Inventário PCI

O príncipe lagarto

Mora

"O Príncipe Lagarto" - Desesperada uma princesa pede a Deus que lhe dê um filho. Nascerá então um lagarto com modos de gente, cujo encantamento só poderá ser quebrado através do milagre do verdadeiro amor.

 

Custódia Mariana; Cabeção; Concelho de Mora, Évora

Registo 2007.

Conto de animais. Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 433 B  O Rei Lindorm.

 

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007

Transcrição

Príncipe Lagarto (1)

 

A Princesa Maria e o Príncipe Afonso viviam muito felizes com o seu povo. O povo era muito bom e eles estimavam-no muito. E também o povo tinha estima à Princesa Maria e ao Príncipe.

E então passava-se tempo e a Princesa Maria pedia a Deus que lhe desse filhos, que na’ tinha filhos. E o tempo passava, passava e ela não concebia. E ia sempre pedindo a Deus que lhe desse filhos e nada! Nada disso acontecia. Até que uma vez ela, descontente, triste e zangada com Deus gritou e disse:

 

– Ó Deus! Dá-me um filho! Nem que seja um lagarto! – E desabafou.

 

E ficou assim. E passou-se tempo, começou a andar doente. E o Príncipe falou com o doutor do palácio e disse:

 

– Tem de consultar a Princesa Maria, porque ela anda doente.

 

Ele foi consultá-la e, depois de a consultar, deu os parabéns ao Príncipe Afonso e à Princesa Maria porque ela estava grávida. E ela ficou muito contente! Ficou radiante porque ia ter um filho ou uma filha!

E depois passou-se o tempo, passou-se, passou-se e chegou a altura da criança nascer. E atão o médico lá estava, pra ajudar lá no que fosse preciso e, quando viu nascer um lagarto – um lagarto no lugar de uma criança –, pôs as mãos na cabeça e disse:

 

– Oh! Meu Deus! Não há memória de uma coisa assim!

 

A Princesa Maria ouviu aquilo… E o Príncipe disse assim:

 

– Um lagarto! Mande matar…Mande matar o bicho! – Disse o Príncipe.

 

E a Princesa Maria começou a chorar e a gritar e a dizer:

 

– Não! Não! Não quero que matem o bicho! Porque é como sendo meu filho! Tenho o quarto já arranjado e tudo, e ele vai ser dono do quarto. E vai ser dono de tudo! E é protegido em tudo!

 

E o Príncipe Afonso disse assim:

 

– É tudo como a Princesa Maria quiser! Como quiser dar a criação ao bicho! É tudo como quiser.

 

E ela hesitava… (Aquilo foi uma coisa do bom e do melhor, tudo ali pa’ esperarem uma criança…) E depois ela, de vez em quando, lembrava-se de ter feito aquele pedido zangada com Deus. De vez em quando, lembrava-se que tinha sido castigo de Deus. Mas tinha uma esperança…Enfim...

 

Quer dizer que depois o Príncipe começou a dizer à Princesa Maria:

 

– Fecha-se no quarto. E isto é segredo pra toda a gente. Para ninguém saber que temos um lagarto no lugar de um filho!

 

E ela anuiu. Quer dizer que andava tudo a esconder – pa’ não ver ninguém! Que era uma vergonha o povo saber que tinham um filho lagarto!

 

Lá no jardim o papagaio foi o primeiro a saber. Soube quando ouviu os criados lá do jardim dizerem assim:

 

– Nem é criança! É um bicho! A Princesa Maria na’… – E eles tudo admirado!

 

Mas o papagaio ouviu – o papagaio tem meia-fala – e disse assim:

 

– Ai, que desgraça! Que desgraça tão grande! Nem é criança! É um bicho!

 

O lagarto era só subir pas paredes acima e pelos tectos acima. O quarto tinha duas janelas e ele espalmava-se nas janelas. E passava por ali um bando de pombinhas (o jardim era mesmo na frente do palácio) que começaram a vê-lo lá espalmado na janela e notaram que havia ali qualquer coisa. Transmitiram aos outros, porque o jardim ‘tava cheio de bichos: tinha um pavão, tinha a cegonha, tinha o papagaio e isso… Quer dizer que, depois, ele na’ tinha sossego… Pois parece que as pombas que foram transmitir à cegonha e a cegonha às cegonhinhas e que estas passavam lá para verem-no ali espalmado … Aquilo era para ali uma coisa!

 

Mas atão o lagarto tinha já uma ama e esta tinha um ajudante pa’ a ajudar. E ele queria sair! Mal que a porta se abria um bocadinho iam logo, não o deixavam ir tão pouco para o jardim! Para ninguém o ver… E depois ele começou a chorar! As lágrimas caíam por ele abaixo e até chegavam ao chão. O chão todo molhado! E a ama começou a estar aflita e disse assim:

 

– Oh, Meu Deus! Atão, tu sofres?! Tu sofres!? Tu tens desgosto? Tu sofres?

 

E abanava a cabeça que sim. Abanava a cabeça que sim pois como não falava abanava a cabeça. E ela disse:

 

– Tenho que transmitir à Princesa Maria o que se passa!

 

Depois disse à Princesa Maria:

 

– Preciso muito de falar com a Princesa Maria, porque passa-se que o lagarto chora muito!

 

Princesa Maria – Chora muito?!

 

Ama – Sim! As lágrimas caem-lhe dos olhos pelo corpo afora. Até caem no chão! A gente anda cheios de pena do… Deixe-o ir ao menos para o jardim! Para ele distrair com as outras avezinhas e com as outras coisas.

 

A Princesa foi logo vê-lo e viu que, realmente, era assim como ela estava a dizer. Ele até molhava o chão com o choro!

 

Princesa Maria – Há aqui um mistério muito grande!

 

E atão disse assim:

 

– Deixem-se estar descansados que amanhã ele sai já daqui! Vai distrair pò jardim. Vou-lhe comprar uma farda.

 

Foi-lhe comprar uma farda – um boné, umas luvas e uns sapatinhos própriospara o que era. E fardou-o e arranjou-o e levou-o pò jardim. Ora ele todo contente! Era o pavão de roda dele – abria o leque, fechava o leque – e ele ria, ria contente, satisfeito!

 

Depois a Princesa Maria dizia-lhe assim:

 

– ‘Tá contente? – Tratavam-no por príncipe! – O Príncipe ‘tá contente?

 

E ele abanava a cabeça que sim! Que ‘tava! Pois ele queria dizer que estava muito contente. A cegonha passava com aquelas pernas altas, compridas, muito vaidosa, passava por ao pé dele e tudo… E ele ria-se de a ver. Era feliz! Ele andava naquelas coisas com as avezinhas, que até andava contente de ser livre! E ela começou a levá-lo quando havia aquelas festas, aquelas coisas de palácio… E ele, fardado e tudo no meio dos pais, portava-se como sendo uma pessoa – fazia continência, tinha aqueles gestos como se fosse uma pessoa.

 

Bem, o tempo passou-se. O tempo foi-se passando, foi-se passando e o povo começou tudo a saber! Até chegava já pa’ outros países e pra tudo... Os mensageiros passavam mensagens e iam mesmo aos outros países contar o que se tinha passado: que a Princesa Maria que tinha um filho que era… E depois tudo se impressionava com isso! Vinham pessoas dos outros países, tudo para ver se era verdade isso acontecer. Começou-se aquilo a espalhar e a quase pelo mundo inteiro. E depois chegou à altura – como casavam muito cedo os Príncipes nessa altura –, de falarem-no em casamento. Quer dizer que os mensageiros andavam pelos países e houve umas Princesas que iam lá pra… Mas era pra verem o que é que se passava, não era para se casarem com ele! Ia uma, iam duas, iam três... E chegaram a ir quatro. Quatro! Uma de cada vez. Chegavam lá, negavam-se a casar com ele, né? Negavam-se a casar com ele:

 

– Ai! Na’ posso! Na’ posso!

 

Mas havia na Austrália uma Princesa chamada Ana e tinha fama de ser das pessoas mais bonitas do mundo e bondosas. E essa, quando soube de ele ser rejeitado por aquelas quatro Princesas, pensou assim:

 

– Atão e eu? … Vou eu casar com o Príncipe Lagarto!

 

O coração dela era muito bondoso e teve pena dele. E disse para os pais:

 

– Vou casar com o Príncipe Lagarto!

 

Os pais acharam errado, mas ela foi casar com o Príncipe Lagarto. Foi para a Espanha para casar. Aceitou. A família ficou tudo muito contente! O pai e a mãe do Príncipe Lagarto por o filho ter quem o quisesse!

 

Bem, aquilo juntou-se tanta gente no dia do casamento que teve de ser ao ar livre. Fizeram um altar e estava o Senhor Padre pa’ fazer o casamento (e aquilo era uma enchente que uma coisa parva!). E depois disse assim o Senhor Padre para o Príncipe Lagarto:

 

– Aceita para sua esposa a Princesa Ana?

 

Ele abanou a cabeça que sim. E depois disse para a Princesa Ana:

 

– Aceita para seu esposo o Príncipe Lagarto?

 

E ela disse:

 

– Sim, aceito. – E beijou-o!

 

Agarrou-se a ele e beijou-o e o chão começou a tremer e o céu também começou tudo a tremer e as pessoas tudo aos gritos que era o fim do mundo! Mas aquilo foi só uns momentos, foi só uns segundos. Acalmou-se tudo, ficou tudo sossegado. E depois ficou tudo com os olhos no altar, mas o Príncipe Lagarto já lá na’ estava! ‘Tava lá era um lindo Príncipe! Uma pessoa famosa, uma pessoa bonita! Uma linda pessoa! E foi…Transformou-se aquilo num amor! Foi um sinal de amor e sinal que Deus transformou-o ali nessa pessoa! E atão conta a minha história que foram muito felizes e tiveram filhos lindíssimos!

 

Custódia Mariana, 80 anos, Brotas (conc. de Mora), Junho 2007.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Caraterização

Identificação

Tradições e expressões orais
Manifestações literárias, orais e escritas
O príncipe lagarto
1927
Custódia Mariana

Contexto de produção

Contexto territorial

Mora, Casa da Cultura de Mora
Cabeção
Mora
Évora
Portugal

Contexto temporal

2007
Hoje sem periodicidade certa. Encontros informais e iniciativas do Município de Mora e escolas

Património associado

Transmitidas aos serões, em quotidianos de trabalho e lazer.

Contexto de transmissão

Estado da transmissão
ativa
Descrição da transmissão
Agentes de tramissão

Contadores de histórias participam em iniciativas do Município de Mora. São convidados para participar na inicativa Palavras Andarilhas. Vão a escolas, lares e bibliotecas. Participam em iniciativas do Fluviário de Mora e da Casa da Cultura. Destacam-se as seguintes actividades desenvolvidas desde 1999:

- Encontro de Contadores e Histórias - 1999 a 2005

- Ti Tóda - Conta-me eum conto, estafeta de contos - 2001 a 2004

- As lendas vão à escola - 2005

- O Talego Culto - 2007

- O Talego ambiental - 2007 a 2008

- Comunidade do Canto do Lume

Idioma
Português

Equipa

Transcrição
Maria de Lurdes Sousa
Registo vídeo / audio
José Barbieri
Entrevista
José Barbieri
Inventário PCI - Memoria Imaterial CRL