Inventário PCI
Esposende
"Salvo pelas Compotas" - Episódio de família que demonstra o poder e influência exercidos pelos pescadores.
Artur Miquelino, Ano de Nascimento 1928,Esposende. Registo 2010
Transcrição
Salvo pelas compotas
Os pescadores eram reis aqui em Esposende, antes desse tempo. Depois começou a morrer o valor. Mas antes desse tempo, o guarda-fiscal chegou ali no cais, estava o pescador a acender um isqueiro com uma lima. Não tinha fósforos! E aquilo era proibido. E diz-lhe assim o guarda-fiscal para ele, que era o Luís da Golga; diz:
- A licença?
- Calma, que ainda estou a acender o cigarro! Calma, que ainda estou a acender o cigarro.
Ele, trunga, fazia faísca e queimava lá num pano. Acendeu, botou o isqueiro ao bolso e pôs-se a pé, foi para lá.
- Amostre-me a licença!
- Calma! -bota a mão ao bolso, passa o pé: trás – rio! Atirou-o ao rio. E pôs-se no mundo.
Ele, a salvação dele, foi esgatanhar para o cais e vá lá – não morreu! Se ele morre, ficava lá, que ele fugiu! Fugiu. De manhã: prende o Luís da Golga, não prende… E Luís da Golga em casa fechado: quem não aparecesse em vinte e quatro horas, não era preso. Naquele tempo era assim. Mas o valor dos pescadores…
Depois… Um dia, quando os pescadores não iam ao mar, juntavam-se todos para dizer uma anedota, um, uma anedota, outro, para se entreterem até à hora de comer. E então vem uma tia do meu avô (quando o meu avô morreu, eu tinha 9 anos), vem uma tia do meu avô a chorar.
- Que foi, rapariga?
O meu avô, o Sebastião da Oninha, puseram-lhe “O Boi”. E foi esse, o guarda-fiscal, que o pôs!
- Foi aquele ladrão que me empurrou! -ela vinha com sangue no joelho. – Foi aquele ladrão que me empurrou…
Não falou. Foi por ali fora, dizem assim os pescadores:
- Já lhe vai assentar…
Mas, sabe como é? Os pescadores começaram a olhar... Chega à beira do guarda-fiscal, disse-lhe assim:
- Olha lá, então bate-se em mulheres? -trás: o guarda-fiscal caiu redondo.
Os pescadores, quando viram o guarda-fiscal a cair redondo, correram todos:
- Sebastião, tu mataste-o!
Diz agora o meu avô:
- Ó home’, eu só lhe toquei! -mas que ele tinha força como um boi… -Eu só lhe toquei!
Numa tasca! Aquilo era os pescadores de volta do guarda-fiscal, a ver… Mas o meu avô não ligou nenhuma! Daí a um bocado, vem a guarda de chuis e o meu avô para a cadeia, logo; antigamente iam directos para a cadeia!
Mas a minha avó, que fazia o doce para aqueles coronéis… A minha avó fazia o doce para eles todos, para os coronéis todos – a família dos coronéis. Quando ele ia preso, o meu avô, foram a correr à minha avó:
- Sra. Maria, o seu marido vai ali preso para a cadeia!
Ela falou com o que estava lá, que era coronel. O coronel veio acolá, veio acolá, tau-tau:
- Ei: shhhh, shhhh! -para a guarda; eram dois guardas: -Leve esse homem para o posto, que eu vou já lá.
Isto era competência de oficiais! A guarda? Nem um esturro: para o posto! Ele chegou lá:
- O que é que se passa? Vai-te embora, que eu resolvo o assunto! -para o meu avô.
O meu avô, casa. Ao outro dia, diziam assim os pescadores:
- Vês? O que vale é a tua mulher estar a fazer doces, senão estavas lá dentro!
Caraterização
Identificação
Contexto de produção
Contexto territorial
Contexto temporal
Património associado
Contexto de transmissão
Comunidade de pescadores de Esposende, encontros promovidos por entidades locais - município e biblioteca