nome:
Mano Vitorino
ano nascimento:
1931
freguesia: Mora
concelho:
Mora                                 
distrito:
Évora
data de recolha: 2007
 
 

Inventário PCI

As três advinhas

Mora

"As três advinhas" - Uma princesa dispõe-se a casar com quem lhe apresente três adivinhas às quais não consiga dar resposta. Um jovem e perspicaz pastor aceita o desafio.

Mano Vitorino; Mora; Concelho de Mora, Évora

Registo 2007.

Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 851  A Princesa que não soube Resolver o Enigma.

 

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.

Transcrição

As três adivinhas

 

Ele não tinha pai nem mãe, era sozinho, e andava a guardar umas cabritas lá pra um vizinho. O rapazote andou lá uns poucos anos e naquele tempo isto já há muitos anos, andava descalço e a guardar as cabras.

E o rapaz começou a ser maiorzito, já tinha aí os seus catorze anos, começou a ouvir dizer que havia uma princesa que se casava com quem lá fosse com umas adivinhas que ela não adivinhasse. Mas se ela adivinhasse as três adivinhas, era morto, ia lá pa' um alçapão e já lá haviam muitos mortos.

O rapazito, mal arranjadito, começou a pensar:

– Atão aquela princesa adivinha as adivinhas todas... Mas eu é que vou fazer as minhas! As minhas na' 'tão escritas e ela na' as adivinha!

Vá, o que é que o rapaz pensou: "vou deixar as cabras. Na' digo nada e vou-me embora".

Um dia de manhã, embalou e deixou as cabritas. Começou a pensar no caminho: "é pá, mas atão eu deixei as cabras, não as havia de ter deixado! Os lobos agora comem naquilo tudo!" Começou a pensar "Olha... Vou já arranjar aqui uma! – "Deixei o que não deixara".E marcha pra diante. "Bom, estas ela não vai adivinhar"...

Chega lá adiante, andavam ali uns montões de mata a arder e vinha uma cobra a fugir. Olhou, com o cajadito que levava – toma! – deitou a cobra pra cima do lume! Ora o lume enrolou-a logo! Disse ele logo:

– Olha... A cobra é ruim, mas o lume ainda é pior, que a matou! Atão vou aqui arranjar outra! "Atirei com o ruim pò pior"...

Mas foi mais lá pra diante. Chega lá diante, a pensar, a ver se arranjava outra adivinha, dá um pontapé numa pedra: "é páaa"! Fico logo à rasca com dores na unha. Disse logo:

– Olha, daqui vou fazer outra: "topei o que não topara" – porque isto dói muito e eu não havia de ter dado esta topada.

Continuou lá pra diante, sempre andando! Chegou lá mais adiante, viu um belo bocado de trigo e um cabrão dum boi lá dentro.

Pastor – É pá! O boi é bom, mas o trigo ainda é melhor! Vou tirá-lo daqui pra fora!

Tirou o touro pra fora e começou a pensar: "tirei o bom do melhor" (que era a dizer que o boi era bom, mas o trigo ainda era melhor).

E marcha sempre a andar para diante. Vai indo para diante, aquilo já se ia fazendo assim quase noite, já se tinha posto o sol, viu um montezito e tal.

Pastor – Vou pedir aqui quartel a esta mulher.

Aquilo já era perto da aldeola onde 'tava a princesa. Disse a mulherzita:

– Sim, senhora! Olha, ficas aí. Até me fazes companha, que eu tenho o meu homem amortalhado. Vai ali pra dentro. Ficas ali, que eu agora vou tratar ali das galinhas e da bicheza. – E foi.

'Tava ali ao pé do homenzinho (o velho 'tava dentro do caixão) e nisto o homem levantou-se além e disse:

– Na' tenhas medo, que eu vou-te dizer uma coisa! Olha, tenho uma pereira no meu quintal – dá peras muita boas! Mas as raízes são o melhor, porque 'tá lá uma panela de libras enterrada! E tu vais e tiras aquilo, que ninguém sabe, senão aquilo estraga-se lá.

O rapaz começou logo a pensar: "Ó pá! Já 'tou de cavalo! Já me vou preparar e comprar sapatos e roupa pa' ir ter com a princesa!

Morto – Não tenhas medo que eu agora caio e fico morto outra vez! Olha, as peras são boas, mas o melhor é a raiz! – Que era a panela das libras.

Ora o gajo ficou com aquilo tudo na ideia. No outro dia, aquilo era já noite, disse pa' a mulherzita:

– Não tem aí uma enxadita?

Mulher – Atão? Queres ir cavar?!

Pastor – Quero ir p'ali cavar. Ali um bocadito pò o quintal.

Já com a mira de ir à cata da panela das libras! O gajo lá foi cavar de roda da pereira. Achou a panela, levou-a assim pa' mais longe e escondeu-a (que era pa' quando abalasse a levar). Assim foi. Ao fim de um bocado, lá 'teve a almoçar mais a velhota e abalou pra ir à cata da princesa!

Aquilo era já perto, lá chegou à princesa.

Princesa – O que é que tu vens fazer, rapazinho? Atão tanta gente que aqui vem! 'Tá além um alçapão já cheio deles mortos! Tu és morto!

Pastor – Na' faz mal! Eu sou sozinho, na' tenho ninguém. Na' faz mal ser morto.

Princesa – Diz lá atão a tua adivinha.

Foi logo a primeira.

Pastor – "Deixei o que na' deixara..."

Princesa – Oh, rapaz...

Era ela a dar volta aos livros – aquilo não estava lá escrito! Fez-se noite, disse para uma criada. Ela tinha três criadas:

Princesa – Vais dormir com ele. – A ver se ela descobria a história dele.

Lá foi, lá brincaram de noite os dois. De manhã, ele contou-lhe a ela.

Criada1 – Tens que me dizer agora o que é!

Pastor – Ah, pois digo! Ainda tenho muitas! Ela n'as adivinha todas! Olha, podes lhe dizer que foi isto: "deixei o que não deixara", porque deixei um rebanho de cabras no meio de um matagal onde haviam muitos lobos e não as havia de ter deixado, que os lobos comiam-nas! Portanto "deixei o que na' deixara".

Ela sai de lá, foi logo contar à princesa. A princesa chama-o lá. Ele apresenta-se.

Princesa – Sim, senhora! Deixaste atão um rebanho de cabras que não havias de ter deixado, pois os lobos comiam-nas... 'Tá bem! Diga! Diga mais! Diga mais!

Pastor – E atão "atirei com o ruim pò pior!"

Princesa – Mau...!

Ela ficou logo à rasca, outra vez! Ele tinha três pra ela adivinhar. Ora esteve ela todo o dia de roda daquilo outra vez... Chegou-se à noite, nada de ser capaz de adivinhar! Foi outra criada, à noite, dormir com ele! Já na' foi a mesma, outra! Ele conheceu as três criadas, dormiu cas três! Bom, lá de manhã, disse-lhe a criada:

– Tens de me dizer agora o que é!

Pastor – Ah, pois digo! Fui eu que vinha andando e vi uns montões de mato assim a arder num lume e vinha uma cobra a fugir. E eu aventei com ela lá para cima e atão "atirei com o ruim pò pior!".

A criada vem de lá – pumba! Vai logo contar à princesa:

– Sabe o que é que foi? Foi ele que "atirou com o ruim para o pior" – era uma cobra que vinha a fugir e ele atirou com ela para cima do lume!

Ela chamou-o logo lá.

Princesa – Sim, senhor! Mais! Diga! Diga mais!

Pastor – E atão "topei o que na' topara!" e "deixei o que não deixara" e um morto da tumba me diz "que as peras são boas, mas o melhor é a raiz!"

Princesa – É páaa!

Ela ficou logo à rasca, tanta coisa! Bom, "topei o que não topara" – ela lá ficou de roda daquilo e já nem pensou nas outras. Não foi capaz de adivinhar mais nenhuma.

Chegou de manhã lá a outra criada, lá ia contar à patroa o que é que tinha sido.

Criada3 – Ora foi ele que "topou o que na' topara: porque deu um pontapé numa pedra, ia arrancando uma unha, e não devia ter dado.

Princesa – Sim, senhor! Foi isto, foi aquilo...

Pastor – Eh! Atão e " o morto da tumba me diz, que as peras são boas, melhor é a raiz"?

Bom, ela na' foi capaz de adivinhar nada daquilo!Lá pensou e resolveu ir casar com ele.

 

Mano Vitorino, 76 anos, Mora, (conc. Mora), Junho 2007.

 

Caraterização

Identificação

Tradições e expressões orais
Manifestações literárias, orais e escritas
As três advinhas
1931
Mano Vitorino

Contexto de produção

Contexto territorial

Mora, Casa da Cultura de Mora
Mora
Mora
Évora
Portugal

Contexto temporal

2007
Hoje sem periodicidade certa. Encontros informais e iniciativas do Município de Mora e escolas

Património associado

Transmitidas aos serões, em quotidianos de trabalho e lazer.

Contexto de transmissão

Estado da transmissão
ativa
Descrição da transmissão
Agentes de tramissão

Contadores de histórias participam em iniciativas do Município de Mora. São convidados para participar na inicativa Palavras Andarilhas. Vão a escolas, lares e bibliotecas. Participam em iniciativas do Fluviário de Mora e da Casa da Cultura. Destacam-se as seguintes actividades desenvolvidas desde 1999:

- Encontro de Contadores e Histórias - 1999 a 2005

- Ti Tóda - Conta-me eum conto, estafeta de contos - 2001 a 2004

- As lendas vão à escola - 2005

- O Talego Culto - 2007

- O Talego ambiental - 2007 a 2008

- Comunidade do Canto do Lume

Idioma
Português

Equipa

Transcrição
Maria de Lurdes Sousa
Registo vídeo / audio
José Barbieri
Entrevista
José Barbieri
Inventário PCI - Memoria Imaterial CRL