Inventário PCI
Póvoa de Varzim
"A bruxa às canichas" - Relato de um homem a quem apareceu uma bruxa que o obrigou a carregá-la às costas.
Ti Desterra, Póvoa de Varzim, Registo 2007
Transcrição
A bruxa às canichas [1]
Contava uma história que um homem ia para o mar e, ao chegar aqui à beira do Castelo da Póvoa, apareceu-lhe uma mulher. Diz:
- Para onde vais?
Diz ele:
- Vou para o mar.
Diz ela:
- Não vais nada.
Diz ele:
- Ó, deixe-me mas é em paz e deixe-me ir para o mar porque eu preciso de ir para o mar.
- Pousai a cesta. Leve-me às canichas até ao Coelheiro. -Coelheiro é aqui. Coelheiro! Colheiro: não é Coelheiro, como está nos livros, é Colheiro! Aqui acima.
- Ai, isto agora! Não posso…
- Tens que me levar! Às costas! -às canichas, diziam elas, às canichas.
Toca a levá-lo, lá vai, lá vai… Chegou acima da ponte, o homem já ia estafado, faz uma pequena ideia… Da praia, por aqui acima até chegar ali à ponte… O homem já ia com a língua de fora!
- Pouse-me no chão! -o homem pousou. Diz: - Agora vai-te embora! A cesta está no mesmo lugar, ninguém te mexeu na cesta. E a lancha está lá na praia. A lancha não ia para o mar sem que tu lá chegasses.
O homem:
- Desgraçada! Minha esta, minha aquela…
- Não falas! Se não agora levas-me outra vez para lá às canichas!
O homem, muito direitinho, foi direito até chegar à praia. Pegou na cesta, a cesta estava lá direitinha, à beira do Castelo. Pegou na cesta, botou a cesta ao ombro e – para a praia. Chegou à praia:
- Ó Manel! Tu para onde fostes?
- Ai, calai-vos vós, não me perguntais nada, pelo divino amor de Deus!
- Então nós já fomos a tua casa! A tua mulher diz que tu vieste para o mar tanto tempo!
- Olha, vós… Eu vou-vos contar. Vamos lá de barco abaixo.
- O desgraçado do barco não quer ir para baixo!
- Vai para baixo.
Botaram a mão ao barco, o barco foi direitinho para baixo. Foi para o mar. Tornou a ir ao meio do mar… A mulher ficou sem perceber patavina, que estava na praia! Por mais que perguntasse ao homem que foi que lhe aconteceu, o homem não falava! O homem estava completamente gago e não falava!
O homem veio do mar. Ela a contar: muito amarelinho, muito encovadinho…
- Ó Manel… O que foi que te aconteceu, meu homem?
- Cala-te, mulher, por amor de Deus, tu cala-te! Vai para casa, faz-me um chazinho, minha mulher. Se não… Tu não sabes o que foi que me aconteceu…
Então ele, em casa, começa a relatar à mulher o que lhe aconteceu. A mulher:
- Tu conheces essa desgraçada?!
Diz ele:
- Conheço, mas não te posso contar o que era. Se não, para a próxima, ela diz que me atira debaixo da ponte. E eu não te posso contar.
O homem, claro, também foi um susto para ele. Um susto e um cansaço! Porque repare: a mulher às canichas dali até acima?! E então o que era? Eles relatavam que era uma bruxa, não é? Uma bruxa. E ela que dizia assim: Quando era um pedaço grande, acabou por se pôr mais levezinha; quando lá entendia, carregava mais e a criatura tinha que andar com ela às costas. E foi um susto desgraçado que o homem apanhou.
Eram estas coisas que aconteciam aos homens do mar. E, como isso, outras coisas… Muitas coisas.
[1] Às cavalitas.
Caraterização
Identificação
Contexto de produção
Contexto territorial
Contexto temporal
Património associado
Contexto de transmissão
Actividades promovidas pelo Município da Póvoa de Varzim, Biblioteca Municipal e Museu Municipal de Etnografia e História da Póvoa de Varzim.
Comunidade piscatória da Póvoa de Varzim