Inventário PCI

O Diabo e o Adolfo

Póvoa de Varzim

"O Diabo e o Adolfo" - Relato da aparição do Diabo a um homem e da maldição que tal encontro lhe valeu.

Ti Desterra, Póvoa de Varzim, Registo 2007

Lendas e Mitos

Transcrição

O diabo e o Adolfo

 

Antigamente isto não era assim. E então, uma vez, os homens foram para o mar. Tudo às escuras: faz uma pequena ideia, não é? Os barcos passavam nos paus dos outros… As mulheres, como eu digo, iam a acompanhar os homens quando eles iam para o mar – já expliquei. Às tantas, um diz assim para mulher:

- Eu vou ali dar o corpo e venho já.

Mas hoje, se dissesse que um homem que foi à praia dar o corpo, o que é que a gente pensava? Pense bem! Isto é assim um bocadinho… mas é verdade. A mulher disse:

- Vai-te, vai-te… Vai ali atrás do barco.

O homem foi mas o homem nunca mais apareceu.

- Ah, mulher, então? O teu marido não vem?

- Ah, ele foi ali dar o corpo, ele vem já!

- Ó cachopa! -disse o Mestre. -Tu vai ali ver o que é que se passou. Se calhar o homem está a passar mal. Vai ali ver!

- Ó Adolfo! Ó Adolfo! Ó Adolfo!... -nunca mais o Adolfo aparecia.

A mulher foi dar com o homem, estava o homem agachadinho:

- Shhh, shhh, shhh!…

- Que foi, homem?

- Cala-te, mulher, cala-te!

- O que foi, homem? O que foi?! -começou logo a disparatar, não é?

A mulher do mar não falava mal. Não dizia palavrões. Hoje, sim. Hoje, as mulheres que vendem peixe dizem muitos palavrões. A mulher do mar não dizia. Quando dizia desgraçada a uma filha, já era apontada pelos outros que já estava a falar mal. Portanto não havia curtas nem compridas, não.

- Ó desgraçado, que foi que te aconteceu?

- Cala-te, mulher!

Dizia ela:

- Levanta-te!

Diz ele:

- Ó mulher, que está ali o diabo na nossa frente!

Diz ela:

- Aonde?

- Está, mulher! Está ali o diabo na nossa frente, mulher! Tu não sabes, está ali o diabo na minha frente!

A mulher, que não via diabo nenhum:

- Estás doido!!! Tu bebeste a garrafa de vinho que levaste para o mar?

Diz ele:

- Não, mulher! […] direitinho! -o homem estava todo borrado. Desculpe a impressão, estava todo borrado.

Diz a mulher:

- Ó desgraçado, vai-te lavar ao mar, desgraçado! -que os pescadores levavam sempre roupa sobresselente, caso venha uma vaga do mar e os molhe. -Vai-te lavar ao mar, desgraçado!

- Cala-te, mulher! -o homem atrás da mulher.

Então o que é que o homem contou? Ele depois a relatar a história aos outros. O homem, coitado, estava aflito, lá foi fazer as necessidades dele – que a mulher disse que ele ia dar o corpo, porque era assim que eles diziam. Chegou ali, o homem ia para arrear (com licença) as calças, não é? E de repente viu aquela pessoa na frente dele. Diz que era um homem com dois cornos, um para cada lado, com um rabo muito comprido. Descrevia que era o diabo – o diabo que eles viam nas fotografias. E havia quem visse o diabo muitas vezes! E dizia: tanto aparecia como um homem muito perfeito, muito bonito, como aparecia na pior figura que podia haver. O homem assustou-se, olhe, assim era ele: ficou ali quietinho, nem se mexeu mais – ali. E o diabo sempre na frente dele, a rir-se – diz que a rir-se, de volta dele, a rir-se, a gozar com o homem!

Ai… Isto, você pode pensar que eu que estou a brincar mas não estou. O Mestre vê o moço a tremer, tinha para aí os seus cinquenta anos, e disse:

- Leva-o embora. Leva-o embora. E dá-lhe um chá de ervas de susto… -que se usava muito na pescaria, era as ervas-de-susto, ou então espíritos-da-vida (nunca soube o que eram espíritos da vida, mas prontos, era os chás que davam: eram os espíritos-da-vida e os das ervas-de-susto).

Chegou a casa o homem muito doente, muito doente, muito doente e assim se passou para o outro lado. Depois ela dizia:

- Ai… O meu Adolfo! Ai, o desgraçado do diabo matou o meu Adolfo!... Ai, que ele matou o meu Adolfo, foi o desgraçado do diabo que matou o meu Adolfo!...

Bom, mas o Adolfo foi-se. Com o susto, foi-se. Até eu era capaz de morrer na hora, então? Com o diabo na minha frente? Sabia lá para onde ele ia me levar! As histórias que contam… E muitas outras histórias!

 

Caraterização

Identificação

Tradições e expressões orais
Manifestações literárias, orais e escritas
O Diabo e o Adolfo
Ti Desterra
Actividade piscatória - comércio

Contexto de produção

Comunidade piscatória

Contexto territorial

Museu Municipal de Etnografia e História da Póvoa de Varzim.
Póvoa de Varzim
Póvoa de Varzim
Porto
Portugal

Contexto temporal

2007

Património associado

Transmitidas aos serões, em quotidianos de trabalho e lazer.

Contexto de transmissão

Estado da transmissão
ativa
Descrição da transmissão
Agentes de tramissão

Actividades promovidas pelo Município da Póvoa de Varzim, Biblioteca Municipal e Museu Municipal de Etnografia e História da Póvoa de Varzim.

Comunidade piscatória  da Póvoa de Varzim

Idioma
Português

Equipa

Transcrição
Ana Sofia Paiva
Registo vídeo / audio
José Barbieri
Entrevista
José Barbieri
Inventário PCI - Memoria Imaterial CRL