Inventário PCI
Sobral de Monte Agraço
"Os anarquistas"- Episódio sobre a convivência com os anarquistas, depois da invasão francesa.
Delfina Cunha, Ano de nascimento 1938, Fetais, Sobral de Monte Agraço.
Transcrição
Os anarquistas
Depois dos franceses cá estarem e depois de eles irem embora, (salvo erro, em 1811; isso também está escrito no próximo livro de há de sair) havia os anarquistas. Sabes melhor do que eu o que é são os anarquistas. E eles então, um grupo deles, foram à igreja do Sobral e, com carros não sei se puxados a bois, se puxados a machos e mulas, roubaram os santos todos da igreja e parece que andavam com os santos á rojo. Maldade. Porque isso é só… Só revela maldade.
E então houve um grupo que veio a Fetais. E foi ter com o senhor Manuel Eloy, que era onde havia a loja, e disseram assim:
- Ó senhor Manuel Eloy, quem é que tem a chave da igreja? É porque nós queremos partir tudo quando lá estiver dentro.
E ele disse assim:
- A chave da igreja, tenho eu. Está aqui. E vocês… -olha, se o meu livro nunca for para o ar, isto vai já aqui. Deus queira que o veja! -A chave da igreja está aqui. E se vocês quiserem ferramentas para partir alguma coisa, vão à minha adega, porque vocês sabem muito bem onde ela é porque já lá têm entrado muita vez… -que eles iam lá beber -e estão à vontade.
Perante isto, os anarquistas não fizeram nada: foram embora. Nem a chave pegaram, nem a porta da igreja entraram.
E então, não sei quantos dias foi, depois veio outro grupo. Começaram a desmanchar a cruz que há ali no Largo da Cruz em frente à igreja. Começaram a desmanchar. E o senhor João Fulineiro, que estava na oficina dele, que é em frente à igreja, ouviu muita barafunda, falar alto, e isto e aquilo – e veio ver o que era. E disse:
- Então mas o que é que vocês vão fazer?
- Ah, vamos desmanchar a cruz, que isto não está aqui a fazer nada…
E ele disse:
- Olhe, então vamos combinar uma coisa: vocês desmanchem a cruz sem partir pedra nenhuma. -astúcia que ele teve… Astúcia, inteligência, perspicácia, sei lá o que é que ele teve…-Vocês não partam pedra nenhuma. Vão pô-las todas ali dentro do meu pátio, que eu ando a arranjar a minha casa e eu aproveito-as para as cantarias da minha janela.
Assim foi. Eles, convencidos que ele que estava do lado deles, foram lá pôr as pedras todas. Pronto, foram embora. Desmancharam a cruz, fizeram o que eles queriam e as pedras foram todas para o quintal do senhor João Fulineiro – Funileiro! Aqui a gente é Fulineiro, olha… Mas tenho que emendar, que é Funileiro. Foram para o quintal do senhor João Funileiro. Quando acabou, quando assentou a poeira, o senhor João pagou a homens por conta dele e montaram a cruz toda no sítio onde ela está hoje outra vez. E ele não se serviu de cantaria nenhuma para a porta dele. Foi inteligência, perspicácia, amor à terra, amor à igreja, amor… Amor a tudo.
Caraterização
Identificação
Contexto de produção
Contexto territorial
Contexto temporal
Património associado
Contexto de transmissão
Episódio contado em eventos, excursões e actividades organizadas pela junta de freguesia ou município de Sobral de Monte Agraço