Inventário PCI
S. Pedro do Sul
"Quem tem cu tem medo" - Os cães de uma aldeia decidem ir à festa dos homens e, para não terem medo, deixam cada um o seu rabo debaixo da ponte. À volta, trocam os rabos, ficando destinados a cheirar-se uns aos outros à procura do seu.
Mestre Silva, Ano de Nascimento 1922. Manhouce. S. Pedro do Sul. Registo 2007.
Transcrição
Quem tem cu tem medo
Vou contar outro conto que é aqui… O Vilarinho do Monte. Aqui conhecem muito bem o Vilarinho do Monte as pessoas, não conhecem? Lá há uma capela que tem o São José e a Santa Maria. E faz uma grande festa – de Verão, no primeiro Domingo de Agosto! Faz uma grande festa ali! E os habitantes gostam que os familiares vão a casa deles naquele dia, porque cada casa mata duas cabras ou três cabras e botam ao forno. Fazem umas comezanas para aquele dia, que é medonho! E vai muita gente lá comer.
E os cães em Manhouce começaram a ver que estavam a ficar sozinhos, porque as pessoas foram todas para a festa, para Vilarinho! E os cães ficaram sozinhos e disseram assim:
- Pois é… Eles foram para lá, comer a cabra… - os cães, a conversar uns com os outros! No tempo… em que eles se entendiam.
E então:
- Eles, pois, foram lá. Agora… Mataram-se muitas cabras… Se a gente também fosse?
E diz um assim:
- Pois é. Mas a gente… a gente vai e os homens embebedam-se e depois… e atiram-nos com o pau… -que eles, cada homem que ia à festa naquele tempo, levava um pau. Era um cajadinho, ia sempre com ele.
E então eles foram e os cães estavam na reunião, a ver como é que haviam de ir à festa sem ter medo. E uns queriam ir! E outros diziam assim:
- Eu não vou, que eu tenho medo.
- Ó! Tu tens… Tu tens… Tu tens é medo! Olha, quem tem cu, tem medo!
E diz-lhe o outro assim:
- Ah, mas então o medo está aí, está no cu?
Diz ele assim:
- Está! Está. Quem tem cu, tem medo. E vocês vão ficar e a gente vai.
- Mas como é que “a gente vai”? Tu também levas o teu, o teu cuzinho… -diz ele assim.
- Ah, mas é que nós…
Diz o outro assim, o mais velho:
-Olha, resolvemos todos! A gente em Malfeitoso passa o Rio Cabeçadas e tem uma ponte grande. A gente deixa os cus todos debaixo da ponte! Deixa ficar lá os cuzinhos todos.
Diz o outro assim:
- E tu dizes bem! E a gente vai e já não tem medo!
- Pois não! Pois não.
Pronto. Foram para a festa, deixaram lá os cus todos. Mas eram muitos cães! Era um monte deles, de cuzinhos! Eram muitos ali, muitos. E foram para a festa! Já cabriolavam, já brincavam!... Foi tudo para a festa! Comeram as tripas das cabras, comeram os ossos… Encheram a barriga! As pessoas também chegaram ao arraial, começaram a cantar, começaram a dançar… Implicaram lá uns com os outros – armaram uma zaragata. Armaram uma zaragata e tudo ergueu os paus: deram com os paus. Os cães, que estavam longe, vieram assim:
- E lá estão eles… E lá estão eles lá com a zaragata… Olha os paus!
E assim:
- Mas para onde é que a gente agora foge? A gente tem que passar lá no arraial…
- Eu vou já passar!
Foi e passou! Passou e apanhou com um pau no lombo – ui!
- Ai, ai, ai, ai! Ai, ai, ai, ai! -vsssss. Mas corria que desaparecia!
Depois veio outro, também apanhou outra lambada – pimba!
E outro:
- Ai, ai!
Veio outro:
- Ai, ai, ai!
E saíram todos, uns atrás dos outros. Mas aquilo… corriam a fugir, a ver aquele que chegava mais depressa a casa! Chegaram à ponte, não estiveram para perder tempo: agarraram num, meteram debaixo do rabinho e pumba, foi tudo embora. Pronto.
Chegaram a casa… foi uma tragédia! Estavam os cuzinhos todos trocados! Estava tudo trocado. Pois, o que é que ele diz?
- E agora, como é que nós vamos fazer? -estava tudo trocado…
Ao outro dia, quando chegaram uns ao pé dos outros, iam logo cheirar no cu daquele… e era para ver se aquele cuzinho é o dele… Não era. Veio outro cão, ia cheirar no cuzinho dele: era aquele. Ganharam o hábito, pronto. Procuram sempre: até hoje ficou tudo trocado, não encontraram mais! Eles bem chegam ao pé dos outros! Quando chegam: cheirinho no rabo, mas o cuzinho é que não é o deles!
Mestre Silva, 2007, S. Pedro do Sul
Caraterização
Identificação
Contexto de produção
Contexto territorial
Contexto temporal
Património associado
Contexto de transmissão
Histórias partilhadas nos tempos de lazer e em festas e romarias. Actividades promovidas pelo Município.