Inventário PCI
Histórias de várias partidas que o tio Barroso pregava.
Histórias de vida (bricadeiras entre amigos)
Transcrição
- "Era outro tempo. As pessoas viviam aqui todas umas com as outras, não se saía como hoje se sai, porque hoje tudo tem um carro, tudo tem transporte. Antigamente as freguesias viviam aqui em comunidade, tudo junto, e não saíam. E juntava-se à noite a rapaziada, era aquilo das assembleias, a conversar e tal. E havia sempre estas coisas. E depois havia sempre gente... Eu, passou-se uma a mim...
Eu fui carpinteiro antes de ir para a guarda. Então havia muito a coisa de a gente, quando havia assim um rapazito mais pequeno - e geralmente gostavam de ser espertos - a gente mandava-o ir buscar a pedra de afiar as brocas a qualquer lado. Aliás, a gente já sabia o sítio quando mandava, porque já sabia que esse senhor dava-lhe a quantidade, ia brincar com o rapaz.
Bem, eu andava aqui na courela a vender, a trabalhar. E era o que morava na Barreiro, o rapazinho era fino. Cantava! A cantar aquele moço... Era vosso vizinho. Cantava e tal. E eu digo-lhe assim:
- «Ó Cidálio!»
- «Quê?», que era assim também todo despachado.
- «Olha, não és capaz de ir ao tio Barroso pedir-lhe a pedra para afiar as brocas?»
- «Vou sim senhora, vou.»
Que ele assim. E, claro, ele acreditava. Lá vai ele por aí acima.
Chegou lá:
- «Barroso, o Alfredo disse para lhe emprestar a pedra de afiar as brocas.
- «Tá bem.»
O Barroso começa a ir a um saco - o tio João Barroso era outro, também.
- «Olha, diz ao tio Alfredo, que a pedra de afiar as brocas emprestei-a. Está na casa do tio Silho. Mas não vá ao tio Silho, diz só ao tio Alfredo.»
E porquê? Porque ele namorava, que era nesta casa ali, é na altura que eu namorava [quem] foi minha mulher, que já faleceu. E então ele dá-lhe esta resposta.
Então malandrice, que havia pessoas... O tio Barroso era também para isso."
- "Este pediu ao outro para ir buscar a pedra para ir afiar as brocas. E o outro disse-lhe que fosse ao tio Silho, ao pai da namorada, que ele é que tinha a pedra para afiar as brocas."
- " «- Olha que tu não vás lá abaixo. Olha, diz isso ao tio Alfredo.». Ele já tinha preparado o rapaz, que não sabia.
Esse senhor tinha também um criado que era ali de Ganfei e esse senhor que estamos a falar, o tio João Barroso, era de Ganfei, casou aqui em Verdoejo. Tinha muitas propriedades lá em Ganfei e tratava delas.
Então um dia foram para lá vindimar e parece que havia lá uma ramada que era preciso um escadote para se chegar e costumavam levar o escadote, mas nessa altura esqueceram-se. Então o que é que ele diz ao pessoal e estava ali o criado, o Nércio - o Nércio ainda o conheceste também, não? - [diz]:
«- Porra, esquecemo-nos do escadote e tal. (...) No tempo do tio Amadeu não fazia falta escadote, que ele punha-se ai agachado, eu saltava para cima dele e ele fazia de escadote.»
«- Senhor Barroso» que ele falava meio espanhol, o Nércio «Senhor Barroso, se o Amadeu fazia, também eu faço!»
E se agacha para ele lhe saltar para cima dos ombros. Deu-lhe um pontapé.
Era assim, esse senhor era boa pessoa, mas também tinha estas malandrices. (...) Ele depois ria-se. Quando a gente se encontrava-se, ria-se.
Esse senhor a mim também me passou outra. Eu era carpinteiro, também, da casa dele. E depois ele precisou de fazer umas vasilhas para o vinho, uma para o vinho branco e outra para [o vinho tinto], mas eu assim de tanoaria, começar de novo [não sabia]. Consertar e assim, lá consertava e não havia problema, mas fazer de novo nunca tinha feito. E ele então arranjou um espanhol aqui de Caldelas, que era mesmo tanoeiro.
Depois lá combinou com ele, trouxe-o para cá e até dormia aí na casa dele. Veio o tanoeiro e ele chamou-me a mim para ser o ajudante do tanoeiro, eu ia fazendo aquilo que ele pedia, para lhe dar isto ou para lhe aquilo, ele é que me orientava.
Bem, um dia qualquer, emborrachou o tanoeiro. O tanoeiro com a galopa já saía quase ali para fora. E então o tanoeiro, enquanto [andava] todo alegre dizia: «Bueno, senhor Barroso, é que o vinho para o (virar, há que virar?) no mês de agosto, vinho bom.».
Bem, aquilo foi uma festa, porque ele trabalhava aquilo, trabalhava, ele ia e lixava uma pessoa. Embebedou o galego. «Bueno, senhor Barroso, é que o vinho para o (virar, há que o virar?) no mês de agosto.».
Olha dali a meia dúzia de dias, não sei como, lixou-me a mim. E então depois dizia-me o galego: «Bueno, Alfredo, é que cada santo tem seu dia!». Isto é verdade, foi verdade. «Bueno, Alfredo, cada santo tem seu dia!», depois ria-se o galego de mim também. E ele então é ficava satisfeito. O tio Barroso fazia essas malandrices. Eu não sei lá como ele arranjava, mas arranjava estratégias."
- "Uma vez embebedou um, que eu estava presente."
- "Um dia vai a minha cunhada ali a Mira queixar-se:
«- Olhe, senhor Barroso, tenho as minhas rodas do carro, levou umas cambas.»
As cambas são uma parte da roda. A roda chama-se o mil, que é uma peça onde encaixa o eixo. Rodas de carros de bois, não é? E depois as duas partes chamam-lhe as meias-luas. Chamavam-lhe camba. É em carvalho e depois aquilo é que encaixa e faz a circunferência. E ela queixou-se então que levou umas cambas à tanto tempo e tal. E diz que disse ele, a minha cunhada contava-me também isso:
«- Mas tu tens andado com ele, não tens? Tens andado com ele, com o carro.»
«- Pois tenho.»
«- Pois, tá bem, tá bem.»
Quer dizer que se o carro tivesse parado que não se desgastava. Tinha aquelas saídas dele, tinha assim umas saídas engraçadas."
- "Eu lembro-me de uma vez, estávamos na taberna ali do Vieira e estava a chover, mas a chover duro. E ele queria ir para casa, estava na hora. E estava um guarda-chuva à beira da porta que era do tio Nando. E ele abriu assim a porta, estava o pessoal todo assim distraído, pega no guarda-chuva por ali acima. O outro foi atrás dele, mas quando o apanhou já estava ele quase em casa."
- "Já agora que estamos a falar no tio Barroso, tenho outra. Fizemos uma festa de Santo Tomé, eu também fui zelador. E nesse tempo o fogo ali em Espanha era mais barato. Então a gente, aqui os arraianos, tinha-se muito a tendência de onde era mais barato, ia-se comprar. Então fomos comprar ali a Espanha. E o fogo vinha com aquela parte do cartuxo vinha em cestos, as canas vinham à parte e depois a gente cá é que tinha de lhe colocar as canas."
- "Tinhas que enrabar."
- "Chama-se enrabar, era, pôr a cana. Aquilo, esse trabalho era feito um bocado clandestino, porque a gente, claro, privava-se um bocado da guarda fiscal. (...) Aquilo era um bocado indiscreto, não se andava para aí [a dizer:] «Olha fui a Espanha buscar aquilo,», não, aquilo era um bocado em segredo.
«- Bem, a esta hora para onde é que se vai enrabar? Para onde é não se vai?»
E ele então, de maroto, manda-nos para uma casa junto a ele, que ele morava aqui em cima do bouço, (...) que estava fechada. Estava fechada e aqui já tinha vivido lá porcos ou assim, que aquilo tinha um grande palheiro na sala.
«- Ó meu filho, vamos lá.» (...)
Chegamos a um ponto que era só pulgas a trepar por nós acima. Jesus. Eu cheguei a casa, a roupa ficou cá fora e entrei eu para a casa."
- "Já vos mandou para ali de propósito."
- "Já mandou de propósito. Era assim, fazia estas malandrices ele. Ele já sabia que estava lá aquele palheiro. E depois punha-se assim:
«- Olha, que um sítio bom, que temos ali em segredo, que ninguém ouve nada. Ide para tal lado.». E depois era daquelas pulgas que parecia que nem saltavam, não saltam, correm pelas pernas acima! De pulguedo, meu deus!"
- "O meu irmão andava a trabalhar para a junta e tal e a minha irmã foi levar a comida ao meu irmão. E depois ele entreteu-a ali um bocado a falar. Pega-lhe com uma pedra dentro da cesta da comida e depois ela levava aquele peso a mais.
Um dia o meu irmão, eles estavam lá em baixo nas ribeiras a lavrar, e o meu irmão soube onde é que estava a merenda. Foi lá, sacou-a e, pronto, papou-lhe a merenda deles. E depois elas queriam fazer um barulho e tal, as filhas. E ele, o João disse:
«- Shhh, ninguém diz nada.»
Aguentou, também, a patifaria. Não fez. As pessoas como faziam também aceitavam."
- "Pois, é. Normalmente as pessoas brincavam. Sabiam brincar e aceitavam uma brincadeira de quem fizesse."