Inventário PCI
Reza a fazer quando as crianças estavam subnutridas.
Práticas tradicionais de cura
Transcrição
- " Há que juntar nove casas, nove ingredientes, nove bocadinhos de fermento, para depois fazer o bolo para dar à criança que se deixe aguada, para a desaguar."
- "Antigamente toda a gente fazia pão na casa, então guardava-se o fermento de uma fornada para a outra. Então tinha que ir lá buscar um bocadinho desse fermento para fazer o bolo - a nove casas."
- "Uma pitadinha. Uma pitadinha pequena de fermento. Faziam o bolo."
- "Porque a canalha [dizia] que estava aguada, tinha fome, e depois [dizia] que aguara por isto e por aquilo. Então iam, juntavam-se os fermentos."
- "Também não se podia dizer para o que era."
- "Juntavam-se os fermentos, fazia-se o bolo, dava-se à criança e depois o que sobrasse dava-se a um cão. Ninguém o podia comer."
- "Neste campo aqui, a mãe dela tinha aqui uma lavrada. Passámos eu e os meus sobrinhos, [que] são quase da minha idade. Eu sou a mais velha e depois é dois anos sempre mais para baixo. E passámos ali nesse campo e eles estavam a merendar. E o meu sobrinho Benjamin, a mãe dela queria-lhe dar chocolate, mas o rapaz teve vergonha e não quis. E seguimos para aquele lugar além. E dali para a frente o rapaz começou a emagrecer, a ficar triste, magro. E nós [perguntávamos]: «O que tens, Benjamin?», a mãe e todos. E o que é que era? Era o chocolate de mira de rojeira. A minha irmã comprou o chocolate, foi-lhe levar à mãe dela. A mãe dela deu-lho, como que era dela. E o rapaz ficou bom, melhorou."
- "Havia duas coisas mais que podiam aguar: eram as mulheres grávidas e as vacas prenhas. Se fosse passar ali uma vaca prenha e fossemos com um braçado de couves, havia que lhe dar uma couve, à vaca. À vaca, havia de lhe dar. Era quase um dever que você tinha que fazer. Se passasse uma vaca ali prenha e você viesse com qualquer coisa de comida, tinha que lhe dar um bocadinho."
- "E a uma grávida igual, se não até se ganhava um tricó [terçolho]. Nascia um tricó num olho, [dizia-se]: «Tu passaste por uma mulher grávida e não lhe deste de comer!». Porque ganhava o tricó. E quando uma vaca paria, que aqui na nossa terra diz-se parir as vacas…"
- "E nas outras?"
- "Não sei, nas outras às vezes diz-se abeixar. A vaca é abeixar." (...)
- "É parir, a palavra correta é parir."
- "Por exemplo, a vaca depois não se livrava. Tinha aquela porcaria e passavam horas e dias e não se livrava. Então havia que ir a nove hortas, roubar nove couves a nove pessoas. Roubar nove folhas de couve. E dá-las à vaca, que era para a vaca depois livrar-se. Mas não se podia dizer a quem se ia roubar, também era um segredo de ir roubar. Tanto a vaca, como a ovelha. Ainda aqui há tempos a Maria Alice, a dela não se livrava e então eu disse: «Vai roubar assim, assim, noves couves.». E diz ela: «Mas às tuas eu não posso ir, que tu disseste-me.». «Não, às minhas não. Vai roubar a outro!» [Risos]"
- "As ovelhas não se desaguavam, só se desaguava as vacas."
- "A vaca. Não se podia ir à corte [curral], se fosse ao palheiro.
(...) Havia a corte por baixo, não é? Por cima havia o palheiro, onde se guardava a erva e o feno. Havia que botar uma mão cheiinha, se não aguavam."
- "Mas havia uma velha ali na costa, que era a... a sua sogra deve-se lembrar dela. (...) E então fazia-se o serão na corte dela. Antigamente faziam-se os serões nas cortes, fiavam e faziam-se lá os serões. E do outro lado estavam as vacas. Dividiam a corte: numa parte fazíamos o serão e na outra estavam as vacas. Então os homens jogavam às cartas. As cartas têm o Às de Copas, por exemplo, aquelas cartas que são de Copas. E a mulher dizia: «Não vão falar em copas, que as vacas (...?).» [Risos] Porque a copa era a copa de palha."
- " O pequeno-almoço das vacas era uma copa de palha."
- " Pois, e eles falavam em copas..."
- " A primeira refeição era uma copa de palha, antigamente."