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Dificuldades de maior monta, ainda, se colocaram quanto à delimitação do corpus. À partida, o objetivo essencial deste catálogo era a indexação e catalogação do corpus da fábula esópica na literatura portuguesa. No entanto, cedo ficou patente que a fábula na literatura portuguesa não obedece estritamente ao espartilho desta designação, criada inicialmente por Fedro no prólogo ao livro IV das Fábulas (Perry, 1965: 299). Por outro lado, a própria designação "fábula esópica" mostrou-se errónea, dado que se aplica a corpora com naturezas muito distintas, que podem oscilar entre conjuntos de textos fixados em coleções que adquiriram o estatuto de vulgatas, incorporações e sincretizações várias que modificaram substancialmente o conjunto dos textos, e, ainda, a criação de fábulas de autor, fenómeno que se verificou significativamente no Barroco e depois do Romantismo. Não é, por isso, possível falar de uma tradição da fábula, porque, na verdade, estão em causa tradições diversas, com circulação independente por vezes, que confluíram noutras alturas, ou corpora fixados que foram posteriormente retalhados das mais diversas maneiras. A abertura e grande maleabilidade dos materiais no caso da fábula confirmam que a tradição não pode ser entendida como arquivo de textos, nem a memória como a sua conservação inerte (Ziolkowski, 1990: 8). Além disso, se observarmos a transição operada na significação do termo "fábula" entre o século XVII e o século XVIII, que coincidiu com o momento em que a fábula firmou os seus créditos de género literário, ao lado de outros, e deixou de ser um género predominantemente subsidiário da filosofia ou da retórica, podemos verificar que ela foi um palco onde se encenaram amplas reavaliações e reapreciações das ficções poéticas (Lessing, 2008: 31-59; Thomas, 1975), que estiveram relacionadas com a confirmação do género da fábula. Também o estudo da fábula na época contemporânea, nomeadamente após o surgimento do modernismo português, levou à constatação da existência de fenómenos de evolução da escrita literária que tiveram profundas repercussões nos modos como se processaram a recuperação e a evolução deste género. Fenómenos como estes, e outras particularidades da fábula na sua relação com o sistema literário contemporâneo, que mereceram até ao momento escassa ou quase nenhuma atenção por parte da crítica, são estudados nos artigos da História Crítica da Fábula na Literatura Portuguesa (HCFLP) que se debruçam sobre a produção fabulística nesta época. No Catálogo da Fábula, são repertoriadas ocorrências relativas à época contemporânea que levam em linha de conta a sua especificidade do contexto literário posteriormente a 1915, data em que coincidem a publicação do primeiro número da revista Orpheu e de "rosa de seda", fábula fundadora de uma particular perspectiva sobre este género literário e que é suscetível de ser considerada como um texto programático.

 


 

O IELT é financiado por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito dos projetos UIDB/00657/2020 com o identificador DOI https://doi.org/10.54499/UIDB/00657/2020 e UIDP/00657/2020 com o identificador DOI https://doi.org/10.54499/UIDP/00657/2020.