Inventário PCI
Histórias de várias partidas do tio Barros.
Histórias de vida (bricadeiras entre amigos)
Transcrição
- "Há uma história engraçada do meu bisavô, do Barros. Era muito malandro, fazia coisas que hoje, se calhar, davam prisão. E então havia aqui um senhor de Verdoejo que era assim um bocado já mais vadio, andava assim um bocado fora da família - o João Salgueiro. (...) Naquele tempo o pessoal ia para a Argentina, estava lá uns anos e depois alguns vinham. E, por este tempo, o meu bisavô diz ao tal João Salgueiro:
«- Olha, canga o gado e vai a Valença que os teus tios chegaram da Argentina, para trazeres as malas.»
Então o João Salgueiro cangou o gado. Na hora, em agosto, por este tempo, ir a Valença com o Gado é para aí duas horas de carro com o gado a andar. Chegou lá, não havia nada. Porque eles já andavam pegados, sempre faziam as malandreiras.
O João Salgueiro calou-se. Um dia ele ia para Coura e passou ali em São Miguel de Fontoura onde havia uma banda de música. Chegou lá, conhecia bem o maestro e tudo, disse assim:
«- Ó...» não sei o nome do maestro «Venho comunicar que fizeram um pedido para ir ao funeral do senhor Manuel Barros, a Verdoejo. É amanhã o funeral.»
Que eram amigos, conheciam também o meu bisavô. E vem por ali abaixo, ficaram ali à entrada da freguesia, ali nas barracas. E o maestro vê o genro do meu bisavô, que era o meu avô, com a enxada às costas que ia regar para os Boedos. Diz o maestro:
«- O João Salgueiro já nos fodeu. Manuel, como é? Está tudo bem? O teu sogro, está?»
«- Está, está tudo bem.»
«- Filho da mãe, já nos fodeu.»
Fazia assim destas histórias. Mas havia muita coisa assim que se fazia malandrada que dava para coisa brava."
- "Eu dessa do tio Barros, não sei se tu também estavas nessa, mas essa contava-se muito também. Tanto das malandrices que se faziam antigamente. Então esse Barros tinha um criado, que geralmente naquele tempo um agricultor assim mais [bem-sucedido] tinha sempre um criado. Era a miséria e havia sempre gente a prestar esse serviço. Então, um dia, ele mais o criado iam regar umas águas ali nas ribeiras pela noite dentro. E então diz ele ao criado:
«- Olha, ao irmos para baixo...»
Havia um senhor que tinha uma loja ali junto à estrada, onde funciona ali o restaurante do Nuno, na parte de baixo, houve ali uma loja. Ainda existe lá. Uma lojinha que antigamente vendiam as fazendas, panos e tal. E esse senhor Avelino da loja - agora presentemente puseram lá uns tratores - aquilo era uma horta, era um quintal bom, aquilo tinha até um poço de rega nesse tempo, naquela loja. Isso conheci eu, esse senhor. Cuidava muito da horta e tal. E então disse que tinha lá uns bons melões e melancias. O que é que faz o Barros? Diz ao criado:
«- Quando formos para baixo, vais ali às melancias do Avelino da loja e levamos para baixo e enquanto esperamos pela horta a água, comemos.»
«- Está bem, está bem.»
Ele, coitado, aceitava tudo, o criado. E lá foram roubar-lhe as melancias e melões, levaram fartura.
No domingo a seguir, naquele tempo quase toda a gente [ia] à missa, não é? E geralmente era assim, principalmente os homens, ainda hoje, mas naquele tempo juntavam-se antes da missa, ainda se conversava. E então aparece o Avelino da loja a queixar-se que se foram às melancias. E o Barros, o que é que ele faz?
«- Olha que foi o lambão do meu criado. De certeza que foi ele! (...) Mas deixa lá, que eu mando-to lá, vou-lhe dizer para ir lá buscar pano para umas calças. E tu, depois, ao lá ir dás-lhe uma sarrafada.»
E assim foi. Chegou a casa [e disse:]
«- Olha, hás de ir depois à loja, que eu já falei com ele, para ires comprar panos para uma calças.»
Olha, o rapaz lá foi, parece que lhe deu" Tinha muitas coisas dessas.
Diz que ia à feira a Tui. Nesse tempo passavam ali na barca em Valença, ainda não havia ponte. Então diz que nesse tempo havia muitas mulheres a venderem mel naquelas talhas, na feira. Então ele comprava aqueles cacetes grandes que há na Espanha, umas peças grandes, tirava-lhe o miolo de dentro. E depois ele levava sempre um ou dois companheiros dele daqui da freguesia que iam com ele. E ele que dizia:
«- Tu, vai aí ao meu lado. Quando eu der sinal, empurra-me, dá-me um empurrão.»
Contavam muito isso. Então quando caía era mesmo a direto de uma talha daquelas com mel, que metia o pão por baixo e começava a ralhar com o outro e tal. A mulher também pregava e ele [ia embora].
Diz que ia comer a qualquer lado, começava a mandar sair a malta para fora, os que iam com ele:
«- Vós ide saindo.»
E ele depois ficava sozinho. E que depois quando ia lá o camarero procurá-lo e ele que dizia:
«- Olha, já que estou só e estou, traz-me mais isto.»
E naquele espaço [de tempo] ele fugia. Fazia muito isso. Esse Barros era muito falado, esse homem."
- "E tinha um filho padre!"
- "Havia uma loja dos Vieiras. Eles então antes de comer-se à noite, os lavradores pelo inverno iam regar a erva para a água ficar de noite, para a neve não cair. E quase todos então, quem tinha lavoura, antes de cear iam então meter a água e depois paravam nessas tabernas. Aquilo era aquelas tabernas e mercearia. Lá comprava, por exemplo, uma folha de bacalhau. E quando estava lá malta, como ele era malandro, também faziam umas malandrices, mas ele levava-as. Diz que chegavam a limpar-lhe o bacalhau todo, só ficava com as espinhas. Então diz que um dia que aparece a casa [à] mulher, com a enxada às costas só com as espinhas penduradas. Então ele diz que a mulher [disse:]
«- Você é assim! Você é um burro!»
Com a enxada com as espinhas penduradas.
Era assim. Dia de ramos, havia uns ramos na igreja. Naquele tempo ia-se no dia de ramos com a oliveira e tal. Pronto, todos com os ramos enfeitados e o Barros então que arranjava uma galha de oliveira qualquer, mas tinha de ser uma galha grande, e lá entrava por aí acima. Depois que era tudo a rir-se e ele dizia:
«- A igreja é tua? A igreja é tua?»
Ele com uma galha às costas. Diz que era assim, que era um homem assim.
Eu fui ao funeral da mulher, com a capa do coração de jesus, era pequeno. Agora a ele não o conheci. Agora ouvia falar muito destas histórias. Esse homem era muito falado, esse Barros era muito falado. Tinha histórias e acho que era assim, que aceitava. Era brincalhão e aceitava as brincadeiras."