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O trabalho que estamos a desenvolver no ambito do projecto europeu "Seeing Stories Recovering Landscape Narrative in Urban and Rural Europe" leva-nos a percorrer caminhos da memória colectiva povoados por histórias, folhetos de cordel, canções e histórias de vida. São memórias que os habitantes elegem como caracterizadoras do lugar onde vivem, parte de um todo comunitário. Neste festival vamos desvendar os primeiros resultados deste trabalho, aplicados a Alfama, Lisboa e Pereiro de Palhacana, Alenquer. Os nossos parceiros europeus partilharão conosco o resultado dos seus trabalhos no ambito do Seeing Stories em Aachem, Edinburgh e Firenze. Em conjunto procuramos as rotas imaginárias que conectam os lugares da Europa. Percorrendo estes caminhos encontramos encruzilhadas onde as estradas da cidade se cruzam com as do campo. Foi numa dessas encruzilhadas que encontrámos a memória de uma história de cordel, contada por Celeste Alexandre da aldeia de Pereiro de Palhacana, Alenquer. Do poema lembrava-se da primeira quadra. A história, nunca a esqueceu. E contou-nos. Ana Sofia Paiva pegou nesta memória e investigou. Encontrou João de Sousa, do Cadaval. Poeta popular que no inicio do sec XX rumou a Lisboa e se integrou na vida fadista da capital. E que nos deixou esta lirica que foi cantada por um dos grandes fadistas da época. E conta-nos: |
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As histórias viajam. Sim, sim: as histórias são viajantes. E esta história, a história que vamos contar, viajou. Viajou do campo para a cidade – como tantas outras. Caminhou – como tantas outras. No campo foi cantiga de cego, bem amarrada num velho folheto de cordel. Mas quando chegou à cidade... Quando chegou a Lisboa... Chegou para ser poema. Chegou para ser um fado. Um fado que contava assim: | |
Um dia uma criança Teve a genial lembrança Que eu aqui vos vou contar Muito embora pequenino Ele tinha muito tino E era raro brincar |
Havia no seu quintal Uma árvore e por sinal Um melro lá fez o ninho E lembrou à criancinha Com um carrinho de linha Trepar lá acima sozinho |
Era uma vez um menino. Um menino esperto, corajoso, inocente. Um dia, o pai adoeceu. Ficou na cama, mal conseguia respirar. O menino espreitava pela porta do quarto, sem saber o que fazer. A mãe chorava. E o doutor dizia: Ao cair da folha, a morte é certa. E agora? O que é que ele podia fazer? Havia uma árvore no quintal. Uma árvore muito grande, muito alta. O menino pegou numa agulha, num carrinho de linhas... e subiu. E começou a coser as folhinhas da árvore umas às outras, e a prendê-las aos ramos. A ver se parava o tempo. A ver se amarrava a Primavera. A ver se atrasava a Morte. Uma a uma, uma a uma, uma a uma... Mas o tempo passou. Foi passando. E tal como uma folhinha de Outono a desprender-se do ramo, levezinho, o menino escorregou. |
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Ainda me lembro bem Do doutor ter dito à mãe Que com custo a prevenia Que quando as folhas caíssem E a nossa árvore despissem O meu paizinho morria |
Por isso levei as linhas Prás prender bem prendidinhas E todas elas atei Ele agora já não morre Anda, vai-lhe dizer, corre Que eu morro mas que o salvei |
Título: Histórias Viajantes Estória adaptada e cantada por: Ana Sofia Paiva Guitarra de 12 cordas: Eurico Machado Guitarra Classica: Jon Luz Fado: Pedro Rodrigues de Sextilhas Lirica creditada ao poeta popular: João de Sousa Cantado pelo fadista Júlio Duarte em 1930/40 Recorded, mixed and masterised by Eduardo Vinhas at Golden Pony Studio (Lisboa) Produzido por: Ana Sofia Paiva, BOCA e Memoria Imaterial CRL |
Ana Sofia Paiva |