Inventário PCI
Vimioso
"Deus e o moleiro" - Um moleiro que diz querer morrer é alvo de uma partida e muda de ideias.
José António, 1947. Vimioso
Registo 2010.
Classificação por Paulo Correia, CEAO, 1 de Março de 2011.
Transcrição
«Havia um moleiro que ‘tava(1) lá no moinho. E depois alebantou(2) Inverno, tinha que aprobeitar a água e estava sempre, tinha que estar sempre lá, sempre no moinho, sem vir a casa.
Mas um dia, como andava meio doente, que fez fomes – foi os que apanhava, coitado, a andar no moinho - e andava, sempre, a dizer:
- Ai, que Deus me lebasse! Ai! Se Nosso Senhor me lebasse é que fazia um bom favor. – ‘Taba sempre assim.
Dois rapazes, que eram assim algo mais travessos (…), oubiram la conbersa e dizem:
- Bamos a le(3) pregar uma partida ao moleiro!
Lá se (…) por ali acima, de noite, e esconderam-se ali atrás de uns sobreiros e começaram-na a vozear:
- Moleiro! Anda pò(4) Céu! Moleiro, anda pò Céu(5)!
E o home’ oubiu – e já ‘tava todo atrapalhado, coitado, já não sabia o que habia de fazer -, mas como logo a voz num(6) se calaba: - Moleiro! Anda pò Céu! - É que o homem lá ‘teve que se resolver a responder la boz:
- Senhor Deus! Não tenho vagar(7)! Que ainda tenho um tenho um pão na tremoia(8) e ainda está por maquiar(9).
Ele num queria ir. Queria-se morrer, mas não queria ir sem maquiar. Sem maquiar o pão! E não sei se já maquiou, se ainda não se maquiou, vá! Mas ele…O homem a morrer já se morreu, mas não sei o que fez depois (...).
José António Esteves, Vimioso, Outubro de 2010
Glossário:
(1) ‘Tava –“estava” ( pronúncia popular do verbo “estar” conjugado).
(2) Alebantou – ‘levantou-se’(trocar o “b” pelo “v” é um traço fonético comum nos dialectos do Norte do Portugal).
(3) Le – ‘lhe’ (pronome, registo popular e modo informal).
(4) Pò – “para o”, forma sincopada de prò (contração da preposição pra com o artigo ou pronome o), uso popular e coloquial.
(5) Céu – lugar para onde vão as almas do justos, dos santos e onde estão os anjos.
(6) Num - não (linguagem, uso coloquial).
(7) Vagar (ter)– tempo livre; sobrar tempo; tempo desocupado.
(8) Tremóia – tremoia, tremonha, canoura - «Peça de moinho, de madeira, onde se coloca o grão para moer (Freixo de Espada à Cinta).» Barros, Vítor Fernandes, (2006). Dicionário do Falar de Trás-os-Montes e Alto Douro. Lisboa: Edição Âncora Editora e Edições Colibri, p.347
(9) Maquiar – medir os grãos ou cobrar a maquia. «Maquia: porção de grão ou de azeitona, de farinha ou de azeite que os moleiros ou os lagareiros recebem em paga do seu trabalho (Freixo de Espada à Cinta).» Barros, Vítor Fernandes, (2006). Dicionário do Falar de Trás-os-Montes e Alto Douro. Lisboa: Edição Âncora Editora e Edições Colibri, p.237
Referências bibliográficas e recursos online utilizados no glossário:
Barros, Vítor Fernandes, (2006). Dicionário do Falar de Trás-os-Montes e Alto Douro. Lisboa: Edição Âncora Editora e Edições Colibri, p.254
Barros, Vítor Fernandes, (2010). Dicionário de Falares das Beiras. 1ª. Edição. Lisboa: Âncora Editora e Edições Colibri, p.243
Caraterização
Identificação
Contexto de produção
Contexto territorial
Contexto temporal
Património associado
Contexto de transmissão
Residentes do concelho de Vimioso que são convidados para iniciativas do Município e Biblioteca de Vimioso. Principais actividades desenvolvidas que estas manifestações culturais:
Sons e Ruralidades em Vimioso
ANAMNESIS - Encontro de Cinema, som e tradição oral.
Feira de artes, ofício e sabores
(ver links em documentação)