Inventário PCI
Relato sobre o mau olhado a uma vaca acabada de parir e sobre o homem que a curou.
Transcrição
- "Falavam que havia gente que o olhar que fazia mal aos animais. (...) Umas faziam mal aos animais com o olhar. Algumas, diz, que não sabiam, que não era por querer, mas outras que era por querer. Depois havia outras pessoas que sabiam fazer os remédios para os animais ficarem bons.
Passou-se uma vez lá na nossa casa, era eu pequena, tinha, sei lá, para aí 6 anos. E tínhamos animais, tínhamos vacas, pronto, éramos lavradores. E tínhamos uma vaca, uma toura nova, parida da primeira vez. E era muito mansinha. Eu gostava também de andar lá à volta. E tínhamo-las lá à porta, no quinteiro, para entrarem depois para as cortes onde ficavam.
Passou um senhor lá no caminho à beira e viu a toura [que] tinha feito um grande ubre, e disse - que Deus o tenha lá em bom lugar, ele não seria por querer, não sei - e disse: «A toura já pariu?». E o meu pai disse: «Já.». E eu era pequena, tinha para aí uns 6 anitos mais ou menos, ia abraçar o ubre da vaca. E ela era muito mansinha, deixava-me. E ela estava parida mesmo naqueles dias. E ele disse: «Que ubre ela fez e que mansa ela é.». E o meu pai não gostou de ouvir assim aquilo, porque se lembrou logo.
O homem seguiu o caminho dele e o meu pai foi deitar as vacas para a corte e ela já não queria entrar. O meu pai teve de lhe bater e obrigá-la a ir para dentro. E já não deixou mamar a cria, era pontapés na cria, já não deixou mais mamar a cria.
E depois havia um senhor lá perto de nós que sabia cortar esses males. O meu pai foi indo a ele, ele veio lá a nossa casa - era o tio Júlio do Fontueiro. O meu pai foi indo a ele e disse-lhe, contou-lhe. Diz ele. «Eu à noitinha, ao tocar à reza», que tocava à reza o sino na igreja ao escurecer, «Mais ou menos ao toque da reza, eu vou lá.». E veio. O meu pai até chamou por ele para a casa, e ele disse: «Não, não. Eu não entro na casa. Vamos ver.».
Foram para a corte. O meu pai abriu a porta da corte, ele entrou e olhou para a vaca e ele até disse uma asneira. Disse ele: «Foda-se, que ele era cabeludo!». E o meu pai não tinha dito quem era, nem quem não era, mas ele pelo olhar da vaca e pelos jeitos da vaca soube que foi um homem que fez o mal.
E fez-lhe lá umas rezas, tirou o boné da cabeça e fez-lhe umas rezas, umas cruzes por cima dela e tudo, mas retirado, que ela não deixava chegar à beira dela. E ao fim agarrou o boné e meteu-o num buraco na parede, lá na corte, que as cortes tinham os buracos. E foi-se embora e disse-lhe: «Amanhã à mesma hora torno aqui.».
E ao outro dia tornou a vir e ela já deixava andar por volta dela e tudo. Ele foi e fez-lhe o serviço outra vez, rezou, fez-lhe umas rezas e fez umas cruzes por cima com o boné da cabeça, que tinha. E no fim disse: «Eu amanhã torno a vir, mas já não fazia falta.». E tornou a meter o bonezinho dele lá na parede, não o levou.
Três noites seguidas e a vaca ficou são, completa. Isso passou-se na nossa casa. Não sei, o homem podia não fazer aquilo por maldade, mas..."
- "Também com a fala que ele fez: «Que ubre ela tem.»...! Se ele dissesse: olhe, está obrada, graças a Deus.”
- "Santo Antoninho, que era o que se costumava dizer. «Santo Antoninho ta guarde!»."
- "Agora também, com essas palavras..."
- "A gente se visse uma vaca ou um animal qualquer que era jeitoso ou bonito ou tinha um bom ubre ou tinha uma boa cria [dizíamos:] «Santo Antoninho ta guarde!». Era o que a gente dizia, era: «Santo Antoninho ta guarde!». Mas ele não, ele só disse: «Que ubre ela tem e que mansa ela é.».
Mas olha que havia uma mulher lá na nossa freguesia, que tu devias saber também, talvez, que fazia mal, mas não era por querer. E ela sabia. E tinha, ao levantar-se da cama, de olhar para um azevinheiro. Tinha de ir olhar para o azevinheiro para não fazer mal a nada."
- "Ai meu Deus, essa é que era coitada, então. Sem saber."
- "Fazia mal, mas não era por querer. E levantava-se e olhava. Tinha um azevinho, um azevinheiro como nós dizemos lá na nossa terra, e ela que olhava para aquele azevinheiro de manhã e pronto, cortava [o mau olhar]. (...) Nunca ouviste esse?"
- "Não."
- "Mas essa sabia eu."