Inventário PCI
Póvoa de Varzim
"O peixe grande" - O porquê dos pescadores não irem para o mar em dias santos.
Ti Desterra, Póvoa de Varzim, Registo 2007
Transcrição
O peixe grande
Mas estamos a falar do pescador ter muita fé. Eles respeitavam os dias, nem que estivessem cheios de fome. No Dia do Corpo de Deus ninguém ia para o mar, na Sexta-feira Santa ninguém ia para o mar. Os Domingos, só por muita fome iam para o mar, mas vinham para a missa. O padre esperava por eles. Às vezes, vinham ao remo. Não sabiam bem a hora, mas ao remo… E o padre – que a igreja de São José, como já expliquei, era à beira onde está hoje a estátua do Cego do Maio – dizia assim:
- Ó irmãos, esperai um bocadinho, que vem aquele barquinho aqui e eles vêm ali a matar-se todos, correndo para vir à missa.
E eles chegavam à praia, enxurravam o barco. Botavam o barco para a areia, já estavam as mulheres (já tinham ido à missa primeira), para puxar o barco, então, para tomar conta do cabo até que eles viessem (o cabo do barco, de puxar). E eles iam com a roupinha que estavam, de botas e tudo. Iam para a missa. O padre esperava por eles porque sabia que o pescador que não queria ficar sem missa.
E então conta-se uma história que, no Dia do Corpo de Deus – o meu pai não dizia que isto que era história, o meu pai dizia que isto foi verdade – um barco que há muito tempo que não ia para o mar e foi para o mar. No Dia do Corpo de Deus, que era uma Quinta-feira. Naquele tempo saía uma procissão do Corpo de Deus aqui na Póvoa. O padre fazia um sermão muito grande ali em frente, que era na casa do Dr. Joaquim Graça (que era praticamente onde está o chafariz, aqui à beira do Cego do Maio, na varanda que dava ali). Fazia ali o sermão.
E então o barco foi para o mar. Foi para o mar. Se Deus os havia de ajudar, foi naquele dia. O barco encheu-se de peixe. Todos contentes: o pescador quando vê peixe nas cavernas é a alegria! Todo contente, todo contente:
- É embora! Vamos embora, a ver se adiantamos a venda! Vamos embora!
Na Póvoa, era o Dia do Corpo de Deus, estava a Póvoa cheia de gente, não faltava quem comprasse peixe! Depois, eram gorazes, eram chernes, eram capatões… tudo peixe de linha. Eram peixes bons, não é?
De repente, um dos tripulantes diz para o Mestre:
- Eh! Vem aí um peixe bravo atrás de nós!
Um peixe bravo atrás de nós… O Mestre olhou e na realidade era um peixe muito grande, enormíssimo, atrás do barco. Eles, cheios de medo... O Mestre disse logo:
- Ai, senhores, isto é castigo de Deus. Foi Nosso Senhor que me castigou.
Deus não castiga ninguém. Ai de nós se ele nos castigasse.
Que começaram a fazer? Atiraram o peixe para a água. O peixe, toca a comer! Toca a comer e vinha sempre atrás do barco. Quanto mais peixe davam… Até que acabaram, voltaram do mar. Chegaram à terra sem um peixe.
O Mestre chegou à terra, ajoelhou-se, beijou a areia – que os pescadores tinham muito isso; quando salvavam de um naufrágio, a primeira coisa que eles faziam era ajoelhar-se na areia e beijar a areia em sinal de agradecimento por chegarem à terra. O homem chegou ali… As mulheres, claro, à espera, quando veio o barco. Chegou ali, ajoelhou-se, beijou a areia e a Mestra do barco disse:
- Ó homem, o que foi que te aconteceu?
Diz ele:
- Cala-te, mulher. Cala-te e não me digas nada. -e virou-se para o mar e disse: -Fica-te, mar, que nos dias santificados, nem que eu esteja cheio de fome há oito ou dez dias; eu nunca mais ponho os meus pés no mar.
Então começaram a relatar essa história. Portanto, para o pescador foi um castigo de Deus, não é? Não foi nada assim, porque Deus não castiga ninguém, porque ai de nós que Deus nos castigasse se nós estivéssemos a pecar, estávamos logo enterrados! Mas pronto, era a ideia deles, uma coisa que eles tinham. Era a ideia deles.
Caraterização
Identificação
Contexto de produção
Contexto territorial
Contexto temporal
Património associado
Contexto de transmissão
Actividades promovidas pelo Município da Póvoa de Varzim, Biblioteca Municipal e Museu Municipal de Etnografia e História da Póvoa de Varzim.
Comunidade piscatória da Póvoa de Varzim