Inventário PCI
Serpa
“Maria da Silva”- A história de uma menina encontrada em bebé num monte de silvas por um casal idoso.
Mariana Valente; Vila Verde de Ficalho; Concelho de Serpa.
Registo 2006.
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.
Transcrição
Chamava-se Maria da Silva.
Um velhote mais uma velhota viviam num monte(1) e depois nunca tinham tido filhos. E tinham muita pena de na’ terem filhos, mas coitadinhos na’ tiveram. E depois, um dia, tinham falta de lenha para o lume e foram à procura de lenha. E depois, quando lá chegaram, o velhote disse assim:
– Escuta lá! Parece que é um bebé a chorar! Aqui no campo? Um bebé a chorar?!
Foram lá. Chegaram lá, ‘tava dentro de uma silva – e é por isso que teve o nome da Maria da Silva –, uma menina dentro de uma alcofinha(2). Ai, eles ficaram tão contentes! Os velhotes vieram para casa com ela. Tão contentes!
Velho – Atão que nome é que a gente(3) agora põe à nossa menina?
Velha – Olha pomos-lhe Maria da Silva.
Velho – Atão ‘tá bem, pronto. – Calhava bem porque ela ‘tava lá nas silvas.
Mas ela foi crescendo e eles criaram-na muito bonita, ali naqueles campos do monte. Ela já era uma senhora, tão bonita, mas nunca saia dali porque eles tinham medo – alguém na’ lhe fizesse mal…
Naquele dia passaram uns senhores à caça e ia lá o rei. O rei foi passar lá ao pé do monte e a menina espreitou. E vira-se e disse-lhe assim:
– Olha que menina tão bonita! Tu não me dás um copinho de água?
Ela foi-lhe buscar a água e ele, quando ela vinha com a água, em vez de apanhar o copo apanhou a mão da menina! Montou-a no cavalo e levou-a. A menina desapareceu dali.
Os velhotes, coitadinhos, iam *levando fim do sentido*(4), por causa que lhe tinham roubado a menina. Depois, no outro dia, o velhote disse:
– Olha, vamos lá a ver se a gente é capaz de dar com a nossa menina! Vamos andando por aí.
Foram andando, andando, andando, andando por aí. Viram uma casinha lá muito longe. Foram lá até aquela casinha. Chegaram lá à casinha, bateram à porta. Atendeu uma senhora.
Velhos – Olhe lá, você *não deu notícia*(5) de passar por aqui ninguém com uma menina assim, assim… Uma senhora –que ela já era uma senhora – muito bonita?
Disse:
– Olhe, foi um rei que, portanto, a trouxe. E atão você agora vai sempre por aí, que ‘tá ali um palácio. Além(6), naquele palácio, é que mora um rei e deve ser para além que ele a levou.
Eles, coitadinhos, foram lá. Os dois velhotes, andando, andando. Chegaram lá, bateram à porta. Veio o rei. Disseram-lhe os velhos:
– Mas atão(7)? Você passou lá pelo nosso monte e trouxe-nos a nossa menina!!!
Ele disse:
– Atão, não precisam chorar! Entrem lá, entrem lá.
Mandou-os entrar. Tanto a menina como os velhotes eram pobrezinhos e estavam agora num palácio tão bonito…
Rei – Entrem lá que agora ficam aqui. Jantam aqui com a gente e a gente agora já não os deixa ir lá para o seu monte. Ficam aqui.
Ela assim que os viu, coitadinha, ficou tão contente, tão contente e abraçou-os. E atão disseram-lhes:
– Bom, vocês depois já não vão para o monte e já ficam aqui sempre com a gente.
E assim tiveram depois eles no palácio. A Maria da Silva ainda teve uma menina e os velhotes ficaram muito contentes.
E pronto… Acabou-se.
Mariana Valente, Ficalho (conc. Serpa), Fevereiro 2006.
Glossário:
(1) Monte: regionalismo do Alentejo. Sede de herdade formada por vários edifícios em torno de um pátio; designação por vezes atribuída à própria herdade.
(2) Alcofinha: pequena cesta de esparto, junco ou vime, com uma ou duas asas, que serve para transportar ou guardar coisas.
(3) A gente: subentende-se o sujeito “nós”.
(4) Iam levando fim do sentido: iam morrendo de tristeza.
(5) Não deu notícia: não se apercebeu de; não sabe se.
(6) Além: acolá; expressão que designa distância.
(7) Atão: regionalismo de Portugal, de uso informal e coloquial, que significa “então”.
Caraterização
Identificação
Contexto de produção
Contexto territorial
Contexto temporal
Património associado
Contexto de transmissão
Contadores de histórias participam em iniciativas do Município de Serpa e de Beja. São convidados para participar na inicativa Palavras Andarilhas. Vão a escolas, lares e bibliotecas.
Em 2010/2011 o Agrupamento de Escolas de Serpa como o projecto "Contos d'Aqui" entrevistou e levou à escola a Susete Vargas, de Vale do Poço e a Francisca Calvilho, de Vila Verde de Ficalho, mais duas contadoras de histórias do concelho de Serpa (ver em "Documentação")