Inventário PCI
Vimioso
"O pastor e a cabra" - Um pastor recebe uma recompensa que não pode revelar a ninguém e opta por um método pouco são para manter o seu silêncio
Maria Amélia, 1926. Vimioso
Registo 2010.
Transcrição
Era um pastor que andava com o gado. E despois(1) o gado começou-se-lhe a deitar por o meio do dia (que já estiava(2), já aquecia ao sol).
E ele diz assim: - E eu vou-me a deitar também! - E deitou-se.
E nisto, viu um grande fogo perto das canhonas(3). E ele que te faz? Alebanta-se(4) (e tinha uma pá na cabana pra dormir) e agarrou a pá e foi então lá: então a querer estroncar(5) as silvas, mas não era capaz de as estroncar com a pá.
E vai ele pôs-se a um seixo(6) grande que ali estava, um seixo lá no meio das silvas, e arrancou assim um molho de água ali por baixo. Aquela água ele depois, com a pá, arretalhou(7) aquela água por aquele fogo e apagou o fogo.
E nisto, apagando o fogo, saiu de lá uma grande cobra e diz-lhe pra ele:
- Em recompensa de me poupares a vida, tens a recompensa… – Ele ficou atrapalhado.
Cobra - E que queres de recompensa?
Pastor – Nada!
Cobra - Tu fizeste isto por muito bem: poupaste-me a vida, que eu senão ficava ali queimada. E, agora, diz-me o que queres. Tenho três coisas pra te dar: olha – a terceira já não me lembra, uma coisa qualquera(8), diz: - a primeira é que vais a compreender os pássaros todos, o que querem dizer; a segunda: os animais que andam no campo quando cantarem, quando qualquer (a) coisa, tu sabes o que dizem. Vais a saber entender tudo! Mas não te deixes levar! O dia que descobrires isto eu digo (…).Portanto, não descubras(10) a ninguém!
Ele, todo atrapalhado, foi pró(9) gado. E chegou ao gado, berrou um cordeiro.
E diz ele: - Olha, mal dele era o desgraçado…Em baixo do seu cordeiro c’roado está um grande tesouro de diamantes. E que grande riqueza lá está! - Tornou a continuar, disse aquilo três vezes! - Em baixo do cordeiro c’roado está um grande tesouro de ouro e diamantes.
E depois, diz assim: - Ai! Mas olha que… Já me vou experimentar! - Agarrou a pá, levantou o cordeiro e, em baixo do cordeiro, o rapaz fez assim uns rascanhos(11) com a pá.
E, ao outro dia, foi lá escavar a ver o que havia ali. Tirou terra e, esse que tirou a terra, encontrou um grande seixo lá em baixo da terra. E, em baixo daquele seixo, estava lá um grande tesouro de diamantes e de brilhantes, tudo! Tudo do que era bom. (…) Era grande a riqueza!
À noite, foi-se a deitar.
A mulher - Olha, mas tu hoje estás mais alegre do que das outras vezes. Mas a ti que te passa?
Ele: - Tenho uma coisa pra(12) dizer, mas não sei como ta hei-de dizer.
[Mulher:] - Adepois dizes-ma! Eu a ti também ta dizia! - Tornaram-lhe a dar: - Conta-me o que tu tens pra dizer, que estás (…) contente!
Mas ele nada!
E nisto, entretanto, cantou o galo.
E diz o galo 1 - Que estás praí a escantarolar(13)?
Galo que canta - Sei se, amanhã, vai a morrer o nosso patrão! - E a’pois, pronto, acabou.
Dali a outro bocadico, tornou a cantar.
E diz-lhe o outro galo - Que estás a escantarolar?
Galo que canta - Amanhã vai morrer o nosso patrão.
E diz-lhe o galo preto, diz assim: - Se morre é porque quer! Que ele passa, dá-lhe uma picada grande a ele na cabeça… E um pontapé no rabo, [n]o galo! E o galo fugiu para o outro lado… Ele que lhe faça assim e a mulher que ó’pois(14) já não lhe torna a perguntar!
Olha! Assim foi. Assim foi! Ele se havia de contar à mulher, não! Deu-lhe um pontapé e uma punhaça(15) na testa. A mulher foi pra outro lado, não tornou mais a perguntar!
Ainda lá estão a viver!
Maria Amélia Guerra, Mora, Vimioso, Outubro de 2010
Glossário:
(1) Despois – “depois” (modo informal e coloquial, reprodução da pronúncia).
(2) Estiava – já haviam passado as chuvas, estava tudo mais seco e sereno.
(3) Canhonas – ovelhas velhas.
(4) Alebanta-se – “alevanta-se, levanta-se” (trocar o “b” pelo “v” é um traço fonético comum nos dialectos do Norte do Portugal).
(5) Estroncar – separar do tronco, decepar.
(6) Seixo – pedra dura, lisa, com arestas arredondas pela água.
(7) Arretalhou – no caso, sulcou a terra e fendeu as águas.
(8) Qualquera – “qualquer” (modo informal e coloquial, reprodução da pronúncia).
(9) Prò – “para o” (contração da preposição pra com o artigo ou pronome o; uso popular e coloquial).
(10) Descubras – reveles.
(11) Rascanhos – arranhaduras, sinais que ficam na parte arranhada.
(12) Pra – “para” (redução da preposição “para”usadade modo informal e coloquial, reprodução da pronúncia).
(13) Escantarolar – cantarolar.
(14) Ó’pois – “depois” (modo informal e coloquial, reprodução da pronúncia).
(15) Punhaça – murro, soco.
Para a execução deste glossário consultaram-se: http://www.priberam.pt;http://www.infopedia.pt;http://aulete.uol.com.br;
http://www.ciberduvidas.com/pergunta.php?id=8163; http://www.clul.ul.pt/equipa/mcruz/segura.pdf; Barros, Vítor Fernando. (2006). Dicionário do falar de Trás-os-Montes e Alto Douro. Âncora Editora e Edições Colibri. P.90, 299, 323,
Caraterização
Identificação
Contexto de produção
Contexto territorial
Contexto temporal
Património associado
Contexto de transmissão
Residentes do concelho de Vimioso que são convidados para iniciativas do Município e Biblioteca de Vimioso. Principais actividades desenvolvidas que estas manifestações culturais:
Sons e Ruralidades em Vimioso
ANAMNESIS - Encontro de Cinema, som e tradição oral.
Feira de artes, ofício e sabores
(ver links em documentação)