Inventário PCI

O milho e o chiar dos carros

Relato sobre o corte e desfolha do milho, sobre o chiar dos carros de gado e sobre a vaidade nas vacas.

 

Trabalhos agrícolas (desfolhadas; transporte em carros de bois); Divertimentos (concursos de carros “chiadoiros”); Tipos de vacas usadas na lavoura.

Transcrição

- "Cortávamos o milho. O milho depois era posto no campo em, chamavam-lhe, medas. Atava-se a palha, atava-se o milho assim em molhinhos, e depois era posto assim, chamam-lhe as medas, são umas coisinhas assim [em forma de espiga] que ficavam nos campos. E depois ali assim é que a gente ia fazer as desfolhadas. Juntávamos o pessoal e então [dizíamos:] «Olha, vamos fazer uma desfolhada, vocês querem vir?». 

Uma coisa muito engraçada que eles faziam, que eu gostava muito: juntavam-se, quando era um campo dos grandes, fazíamos corte do milho, muitos não faziam as medas no campo. Queriam trazer [para], chamavam-lhe, os quinteiros ou para as eiras. Traziam o milho para as casas. E depois ali é que faziam a desfolhada e depois o milho ia para dentro de um cesto e aquele milho ia para os espigueiros, para guardar, para depois darem para o gado.

Então juntavam os carros das vacas - as vacas muito bonitas, tinham umas monelhas, umas coisas que punham muito bonitas, uma espécie de umas alfadas - então a ver qual era a mais bonita, qual era a mais emparelhada. 

Então punham uma coisa qualquer, umas coisas que eles punham nas rodas dos carros e depois molhavam que era para os carros chiarem. Quando os carros vinham a andar [chiavam]. Então aquele que chiasse mais era o melhor. Às vezes juntavam-se sete e oito carros de vacas, para trazerem o milho todo de uma vez. Então era a ver quem é que chegava: «Olha de fulano, olha aquele. Aquele sim, aquele chia bem. Aquele canta bem, aquele canta melhor.».

Quando eu era garota e tinha esse tal meu tio, às vezes ia sozinha com ele. Ia para o campo, já estava o milho cortado, e eu mais ele, eu com esse meu tio, sozinhos os dois, carregávamos o carro das vacas, eu mais ele conseguíamos amarrar o carro, amarrar as cordas para o milho não cair. 

Eu é que vinha à frente do carro das vacas, nunca tive medo. Lá vinha eu com a vara às costas, pequenitas, 11 / 12 anos, à frente das vacas, com o meu tio atrás. Porque uma parte da corda tem que vir pendurada atrás, porque quando é a descer tem de estar uma pessoa com força a segurar, porque vai uma à frente, que é para ajudar o gado a trazer o carro. Se não resvalava muito e podia acontecer um acidente grave. Então eu vinha à frente e o meu tio vinha atrás. Mas o carro chiava! Eu gostava de ouvir aquilo. Às vezes quando o carro não chiava muito eu [dizia]: «Ó tio, o carro hoje não chia!». «Não, que eu não lhe pus nada hoje. Hoje não faz barulho, hoje não faz. Fica para a próxima.». Mas gostava. 

E é engraçado, porque havia pessoas que estavam em certos campos ou estavam em casas e conforme os carros passavam eles já conheciam o carro pelo chiar. «Olha, lá vai o Armando.» «Olha, o Armando vai ali, já leva o carro carregado.». Pelo chiar do carro já conheciam quem era.

O meu avô tinha três vacas. Tinha duas. Tinha uma tourinha que era a mais novinha de todas que era mais arisca, eu dessa tinha medo. As outras não, as outras pegava nelas, ia para ao pé delas. Então chamam-lhe as piscas, têm aqueles galhos, chamam-lhe os cornos, grandes e assim todos retorcidinhos. E então tinham vaidade. Quando íamos levar o gado a beber havia lá uns riachos, que a gente (...) já ao fim da tarde íamos levar o gado para beber, porque não bebiam em casa, tínhamos de ir e levávamos o gado a beber. E esse meu tio ia connosco. E então nos regatos tinha areia, areão e pedra e pegava naquilo, pegava na vaca [e dizia:] «Vá Cereja, ponha a cabecinha para baixo.». Punha a cabeça para baixo e ele lavava os cornos da vaca com aquilo. Quando chegava a casa punha-lhe um bocadinho de azeite, uma coisa muito pouca, para os corninhos ficarem a brilhar. E as vacas a mesma coisa. Era uma vaidade que tinham com aquilo. Era a Cereja que era a mais nova, depois tínhamos a Fidalga que era a do meio e depois tínhamos a mais velhota que era a mais mansinha delas, que eu gostava muito dela, que era a Redonda. Era a maior delas todas, era uma vaca enorme. 

Isto é aqui, nesta região daqui. Hoje já não se vê tanto, mas ainda se vê para os lados do Soajo, para ali para aqueles lados, ainda se vê aquelas vacas. Mas há outra qualidade de vacas que têm os cornos mais pequeninos, agora não me recorda agora o nome dessas vacas. E há umas que são pretas e brancas, que são as Tourinas. E essas também têm os corninhos pequeninos. Mas antigamente eram aquelas, eram as Piscas.

E quando iam para a feira, para vender o gado? Isso então é que era, punham todas muito lustrosas, muito bem escovadinhas, muito bonitas para dar dinheiro."

 

Caraterização

Identificação

Tradições e expressões orais
Aurora Cristo

Contexto de produção

Contexto territorial

Passos
Passos
Valença
Viana do castelo

Contexto temporal

2022

Património associado

Contexto de transmissão

Estado da transmissão
Descrição da transmissão
Agentes de tramissão
Idioma

Equipa

Transcrição
Laura del Rio, Paulo Correia
Registo vídeo / audio
José Barbieri
Entrevista
Filomena Sousa, José Barbieri
Inventário PCI - Memoria Imaterial CRL