Inventário PCI
Mora
"Perdizes ao almoço" - Um caçador convida um compadre para um almoço de perdizes, mas a sua esposa e uma vizinha adiantam-se e comem-nas…Uma desculpa tem que ser inventada para o sucedido…
Luísa de Jesus; Mora; Concelho de Mora, Évora
Registo 2007.
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.
Transcrição
[Perdizes para o almoço]
Era no tempo que se caçava todos os dias e que havia muita caça. Agora não há nada, só caçadores! E atão vão dois compadres e um era caçador e o outro não era. O compadre que era caçador matou duas perdizes e disse assim:
– Olha compadre, ontem matei duas perdizes.
Compadre – Ehh, compadre! Eu gosto tanto de perdiz!
Caçador – Gostas?
Compadre – Gosto. Gosto muito de perdiz. Até tenho pena de não ser caçador.
Disse o caçador:
– Bem, matei duas.
Chegou lá a casa e disse pa' mulher:
Caçador – 'Tive a dizer ao compadre que matei duas perdizes. E ele disse-me "Ai! Gosto tanto de perdiz!". Ó mulher, se calhar vou convidar o nosso compadre a vir comer uma perdiz mais a gente! Resquintas aí as duas perdizinhas, à moda da casa como tu sabes, e eu vou convidar o nosso compadre pra ele cá vir comer mais a gente.
Mulher – Atão, vá!
Caçador – E vou dar outra volta.
Mulher – Atão, não lhe disseste logo pra vir?
Caçador – Não. Eu na' sabia se tu querias fazer isso. Atão vá, eu vou dar outra voltita amanhã à caça, vou ver se mato mais uma peçazita, e passo por lá e convido o nosso compadre. Fazes cá as perdizes, que ó'pois vimos almoçar.
E atão assim foi, ela ficou a fazer as perdizes. Mas tinha lá uma vizinha muito gulosa! Deu-lhe o cheiro, era porta com porta, disse assim:
Vizinha – É vizinha, o que é que está a fazer? Ah, cheira-me tão bem! Ehhh! Que cheiro tão bom! Ai, que bem que me cheira!
Mulher – Olhe, melhor há-de saber a quem as há-de comer! 'Tou a fazer aqui duas perdizes –já tinha a mesa posta e tudo –, que o meu marido convidou o compadre para vir cá almoçar mais a gente, que ele gosta muito de perdiz.
Vizinha – Ai, vizinha! Desculpe, mas deixe-me provar um bocadinho! Ah! Cheira tão bem! Ó vizinha, deixa-me provar um bocadinho!
Mulher – Na', senhora! Isto é pa' gente almoçar mais o meu compadre. Se fosse sozinhos, até deixava.
Vizinha – Ai vizinha, mas eu tenho que provar!
Mulher – Ora! Eu na' quero as perdizes defeituosas, vizinha! É para vir o meu compadre almoçar...
O que é que ela fez? Arrancou logo uma perna à perdiz e toca a comer!
Mulher – Ai, Jesus me valha! Atão agora já tenho a perdiz defeituosa! Atão, o que é que eu ponho na mesa?!
Vizinha – Ah, vizinha! Coma também, senão vê-a ir! Coma, senão vê-a ir!
Vá de comer bocados!
Vizinha – Ah! Sabe tão bem!
Disse a mulherzinha assim:
– Se calhar sempre tenho que comer... Senão vejo-a ir! – Como ela dizia!
Vizinha – Ah, vizinha, sabe tão bem! Coma, vizinha! Na' faça cerimónia!
Toca a comer.
Mulher – Atão e agora o que é que eu hei-de...
Vizinha – Ora vizinha, o que é que tem?! A gente agora vamos comer a outra!
Começou a comer a outra! Eram duas, era uma a cada uma! Começaram a comer a outra!
Disse a mulher:
– Ai, Nossa Senhora! Atão agora tenho a mesa posta, na' tenho nada pò almoço! O que é que digo ao meu marido, que o meu compadre vem cá almoçar...
Vizinha – Ora vizinha! Na' se rale que eu venho cá pregar uma mentirinha! Quando eles chegarem venho cá pregar uma mentirinha!
Mulher – Mentirinha?!
Deitaram-se à perdiz as duas, comeram-na logo num instante! Aquilo sabia tão bem!
E atão acontece que assim que os viu vir, a mulher chamou a vizinha:
Mulher – Ah! Vizinha! Venha cá pregar a mentirinha, que já lá vem o me' compadre e o me' marido pa' não almoçar! Ai, Jesus me valha!
Disse ela assim:
– Eu, vizinha?! Ir pregar uma mentira à casa de uma vizinha!? Quando eu prego mentiras que seja na minha!
Nunca lá quis ir! A mulher agarrou-se à cabeça e disse:
– Ai, Nossa Senhora! Agora o que é que eu faço?! Ai, Jesus! Vou pôr ali o alguidar no quintal...
Entrou pa' porta do quintal.
Mulher – Vou ali pôr um alguidar e as facas e hei-de estudar a mentira pra quando o meu marido chegar... O compadre já além vem...
Mesa posta e o cheirinho das perdizes ainda lá estava, mas as perdizes... viste-las! Já se haviam sumido!
A mulher é que teve de estudar a mentira e disse assim:
– Olhe compadre, assente-se! Faça favor, a casa é toda sua! Assente-se! Anda cá marido, vamos lá ali ao quintal.
Chamou o marido.
Caçador – Atão, o que é que queres?!
Mulher – Ó homem, vem lá ali amolar as facas. É uma vergonha, não temos uma faca que corte! – Ele foi lá pò quintal.
O compadre, coitadinho, ficou ali a olhar para as paredes e pa' mesa, mas as perdizes não as via, e disse assim:
– Atão, o compadre 'tá a fazer o quê?
Mulher – Ai, compadre! Nossa Senhora! Vossemecê fuja! O compadre 'tá a amolar as facas e diz que é para lhe cortar uma orelha! É para lhe cortar as orelhas!
Compadre – Ai! Nossa Senhora, mas atão o que é que deu no compadre?!
Mulher – Olhe! 'Tá a amolar as facas que é para lhe cortar as orelhas!
Compadre – O compadre?!
Mulher – Fuja enquanto é tempo, antes que aconteça o desastre!
Começou a fugir o compadre e a mulher foi dizer ao marido:
– Olha marido, o nosso compadre já fugiu com as perdizes!
Ela é que 'teve de estudar a mentira!
Mulher – Fugiu cas perdizes!
O homem largou as facas e foi a correr.
Caçador – Ó compadre! Dá cá nem que seja só uma!
Compadre – Qual uma, nem duas! Quem quiser orelhas, corte as suas!
E o homem fugiu, fugiu...
Caçador – Ó compadre, por amor de Deus, dê-me cá homem! Dá-me nem que seja só uma!
Compadre – Qual uma, nem duas! Quem quiser orelhas, corte as suas!
Nunca ninguém mais o apanhou e, coitadinho, o compadre ficou sem perdizes... E elas comeram-nas!
E bendito louvado, o meu continho está acabado e desculpem se na' é do vosso agrado!
Luísa de Jesus, 76 anos, Amieiras (conc. Mora), Junho 2007.
Caraterização
Identificação
Contexto de produção
Contexto territorial
Contexto temporal
Património associado
Contexto de transmissão
Contadores de histórias participam em iniciativas do Município de Mora. São convidados para participar na inicativa Palavras Andarilhas. Vão a escolas, lares e bibliotecas. Participam em iniciativas do Fluviário de Mora e da Casa da Cultura. Destacam-se as seguintes actividades desenvolvidas desde 1999:
- Encontro de Contadores e Histórias - 1999 a 2005
- Ti Tóda - Conta-me eum conto, estafeta de contos - 2001 a 2004
- As lendas vão à escola - 2005
- O Talego Culto - 2007
- O Talego ambiental - 2007 a 2008
- Comunidade do Canto do Lume