Inventário PCI
Relato sobre tradições fúnebres.
Rituais fúnebres tradicionais (velório na casa do morto)
Transcrição
- "Morria a pessoa. Punham duas tábuas no meio da sala, estendiam-na ali, muito esticadinha para ir elegante. [Risos] E ficava ali o espetáculo, que eu tinha-lhe um medo que me cagava toda, e iam buscar duas mulheres, então, o caixão."
- "A pé à vila!"
- "Iam a pé à vila. Tratavam [do morto] e duas mulheres iam buscar o caixão à cabeça para aqui."
- "Já vinham do (Ribes?), duas mulheres."
- "E o (Ribes, não ribava?)!"
- "O velho, o pai."
- "Elas iam-os buscar à cabeça! ainda me lembro do tio Sebastião, que elas lhe foram buscar o caixão à cabeça."
- "Mas foi ali. Fazia-os ali no Arturinho."
- "Sim, mas ainda é longe. Eu sei que vinham com o caixão à cabeça por aí fora com o espetáculo para as casas. Não havia carros..."
- "Quando eu comecei a tratar já era do Ribes."
- "Lá de cima. E depois é que metiam-no lá dentro. Lá lavavam o que tinham a lavar, vestiam o fato, metiam-no lá dentro (...). E depois a casa, que as casa também eram todas velhas, aparelhavam-na. Cobriam-lhe as paredes todas. Estava ali um armador a cobrir tudo com panos. Panos a toda à volta. A gente entrava para ali, era uma sala de panos, de trapos e o caixão."
- "De que cores?"
- "Ainda há, às vezes, para aí, ainda aparece aquele preto com coisas douradas. Ainda cheira a mortos."
- "Era, mas era azul do escuro."
- "Depois era uma comedoria no sítio em que morria a pessoa. Em vez de estarem ali a chorar e a velar o morto, eram dois pochino ali a comer e a beber, dois homens."
- "Eu nunca."
- "Não?"
- "Eu, Deus me livre. Eu ia comer?"
- "Mas outros iam. Eram duas mulheres para ir buscar o caixão, que foram, que iam. A mulher que andava a convidar os das irmandades. E havia muita gente ali a comer à pala do morto"
- "E depois os que vinham passar ali a noite, ali?"
- "E depois os parentes vinham todos para ali passar a noite, contar anedotas e estarem ali ao lume a tomar café toda a noite e o que fosse."
- "Agora o irem assim para as capelas, é um regalo, é um descanso."
- "E eram os doridos, pronto, os que lhes morreu o pai, a mãe, o irmão, não lhe apetecia comer, não comia. Ele ia chorar e não comia e os outros todos a encher o cú à pala do morto. [Risos] E era assim o antigamente. Tudo cobertinho, que as casas estavam velhas e então era aquela a moda. Também era moda nas casas que eram melhores."
- "E não foi aqui uma que se levantou a dizer que queria arroz?"
- "Foi, eu lembro-me deles contarem isso. Estava [morta] ou desmaiou ou não sei quê. Morreu, pensavam que estava morta. Foram buscar o caixão, meteram-na dentro e fizeram a arrozada para estarem todos ao lume a comer, os que estavam vivos, os doridos. E ela, contam, que se levantou, que apareceu na cozinha [a dizer:] «Eu também quero arroz!»." [Risos]