegues muito, porque ele pode-se enfurecer, atirar-se a ti e arranha-te todo.

- Está bem, pronto.

O lobo foi à cata do carneiro. Foi procurar, procurar… E a raposa continuou a dar a volta. Continuou a dar a volta, encontrou o urso. O urso também começou a brincar com a raposa e disse:

- Ó comadre raposa, então tu andas aí aos pulos, toda contente… Então o que é que te aconteceu? Tu estás muito alegre!

E diz ela assim:

- Não se meta comigo agora porque eu sou uma senhora casada, não admito que brinque assim comigo.

Disse.

- Ah-ah! Então diga-me lá, conte-me lá então quem é o seu marido e com quem é que casou!

- Casei com o rei desta floresta, com o Dom Gato Miador. É o rei disto tudo.

Ele ficou muito admirado. Disse assim:

- Está bem… Mas então eu não conheço…

- Não, não! Tu não podes ir ao pé dele! Se não ele enfurecesse e atirasse a ti e arranha-te todo!

- Ai… Então ele é assim mau?

- É. É muito mau. Vai ter contigo, arranha-te todo se te encontrar.

Disse:

- Olha, mas eu queria-lhe levar um presente, então como é que eu faço?

Disse:

- Olha, foi o que já disse ao compadre lobo: tu arranja um vitelinho. Vai à criação que anda aí pelo monte, arranja um vitelinho e leva-o lá e deixa ficar ao pé da árvore. Não vás abaixou ao palácio onde a gente mora, que é lá em baixo por baixo dumas pedrinhas que estavam além da árvore. Deixa ficar ao pé da árvore e retira-te. Porque senão, se ele vê, atira-se a ti e arranha-te todo.

Pronto. Lá foi o urso à procura da caça. Foi levar a prenda para o rei. Andaram, andaram, andaram, andaram… Demorou tempo, que aquilo… Não arranjaram naquele dia, foi preciso outro dia… Mas conseguiram. Conseguiram e lá foram eles, o urso com o vitelinho às costas e o lobo com o carneiro às costas. Quando tal, encontraram-se os dois. E diz:

- Ó compadre, então tu para onde vais?

Disse:

- Olha, vou… Levo aqui uma prenda para o nosso rei e vou lá, mas a raposa… A Dona Raposa disse que casou com ele. Já soubeste que ela que casou com ele?

- Ah, pois ela também já me disse.

- Então, olha. E disse para a gente levar as prendas e deixá-las à beira da árvore, em cima, à beira da árvore, que não fosse mais abaixo, que senão ele saltava-nos em cima e arranhava-nos todos!

- Está bem.

- E então tu também vais para lá?

- Eu também vou para lá.

- Pronto.

Vieram os dois, o lobo e o urso, cada um com a sua prenda. Iam para o palácio da raposa – de Dom Gato Miador e a Raposa.

Chegaram ao pé…

- Olha, é acolá, olha! Ela disse, é acolá. E agora a gente deixa ficar aqui…

O urso deixou logo, pousou logo o vitelinho e deixou-o ficar. E o lobo pousou o carneiro também ao lado. E o urso não estava bem, diz assim:

- Ele se calhar vem e atira-se a nós…

E diz o lobo assim:

- E tu o que é que queres, para onde é que tu vais?

- Eu vou para cima desta árvore, que esta árvore… ao menos lá em cima já estou bem e vejo tudo.

- Pois é, tu vais para lá, mas então como é que eu faço? Fico aqui sozinho? E se ele vem e se atira a mim?

- Olha, o que tu deves fazer… Faz aí uma covinha no chão e eu cubro-te com estas folhas secas. Boto-te estas folhas secas por cima e ficas coberto com estas folhas secas.

O lobo fez um borreirinho e o urso juntou aquelas folhas secas da árvore todas e cobriu-o todo certinho, estava todo cobertinho com folhas secas. E o urso trás, trás, trás, trás, trás: subiu para cima da árvore.

Dali por um pouco, saiu o casal do palácio, de braço dado, a Dona Raposa com o Dom Gato Miador. E o urso, que estava lá em cima, viu e era assim:

- Olha!... -começou a bater as palmas. -Olha! Olha como o nosso rei é tão pequenino! Olha como ele é tão pequenino! Ai, como é bonito! Olha tão pequenino!

O gato foi vindo caminhando, caminhando até perto da árvore. Chegou perto da árvore, viu as febrinhas do vitelo vermelhinhas… Deu um salto, vumba: para cima daquelas febras! E começou a comer e a rosnar:

- Arrr, arrrr… Arrr, arrr…

- Olha, atirou-se acima do vitelo e está a comer e está a dizer que ainda é pouco para ele! -e a bater as palmas, e dizia muitas coisas, o urso em cima da árvore.

O lobo também queria ver. Não se podia mexer, estava todo coberto… Eles depois deram a volta e já estavam perto dele, mas ele estava coberto com folhas. E o urso a bater as palmas e a dizer que ele era pequenino mas que era bonito, era muito bonito… E nisto, o lobo também quis ver. Foi…

- Deixa ver se eu consigo ver…

Foi rodando a cabeça devagarinho. Foi rodando a cabeça devagarinho, saiu uma orelha. Ao tempo que saiu uma orelha, ficou a orelha assim de fora e as folhas chiaram, foi: chhhh… As folhas chiaram porque a orelha mexeu com as folhas secas. O gato viu, pareceu-lhe um rato! Dá um pulo acima da orelha e crava os dentes na orelha do lobo. O lobo pôs-se em pé, amedrontado! Pôs-se em pé e o gato ficou logo:

- Fffffff….

E assoprou e teve medo do lobo – já pela árvore acima! O urso estava lá em cima da árvore:

- Aí vem ele!

E atira-se cá para baixo. O lobo, a fugir! Encontraram-se depois pela costa fora e um a correr atrás do outro e a raposa cá em baixo assim:

- Esperai, esperai, que se ele vos apanha!...

A raposa é muito matreira.

 

Mestre Silva, 2007, S. Pedro do Sul

 

 

Caraterização

Identificação

Tradições e expressões orais
Manifestações literárias, orais e escritas
O rei da floresta
1922
Mestre Silva
Trabalhador agrícola

Contexto de produção

Contexto territorial

Covas do Monte
Manhouce
S. Pedro do Sul
Viseu
Portugal

Contexto temporal

2007

Património associado

Contexto de transmissão

Estado da transmissão
ativa
Descrição da transmissão
Agentes de tramissão

Histórias partilhadas nos tempos de lazer e em festas e romarias. Actividades promovidas pelo Município.

Idioma
Português

Equipa

Transcrição
Ana Sofia Paiva
Registo vídeo / audio
José Barbieri
Entrevista
Filomena Sousa
Inventário PCI - Memoria Imaterial CRL