Inventário PCI
Beja
“O namoro com D.Carlos”- Um conde ilude uma jovem com promessas de amor e compromete a sua honra e possibilidade de viver, acaba por se arrepender e salva-a do cadafalso com um esquema ardiloso.
Idalina Cocito; St. Clara de Louredo; Ano de nascimento: 1938; Concelho de Beja.
Registo 2010.
Romanceiro: Romances Carolíngios: “Conde Claros em Hábito de Frade”.
Classificação: Isabel Cardigos (CEAO/Universidade do Algarve) em Setembro de 2011
Fonte da Classificação: Pere Ferré, Romanceiro Português da Tradição Oral Moderna, vol. I, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2000.
Transcrição
Namoro com Dom Carlos
«Uma (…) [rapariga?] que namorava um rapaz (era Conde). E depois o pai na’(1) queria... E ele, coitado, queria *fazer pouco*(2) dela - nesse tempo era “pouco” que chamavam.
E ele disse: - Ai, não! Não... Essa noite há-de dormir…- Com ele... E eles iam a jogar... (…) Iam prà(3) aqueles clubes, iam jogar.
Ele, primeiro, dizia-lhe assim: - Felizarda, Felizarda... - Ela era Felizarda.
- Felizarda, meu amor, bem podias tu, Felizarda, dormir comigo ao redor.
E ó’ pois(4) ela disse: - Eu dormiria consigo, se não me fosse gabar à mesa dos galderistas(5)(?), onde me’ pai vai jogar! – Que o pai é jogatina(6)! (…) -Do gambaristas(5)!... Chamavam-lhes gabaristas(5)! - Onde o me’ pai vai jogar.
Depois ele chegou e disse: - Esta noite dormi eu com a menina Felizarda!
Era mais linda que (...)[a mãe?] e mai’ (…) cò(7) que estava.
O se’(8) pai assim que ouviu, prà casa se retirou. Sua filha assim co(9) viu a bênção lhe tomou. Ele disse:
- Retira-te, ó minha filha! Já te podes retirar!
Que as falas que eu hoje ouvi, ainda hoje vais degolar. – (…) degolar: nesse tempo matavam!
(…)E ó’ pois ela disse:
- Aqui me ponho eu, meu pai, aqui me ponho a chorar!
Haja alguns do me’s(10) criados que me possa auxiliar.
Respondeu um: - Aqui estou eu Menina, estou eu pó(11) que me quiser mandar.
- Vai-me levar esta carta à casa dos Montalvar. – Ele era Carlos Montalvar!
Depois ela disse: - Se ele ‘tiver(12) a dormir, deixá-lo bem acabar; se ele ‘tiver a passear, *vem, de noite, entregar*(?).
Em tã’(13) boa ocasião, andava ele a passear. [Disse:]
- Acudam-me me’s criados, a ferrar os me’s cavalos! Com ferraduras de bron[ze?], com que na’ se possam gretar(14): caminhada de oito dias, ainda hoje tenho de andar!
Que ela[e] só a recebeu a carta ao fim de oito dias! Já ela ia… Prà matarem! Já ia naqueles carros, (…) naquelas coisas blindadas… - *Contavam no meu tempo(?)/ quando ‘tavam no outro tempo*, - iam pà(15) forca!
Ele vestiu-se a padre e foi. E ó’ pois, chegou assim:
- Parai, Justiça, parai, se não faço eu parar!
Que a menina que aí vai, ainda vai por confessar.
No meio de uma confissão, ainda um beijo me há-de dar! -O ordigala!
E ó’ pois ela, ela assomou-se(16) e disse assim:
- Cale-se lá, Senhor Dom Padre, na’ se queira adiantar!
Onde Dom Carlos pôs boca, na’ é pra padres beijar! - Depois ela disse:
- Pelo rir, me parece Carlos de Montalvar.
- Sou eu menina, sou eu! Que à morte a vim livrar.
Com este punhal de oiro, eu o hei-de atravessar;
por uma porta há-de sair e por outra há-de entrar!
Matou o pai dela e casou co’(17) ela! Já ‘tá lá escrito (…) na’ esquece! [Risos].»
Idalina Cacito, Beja, Abril de 2010
Glossário:
(1) Na’ – não (pronuncia popular, uso coloquial).
(2) Fazer pouco – neste caso, mais que troçar, é iludir com juras de amor para obter intimidade física e afastar-se, deixando a moça “desonrada”, com a reputação denegrida.
(3) Prà – “para a” (contração da preposição pra com o artigo ou pronome a; uso popular e coloquial).
(4) Ó’ pois – “depois” (modo informal e coloquial, reprodução da pronúncia).
(5) Jogatina – viciado no jogo.
(6) Galderistas/Gambaristas/Gabaristas/ – por hipótese, gabarolas (aqueles que exageram aos outros as suas qualidades ou actos) por similitude com gabanistas, gabarristas, gabanichas – termos populares para ‘gabarola’.
(7) Cò – que o que (hipótese, por reprodução de pronúncia popular).
(8) Se’ – seu.
(9) Co – “com o” (contração da conjunção arcaica ca com o artigo ou pronome o - ca+o -; uso oral, coloquial).
(10) Me’ s - “meus” (supressão de uma vogal u, redução para reprodução da pronúncia, uso informal e coloquial).
(11) Pò – “para o”, forma sincopada de prò (contração da preposição pra com o artigo ou pronome o), uso popular e coloquial.
(12) ‘Tiver – estiver (pronúncia popular do verbo “estar”, uso informal).
(13) Tã’ – tão (de tal modo).
(14) Gretar – rachar; fender; desconjuntar.
(15) Pà – “para a” (abreviatura da contração da preposição pra com o artigo ou pronome a; uso popular e coloquial).
(16) Assomou-se – irritou-se, irou-se, enraiveceu-se.
(17) Co’ – com (supressão de uma consoante, abreviatura oral por pronúncia popular).
Referências bibliográficas e recursos online utilizados no glossário:
Barros, Vítor Fernandes & Guerreiro, Lourivaldo Martins. (2005). Dicionário de Falares do– Alentejo. Porto: Campo das Letras p.97.
Barros, Vítor Fernandes, (2010). Dicionário de Falares das Beiras. 1ª. Edição. Lisboa: Âncora Editora e Edições Colibri, p. 211.
Vítor Fernandes, (2006). Dicionário do Falar de Trás-os-Montes e Alto Douro. Lisboa: Edição Âncora Editora e Edições Colibri, p.189.
http://aulete.uol.com.br;http://dicionario.sensagent.com; http://michaelis.uol.com.br;
http://pt.bab.la/dicionario/portugues-ingles; http://pt.thefreedictionary.com; http://www.ciberduvidas.com; http://www.dicio.com.br;http://www.infopedia.pt; http://www.priberam.pt.
Caraterização
Identificação
Contexto de produção
Contexto territorial
Contexto temporal
Património associado
Contexto de transmissão
Contadores de histórias que participam em iniciativas do Município de Beja. São convidados na iniciativa Palavras Andarilhas. Vão a escolas, lares e bibliotecas.