Inventário PCI
Póvoa de Varzim
"O Diabo na Igreja" - Um jovem capaz de ver para além do que a vista comum alcança, vê o Diabo na igreja durante a missa e conta ao padre.
Ti Desterra, Póvoa de Varzim, Registo 2007
Transcrição
O Diabo na igreja
Sobre o Diabo entrar na igreja, isso era o meu pai que contava. Quando começou a haver mais ermidas… Por vezes, tinha que se andar meia hora, uma hora para se ir a uma igreja. Aqui na Póvoa não, mas quem morasse ali… Vá lá, em Terroso, ou quem morasse na Amoría, ou quem morasse lá no fundo de Albernaz… não havia igrejas! Então, fez-se uma igrejinha e uns amigos diziam para um rapaz (chamava-se Zé):
- Zé, anda com nós à missa! Só queria que tu visses! O padre diz coisas tão bonitas! -era o sermão do padre, a homilia, não é?
- Ah…
- Anda, pá!
- Pra Domingo, vou!
Chegava ao outro Domingo, nunca ia.
Mas, um dia…
- Parece que é tão bonito… Também quero ver o que é uma missa!
E o rapazito foi, mas ficou à beira da pia da água benta. Aquilo era pequenino – a igreja estava cheiinha, não é? Quando foi na elevação do cálice, o rapaz matava-se com a risada! Ria-se como um tolinho! As velhotas, que estavam de joelhos, diziam:
- Maroto… Malcriado… Não tem educação nenhuma… Maroto… -e isto e aquilo, sempre a mandar bocas ao rapaz.
E foram fazer queixa ao padre do que o rapaz tinha feito:
- O filho de fulano, até parece impossível! Olhe, quando estava na elevação do cálice, não sabe, senhor abade! Ele matava-se às gargalhadas! Dava com o corpo, assim! Ria-se como um tolinho!
O padre chama o rapaz à igreja. O rapaz foi. Chegou lá:
- Ouve lá, anda cá... Porque é que tu na missa te rias tanto?
Diz ele:
- Ó, senhor abade! Até se o senhor estivesse cá fora!... E por um bocadinho que ele não foi para cima do senhor também!!! O senhor teve sorte! O senhor também se matava de rir!
- Matava de rir porquê, rapaz?...
- Quando começou lá aquela campainha e o senhor lá com aquela coisa assim, olhe… Um bonecreco, todo vestido de vermelho… -devia ser mesmo de vermelho, porque o Diabo anda sempre pintado de vermelho. -Por cima da cabeça daquelas mulheres todas… só queria que você visse! Parecia um bailarino a andar em cima delas todas! E também chegava perto de você! Mas ele chegava perto de você e arrecuava para trás!
- E tu viste isso, meu menino?
- Pois vi! Ah, mas eu matava-me de rir porque ele também queria vir para mim, mas para mim?! Enxotava-o, não vinha!
O padre:
- Vai-te embora, meu menino. Mas tu, quando quiseres vir à igreja, anda. É bom tu vires para a igreja. Podes vir ajudar… -a fazer aquelas coisas, o padre.
Ao outro dia, o padre na homilia disse assim:
- Olhai, eu não queria que vocês censurassem ninguém sem saberem por que razão. E ele não é como vós pintastes. Não é malcriado. Riu-se porque achou graça ao que viu. Eu sou padre; quem me dera a mim ter o poder de ver aquilo que ele viu. Portanto não quero que se diga mais mal desse mocinho.
Ele, que tinha visto? Tinha visto o Diabo na igreja. É por isso que a gente diz que o Diabo também entra na igreja. Mas o rapaz ficou a beira da pia de água benta! Estava ali à beira porque não quis entrar para dentro. Quando viu o bonecreco em cima das cabeças das mulheres…
E eu disse ao meu pai:
- Ó pai, isso é possível ou isso é uma história?
O meu pai disse:
- É verdade, filha, diz que o Diabo que entra na igreja. E eu acredito que sim, porque o Diabo era um anjo muito querido de Deus, muito inteligente… -o meu pai também contava a história do Diabo! Contava tudo direitinho!
E então foi que eu fiquei a saber, por essa história e por outras histórias que nós ouvimos, que ele também entra na igreja.
Caraterização
Identificação
Contexto de produção
Contexto territorial
Contexto temporal
Património associado
Contexto de transmissão
Actividades promovidas pelo Município da Póvoa de Varzim, Biblioteca Municipal e Museu Municipal de Etnografia e História da Póvoa de Varzim.
Comunidade piscatória da Póvoa de Varzim