Inventário PCI
Cuba
“O lobo esfomeado” - Um lobo esfomeado é consecutivamente enganado pelos animais que tenta comer.
António Caeiro; Vila Ruiva; Concelho de Cuba.
Registo 2006.
Transcrição
«Era um lobo. O lobo, de manhã, quando se levantou espreguiçou-se, pregou um traque (um peido como dizia o meu pai) e disse:
– Oh! Que bela novidade que me deu o meu cu hoje!
Pensou:
– Hoje vou ter um dia bom!
Levantou-se e foi plo campo fora. O que é que ele viu? Vi uma égua com uma criazinha pequena. Foi direito à égua e disse:
– Ai, égua! Oh! Eu vou comer a tua filha!
Égua – Ah! Na’ comas! Ela é tão bonita!
Lobo – Como! Eu tenho fome e tenho que comer. Ainda não comi nada hoje!
Égua – Na’ comas!
Lobo – Como!
Até que disse a égua:
– Olha, já me disseram que tu és um bom veterinário e eu ando aqui com um cravo encravado na pata, se tu fosses capaz de mo tirar… Tu se és um bom ferrador, um bom veterinário…
O lobo logo armado em fanfarrão:
– Pois sou! Sou o melhor veterinário e melhor ferrador que há aqui na área!
Égua – Atão(1) vai lá.
Lobo – Levanta lá a pata!
O lobo vai lá ao pé e conforme levanta a pata, a égua sacode- -lhe um coice e vai o lobo a rebolar por ali abaixo! E a água fugiu, conseguiu salvar a cria.
E o lobo:
– Ora que novidade que o meu cu(2) me deu hoje, ãh!
Bom, o lobo chegou mais à frente, foi andando, andando… ‘Tavam dois carneiros a guerrear (sabe como são dois carneiros – é marrada contra marrada).
O lobo disse:
– Oh! Agora é que vou encher a barriga!
Chegou lá, disse:
– Oh! Eu vou comê-los!
Disse logo o carneiro mais velho assim:
– ‘Pere lá um bocadinho! Antes de comeres vais aqui desmanchar uma teima! Tu sabes porque é que a gente(3) ‘tamos a guerrear?
Lobo – Não.
Carneiro – É que eu digo que a estrema da herdade –a estrema é o limite da herdade – é por aqui. Aqui o meu compadre diz que é por ali… E tu vais servir de juiz. Vais dizer qual é que é. A gente põe-se aí à distância e tu vês.
Os carneiros recuaram um para cada lado e o lobo foi ver onde é que era me’mo a estrema – que era para assinalar. Assim que o apanharam no meio, vêem-lhe os dois – catrapumba! – cada um com a sua marrada... Lá vai o desgraçado! O desgraçado do lobo às cambalhotas…
Lobo – Tal não foi boa a novidade que o meu cu me deu hoje, ãh?!
E não conseguia comer nada, cada vez tinha mais fome! Foi andando por um vale abaixo, quando chegou lá a uma ribeirazita ‘tava uma vaca com uma vitelazinha, com um bezerrito pequeno ao pé.
Lobo – Esta agora é que na’ escapa! De certeza absoluta! Agora desta vez… Agora não me engana!
E pensou:
– Bem…
Assim foi. De maneira que chegou lá:
– Vaca, olha(4), agora vou comer o teu filho!
Vaca – Não comas o meu filho! É tão pequenino, é tão bonito! Não comas!
Lobo – Como!
Vaca – Não comas! Escute lá compadre lobo, já sei da tua fama de bom veterinário e eu tenho uma coisa aqui atrás da orelha. Se tu ma conseguisses tirar antes de comer a minha filha eu agradecia-te muito!
Lobo – Atão vá lá, eu sempre fui bom veterinário.
O lobo lá foi. A vaca assim que o apanhou lá ao pé, olha, começou chateada à marrada com ele… Lá foi ele de pantanas(5) e não comeu o boi. E ela fugiu com ele, com o filho. As histórias do meu pai eram sempre assim.
António Caeiro, 73 anos, Vila Ruiva (conc. Cuba), Fevereiro de 2006.
Glossário:
(1) Atão: regionalismo de Portugal, de uso informal e coloquial que significa “então”.
(2) Cu: regionalismo de Portugal e do Brasil para designar o ânus; palavrão ligado ao metabolismo do corpo.
(3) A gente: subentende-se “nós”.
(4) Olha: Escuta! Ouve! Presta atenção!
(5) De pantanas: de costas; desamparado.
Para execução deste glossário consultaram-se os websites e dicionários: http://ciberduvidas.sapo.pt/; http://www.infopedia.pt/; Dicionário de Expressões Populares Portuguesas. 2ª. Edição, Dicionários D. Quixote; 34. Lisboa: Publicações D. Quixote.
Caraterização
Identificação
Contexto de produção
Contexto territorial
Contexto temporal
Património associado
Contexto de transmissão
Contadores de histórias participam em iniciativas do Município de Cuba e de Beja. São convidados para participar na inicativa Palavras Andarilhas. Vão a escolas, lares e bibliotecas.