Inventário PCI
Beja
“A filha varão”- Um rei não têm filhos. Sua filha mais nova disfarça-se de homem e peleja durante sete anos na guerra. À excepção do filho de uma capitão, ninguém desconfia que ela é mulher, mas este homem não desiste de tentar saber a verdade porque acha que o “barão” tem olhos de mulher…
Mariana Bicho; Salvada; Ano de nascimento: 1938; Concelho de Beja.
Registo 2010.
Romance: A Donzela Guerreira
Classificação: Isabel Cardigos (CEAO/Universidade do Algarve) em Setembro de 2011
Fonte da classificação: Aliete Galhoz em Idália Farinho Custódio, Maria Aliete Farinho Galhoz, Isabel Cardigos, Orações : Património Oral do Concelho de Loulé, vol. III, Loulé, 2008, CM Loulé, pp. 82-89.
Transcrição
[A filha varão]
– Ai, de mim, que já estou velho, e as guerras me vencerão,
sete filhas que aqui tenho, sem nenhuma ser barão.
Respondeu logo a mais nova, com tamanha descreção(5).
– Venham armas e cavalos, que aqui ‘tá(6) se’(7) filho varão.
– Filha, tens os pés pequenos, a conhecer-te vão.
– Meteríamos umas botas, que de lá na’ sairão.
– Filha, tens as mão pequenas, a conhecer[-te vão].
– Meterias numas luvas, que de lá não sairão.
– Filha, tens os peitos grandes, a conhecer-te vão!
– Meteria num espartilho, que de lá não sairão.
– Filha, tens os olhos ramudos(9), a conhecer-te vão.
– Quando olharem para mim, inclinarei-os prò(10) chão.
E lá abalou prà guerra! Montada num cavalo.
Mas havia um, que era o filho do capitão, que dizia que ela que era mulher e homem não! E atão ia prà mãe, dizia-le(11) assim:
– Ó minha mãe, minha mãe, minha mãe do coração,
os olhos de Dom Barão são de mulher, de homem não.
– Convida-o tu, ó me’ filho, para contigo jantar,
se for mulher, homem não, que se há-de envergonhar.
– Convida-o tu, ó me’ filho, para contigo jantar,
se for mulher, homem não, o pão ao pe’to(12) há-de arrumar.
Mas Dom Barão, como esperto, o pão ao peito na’ arrumou,
sem o ficar o conhecer, pà(13) sua guerra voltou.
– Ai minha mãe, minha mãe, minha mãe do coração,
os olhos de Dom Barão são de mulher, de homem não.
– Convida-o tu, ó me’ filho, para contigo ir à feira,
se for mulher, homem não, eleva-se na[s] fitas vermelhas
– Pràs senhoras se enfeitarem, lindas espadas e grilhões
para na guerra brilhar.
– Ai minha mãe, minha mãe, minha mãe do coração,
os olhos de Dom Barão são de mulher, de homem não.
Convida-o tu, ó me’ filho, para contigo dormir,
se for mulher, homem não, de ti se há-de encobrir.
Mas Dom Barão, como esperto, à frente se foi deitar,
pondo um lenço ao meio, na’ se puderam arrumar.
– Mãe! Ó minha mãe, minha mãe, minha mãe do coração.
os olhos de Dom Barão são de mulher, de homem não.
– Convida-o tu, ó me’ filho, para contigo nadar,
se for mulher, homem não, de ti se há-de envergonhar.
Depois, quando foi pra ir nadar, puxa por um lencinho e na’ foi prò banho, pois com certeza! Na’ foi prò banho e ele disse:
– Que tens ó Dom Barão, que ‘tás tão triste a chorar?!
– Os sinos da minha aldeia, que soam aí a dobrar…,
o me’ pai que já morreu, e a minha mãe ‘tá a falecer.
E atão, se me queres saber quem eu sou…
– Nessa altura declarou-se. E atão abalaram os dois. Chegou à mãe, disse:
– Ó minha mãe, minha mãe, uma coisa lhe vou contar,
trago um marido para mim, e um genro para lhe dar. – [Risos].
Sete anos andei na guerra, na guerra de Mavinhão,
ninguém ficou sabendo se era mulher, homem não,
senão o filho do capitão.
– Pois, ele na’ a deixava! Via que nos olhos dela que era mulher e não homem.»
Mariana Bicho, Beja, Outubro de 2010
Glossário:
(1) Prà – para a (contração da preposição pra com o artigo ou pronome a; uso popular e coloquial).
(2) Atão – então, regionalismo de Portugal, de uso informal e coloquial.
(3) Na’ – não (houve supressão da acentuação e do o para reproduzir pronúncia popular, uso coloquial).
(4) Me’ – meu (supressão da vogal u para reprodução da pronúncia, uso coloquial).
(5) Descreção – discrição (relato, enumeração).
(6) ‘Tá – está (pronúncia popular do verbo “estar” conjugado, uso coloquial).
(7) Se’ – seu (houve supressão do u para reprodução de pronúncia, uso coloquial).
(8) Pra – para (redução da preposição “para”, sua forma sincopada,usadano registo popular, informal).
(9) Ramudos – densos (sugestão: pestanudos).
(10) Prò – para o (contração da preposição pra com o artigo ou pronome o; uso popular e coloquial).
(11) Le – ‘lhe’ (pronome, registo popular e modo informal).
(12) Pe’to – peito (houve supressão do i para reproduzir a pronúncia popular).
(13) Pà – para a (forma sincopada de prà – contração da preposição pra com o artigo ou pronome a –, uso popular e coloquial).
(14) Nisto e naquilo – nestas e em outras coisas, neste caso específico.
(15) À da – ir à casa de alguém (aqui refere-se à casa da mãe). Expressão recorrente no Alentejo.
(16) Ma’ – mas (houve supressão do s para reprodução de pronúncia, uso coloquial).
Referências bibliográficas e recursos online utilizados no glossário:
Barreiros, Fernando Braga. (1917). Vocabulário barrosão. Revista Lusitana, Volume XX, Lisboa: Livraria Clássica Editora, Lisboa. p. 141.
Barros, Vítor Fernandes & Guerreiro, Lourivaldo Martins. (2005). Dicionário de Falares do Alentejo. Porto: Campo das Letras p.38.
Barros, Vítor Fernandes, (2006). Dicionário do Falar de Trás-os-Montes e Alto Douro. Lisboa: Edição Âncora Editora e Edições Colibri, p.254.
Barros, Vítor Fernandes, (2010). Dicionário de Falares das Beiras. 1ª. Edição. Lisboa: Âncora Editora e Edições Colibri, p.243.
http://aulete.uol.com.br;http://michaelis.uol.com.br;
http://motoxaparros.webs.com/comodizquedisse.htm;
http://www.ciberduvidas.com;http://www.infopedia.pt; http://www.priberam.pt
Caraterização
Identificação
Contexto de produção
Contexto territorial
Contexto temporal
Património associado
Transmitidas aos serões, em quotidianos de trabalho e lazer.
Contexto de transmissão
Contadores de histórias que participam em iniciativas do Município de Beja. São convidados na iniciativa Palavras Andarilhas. Vão a escolas, lares e bibliotecas.