Inventário PCI

O príncipe lagarto

Mora

"O Príncipe Lagarto" - A coragem, persistência e amor de uma jovem devolvem a forma humana a um príncipe encantado que vivia sob a aparência de um lagarto.

 

José Manuel ; Brotas; Concelho de Mora, Évora

Registo 2007.

Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 433 B  O Rei Lindorm + ATU 425 A  O Monstro (Animal) como Noivo (Cupido e Psique).

 

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.

Transcrição

Príncipe Lagarto (2)

 

Havia uma ocasião um encanto. Um encanto dum lagarto. Era encantado e atão um belo dia, disse pra mãe:

– Ó mãe! Eu quero casar!

Mãe – Ora filho! E atão quem é quer casar contigo?! Atão, tu és um bicho! És um lagarto!

Príncipe Lagarto – Mas eu quero casar!

Mãe – Bom, atão mas queres casar com quem?

Príncipe Lagarto – Oh! Lá com uma filha do moleiro.

Havia lá um moleiro que tinha três filhas. E disse ele assim:

– Lá com uma filha do moleiro. Vai lá pedir ao moleiro a ver se deixa casar uma das filhas comigo.

Bom, a mãe lá foi ao moleiro pedir-lhe se deixava casar a filha mais velha co filho, co príncipe. O moleiro disse:

– ‘Tá bem! Sim, senhora.

Bom, lá no dia do casamento tudo muito bem, tudo coiso e tal… E atão quando ‘tavam ao copo-d’água(5), ‘tavam naquilo, apareceu o encanto (que era o lagarto). Pulou prò colo da noiva, a noiva assustou-se! (De ver aquele bicho, pulou-lhe prò colo!) Assustou-se, morreu! Bom, morreu, trataram do funeral, fizeram aquilo.

Ao fim de uma temporada, começou o filho dela outra vez, o encanto, a dizer-lhe assim:

– Ó mãe! Eu quero casar!

Mãe – Ora filho! Atão, tu já mataste uma senhora e agora queres casar outra vez?!

Príncipe Lagarto – Quero casar! Vai lá pedir ao moleiro, a ver se deixa casar a outra filha comigo!

Bom, lá foi a mãe, outra vez, pedir ao moleiro. Lá veio, lá trataram do casamento. Quando foi à noite, ao copo-d’água, salta outra vez o lagarto pra cima do colo da noiva. Ela disse:

– Ai!

Pregou um grito, assustou-se! Morreu! Ah! Morreu, trataram do funeral. Fizeram aquilo tudo.

Um belo dia começou outra vez o filho da princesa a dizer:

– Atão, mãe! Eu quero casar!

Mãe – Ó filho! Atão, tu já mataste duas filhas ao moleiro e agora queres casar?!

Príncipe Lagarto – Quero casar!

Bom, lá foi a mãe outra vez pedir ao moleiro. O moleiro, coitadito, como ele era príncipe, deixou outra vez casar (a filha mais nova com ele).

Lá no dia do casamento, quando ‘tavam ao copo-d’água, o lagarto pulou-lhe para o colo, outra vez. Ela tinha já ali uma coisa, uma mantazinha, tapou-o logo muito bem tapado e disse:

– Ai! Coitadinho! Ai, ‘tadinho do bichinho!

E, atão, não morreu! Já não morreu. Bom, tratou-se de casar, trataram daquilo tudo. Casou.

Um belo dia, disse-lhe a mãe do príncipe:

Mãe – Ah! Não sei como você quis casar com o meu príncipe, co meu filho! Atão ele é um bicho!

E ela disse-lhe assim:

– Ai, senhora! Se vossemecê visse o seu filho! Quando ele está feito em pessoa! A senhora até ficava… Não há uma criatura mais linda que aquilo!

Bom e ela combinou com a nora de lá ir ver o filho quando ele estava humano. Mas a nora combinou com ela que tinha de ir às escuras, que era pa’ não acordar o filho senão quebrava-lhe o encanto.

E atão o que é que ela fez? Levou uma vela na mão, chegou lá ao pé com a vela acesa e teve a olhar para o filho e coiso… Aquilo era uma pessoa linda que…! Mas a cera… A vela começou a aquecer e largou uma pinga de cera – pingou na cara do príncipe. Deu cabo do encanto ao filho!

Disse-lhe ele:

– Toma lá estes sapatinhos de ferro. Quando tu estragares estes sapatos de ferro é que vais dar comigo no Palácio das Janelas Verdes! – Bom, a mulherzinha ficou e ele desapareceu!

A mulher dele, a noiva, começou a andar de banda pra banda, para um lado, para o outro, prà aqui, prà além, a procurar pelo Palácio das Janelas Verdes (a ver se alguém sabia, pra ver se ia dar com ele). Bom, ninguém lhe sabia dizer. Volta prà aqui, volta prà além, ninguém lhe sabia dizer onde é que era o Palácio das Janelas Verdes.

Até que um belo dia, chegou lá a uma daquelas casas da bicharada – meanos, corvos, albatrozes, toda a qualidade de bicho recolhia ali à casa, à noite. Bom, a mulherzinha foi lá dar com essa casa. Chegava à noite, recolhia aquela bicheza toda, e eles, assim que lá entravam diziam logo assim pa’ mãe:

– Ó mãe, ó mãe! Cheira-me aqui a carne humana! – Que era mulherzinha que lá estava.

Mãe dos bichos – Ora! É uma senhora que está aqui a procurar se vocês sabem onde é o Palácio das Janelas Verdes!

Bicho – Eu cá na’ sei! Eu na’ sei onde é.

Bom, já só faltava o corvo. Até que daqui a nada lá veio o corvo:

– Croah! Croah, croah, croah, croah, croah, croah! – a (a)voar.

E atão chegou, pousou e disse pà mãe daquela bicharada:

– Ó mãe! Ó mãe! Cheira-me aqui a carne humana!

Mãe dos bichos – Ora, filho! É uma mulherzinha que está aqui a procurar se tu sabes onde é o Palácio das Janelas Verdes.

Corvo – Oh! Mesmo eu agora de lá abalei! ‘Tive lá pousado, lá numa janela!

Mãe dos bichos – Bom, então olha, esta senhora, que está aqui, queria saber onde é que era o Palácio das Janelas Verdes.

Corvo – Atão eu vou lá levá-la. Ela (a)monta-se em cima de mim que eu vou lá levá-la ao Palácio das Janelas Verdes. Mas ela tem que arranjar dois quilos de carne! Que é para quando eu for já muito cansado e que eu faça: croah! – ela me meter um bocado de carne pelo bico abaixo.

Bom, a mulher disse:

– Sim, senhor!

Lá arranjou dois quilos de carne e atão o corvo lá abalou com ela (a)voando, (a)voando, (a)voando e mandou um croah! Deu um bocado de carne! Até que chegou lá ao Palácio das Janelas Verdes. Pousou lá numa janela e disse:

– Minha senhora, o Palácio das Janelas Verdes é aqui! Aqui é que é. – Bom, a mulher ali ficou.

‘Tava lá ele já ‘tava casado com uma preta. Já tinha arranjado uma preta porque pensou que ela nunca mais lá lhe aparecia. Mas apareceu!

E atão, um belo dia, ela pediu à preta se a deixava ficar ali, debaixo de uma árvore e coiso…

Nova esposa – Deixo, sim senhora!

Bom, a mulherzinha ficou ali debaixo de uma árvore e atão, às tantas, puxou de uma mesa, puxou de uma toalha, prantou ali em cima da mesa uma toalha estendida, prantou ali um serviço de cobre… Tudo da coisa mais bonita! Colheres! Pratos, garfos… Tudo em cobre. A coisa mais bonita que havia!

A criada de lá da preta chegou à janela e disse-lhe assim:

– Ó minha senhora! Atão a mulherzinha tem ali uma coisa na rua… Ai, que coisa tão linda! Que a senhora não tem cá uma coisa tão linda como aquela!

Nova esposa – Vai lá ver se a mulher ma quer vender!

Ela chegou lá ao pé dela:

– Ai, minha senhora… Se a senhora quer vender isso à minha senhora?

Filha do moleiro – Diga lá a ela que eu que na’ lha vendo – que lha dou! Cuma condição: dela me deixar dormir uma noite com o príncipe!

Nova esposa – Ai!

E disse:

– Não! Não! Na’ quero! Na’ quero! Não, não, não, não! Na’ quero!

Criada – Ó minha senhora! Só uma noite na’ faz mal! – Dizia-lhe a criada. – Só uma noite não faz mal! A gente dá-lhe um chá de dormideiras(10) à noite, à deitada, ele deixa-se dormir… No outro dia, a horas de se levantar, ele passa-lhe aquilo das dormideiras e a senhora ganha aquela coisa toda bonita.

Nova esposa – Atão vai lá dizer se ela quer.

Filha do moleiro – Quero, sim senhora! Sim, senhora! ‘Tamos combinadas! – Lá deu aquilo à outra.

À noite, quando o príncipe chegou, foram-lhe dar o tal chá das dormideiras. O príncipe deitou-se na cama, ferrou a dormir, nunca mais acordou. Ela, de noite, deitada lá na cama mais o príncipe, começou-lhe a dizer assim:

Filha do moleiro – Atão? Nunca mais te lembras?! Não te lembras quando me deste os sapatinhos de ferro? Que havia de ir ter contigo ao Palácio das Janelas Verdes…

Mas ele ‘tava a dormir, não ouvia nada! Mas tinha um chofer (que andava com ele a dar as voltas) que dormia por baixo do quarto onde ele estava. E o chofer começou a ouvir aquilo, toda a noite a dizer a mesma coisa: – “Se na’ te lembras de me dar uns sapatos de ferro? Porque havia de ir ter contigo ao Palácio das Janelas Verdes…” Mas ele ‘tava a dormir e, pronto, não sabia nada!

No outro dia, ela puxou outra vez da toalha. Estendeu-a no chão – uma coisa em prata! Tudo do mais bonito que havia! Colheres, garfos, pratos…Tudo! Copos… Tudo do mais bonito! A preta chegou à janela e disse assim:

Criada – Ai, senhora! Hoje ainda tem lá outra coisa muita mais bonita que aquela primeira!

Nova esposa – E atão vai lá ver se ela a quer vender!

Ela lá foi. Disse à outra se queria vender aquilo. Disse ela:

– Não! Na’ lha vendo – dou-lha! Mas é com a condição de me deixar dormir mais uma noite com príncipe!

Bom, a outra, a criada:

– Damos-lhe o chá das dormideiras e ele deixa-se dormir. E a senhora ganha aquilo!

Nova esposa – ‘Tá bem. – Lá arrebanharam aquilo.

Á noite foi-se deitar mais o príncipe e atão começou outra vez de roda dele:

– Atão na’ te lembras? Daquela coisa que tu me deste? Dos sapatos de ferro? Que havia de vir ter contigo ao Palácio das Janelas Verdes!

E o outro cá por baixo a ouvir, outra vez, a mesma coisa!

Chofer – Ora esta! O que é que se passa lá prò quarto do príncipe?

Bom, no outro dia, quando se fez de dia ela saiu. Àquela hora tinha que sair. O príncipe passou-lhe o coiso das dormideiras. Pronto.

Ela vai, ali à tardinha, tornou a estender a toalha… Estendeu ali uma toalha com um serviço tudo em ouro, que não havia nada mais bonito que aquilo! Tudo em ouro! Pratos, colheres, garfos, tudo ali…

A preta chegou lá à janela outra vez…

– Ai, minha senhora! Hoje é que ela lá tem uma coisa tão bonita! Tão bonita!

Nova esposa – Bom, vai lá ver se ela quer vender

Lá foi outra vez a preta:

– A minha senhora… Se a senhora quer vender isso?

Filha do moleiro – Eu na’ lha vendo, dou-lha! Mas há-de ela me deixar ir dormir uma noite com o príncipe!

Criada – Atão, minha senhora! A gente dá-lhe o chá, o das dormideiras, ele deixa-se dormir e a senhora ganha aquilo.

Nova esposa – ‘Tá bem! – A outra já ‘tava convencida daquilo tudo!

Bom, o príncipe abalou pà volta mais o chofer. E o chofer, lá pelas tantas, disse-lhe assim:

Chofer – Ó patrão! O que é que se passa lá para o quarto do patrão? Que eu já há duas noites que na’ durmo e ouço uma pessoa sempre toda a noite a dizer: “se na’ te lembras dos sapatos de ferro que me deste? Que havia de ir ter contigo ao Palácio das Janelas Verdes…”.

Príncipe: – Alto lá! Aqui há qualquer coisa!

Bom, à noite, quando o príncipe chegou,foram-lhe dar as dormideiras outra vez. E o príncipe no lugar de beber aquilo, entornou aquilo para fora e já não bebeu! Bom, foram-se deitar e atão ela começou outra vez de roda do príncipe:

– Atão? Não te lembras daquilo que me disseste? Dos sapatinhos de ferro? Que havia de vir ter contigo ao Palácio das Janelas Verdes…

Disse ele assim:

– Oh! Cá está a minha mulher!

Quer dizer que tratou atão de casar e ò‘pois o príncipe disse-lhe:

– O que é que queres que faça agora àquela senhora?

E ela, não era malfazeja, disse-lhe assim:

– Olha, ela fica por criada e a outra fica por ajudanta e eu sou a rainha!

Quer dizer que ficou aquilo tudo assim e está o conto acabado!

 

José Manuel, 87 anos, Brotas, (conc. Mora), Junho 2007.

 

Caraterização

Identificação

Tradições e expressões orais
Manifestações literárias, orais e escritas
O Príncipe Lagarto
1920
José Manuel

Contexto de produção

Contexto territorial

Mora, Casa da Cultura de Mora
Brotas
Mora
Évora
Portugal

Contexto temporal

2007
Hoje sem periodicidade certa. Encontros informais e iniciativas do Município de Mora e escolas

Património associado

Transmitidas aos serões, em quotidianos de trabalho e lazer.

Contexto de transmissão

Estado da transmissão
ativa
Descrição da transmissão
Agentes de tramissão

Contadores de histórias participam em iniciativas do Município de Mora. São convidados para participar na inicativa Palavras Andarilhas. Vão a escolas, lares e bibliotecas. Participam em iniciativas do Fluviário de Mora e da Casa da Cultura. Destacam-se as seguintes actividades desenvolvidas desde 1999:

- Encontro de Contadores e Histórias - 1999 a 2005

- Ti Tóda - Conta-me eum conto, estafeta de contos - 2001 a 2004

- As lendas vão à escola - 2005

- O Talego Culto - 2007

- O Talego ambiental - 2007 a 2008

- Comunidade do Canto do Lume

Idioma
Português

Equipa

Transcrição
Maria de Lurdes Sousa
Registo vídeo / audio
José Barbieri
Entrevista
José Barbieri
Inventário PCI - Memoria Imaterial CRL