Inventário PCI
Esposende
"A Esmola para o Diabo" - História de como Deus (ou o Diabo) recompensam os homens que bem os assistem.
Artur Miquelino, Ano de Nascimento 1928,Esposende. Registo 2010
Transcrição
A esmola para o Diabo
Eu não posso andar a pé; nunca gostei de andar a pé. Mas também não posso. Não posso… Dá-me logo dor nos tornozelos. Não posso ir longe. Então fui a São Bento a pé.
- Eu não acredito nisso! -eu só, sozinho: -Eu não acredito nestas coisas, que tu que tiras os cravos. Mas, se me tirares o meu, olha (sabes que eu que não posso andar): vou a pé! Nem que fique pelo caminho!
Eu sozinho, eu e ele – eu não dizia isto à frente de ninguém, estou a dizer agora!
Andei, coisa e tal… Fui ver o cravo… e não encontro nada.
- É impossível…
Eu comecei a correr tudo… nada. Eu assim:
- Olha, sabes que, aquele cravo que eu tinha, desapareceu.
- Ai é?
- Anda ver, filha! Anda ver…
Ela veio:
- Desapareceu; desapareceu…
- Pronto. Agora tenho que ir a São Bento. Quem é que vai agora para São Bento daqui, para irmos todos juntos?
Sempre lá fui, a São Bento. Demos a volta lá, a rezar… Pois está claro, a agradecer, porque quando quando Deus não quer, os santos não ajudam! É. Os santos, se ajudarem, a coisa ajeita-se. Demos a volta. No fim da volta, para cá, tinha camioneta. Ui, era muito lenta… Vou àquele coiso ao lado que tem lá: “Uma esmolinha para o Diabo”. Uma esmolinha para o Diabo, pois, está claro: para cigarros! Uma esmolinha para o Diabo para cigarros. Aquilo é tudo treta, aquilo é lá para os ladrões. Eu vou ao bolso, à carteira: tau – cinco coroas. Cinco coroas, cinco melréis[1] … Parece-me que foi cinco coroas[2] . A minha mulher:
- Tu bostaste dinheiro aí?
E eu:
- Então não vês ali? Uma esmolinha para cigarros para o Diabo.
- Uh… -começou a mandar vir, a minha mulher.
Começou a mandar vir… Quando botei o pé para descer da camioneta, estavam as cinco coroas no chão. Estavam as cinco coroas no chão… Diz ela:
- Olha, as cinco coroas que tu deste, estão aqui.
- Pega. Estavas a chorar, -para a minha mulher, -estavas a chorar…
- Não quero esse dinheiro!
É verdade, isto é verdade!
[1] Expressão popular, o mesmo que mil-réis, expressão coloquial para definir um escudo.
[2] Coroa: antiga moeda de ouro de 10.000 reis. Neste contexto, o informante parece referir-se à antiga moeda de 2$50, chamada “5 coroas” (5 moedas de 50 centavos).
Caraterização
Identificação
Contexto de produção
Contexto territorial
Contexto temporal
Património associado
Contexto de transmissão
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