Inventário PCI
S. Pedro do Sul
"A boda" - Na procissão do seu casamento, o noivo revela à noiva o seu grande “defeito”, deixando-a, afinal, regalada com a descoberta.
Mestre Silva, Ano de Nascimento 1922. Manhouce. S. Pedro do Sul. Registo 2007.
Transcrição
A Boda
Vou-vos contar uma história passada em Manhouce.
Em Manhouce, antigamente, os caminhos eram apertados. Só havia caminhos para carros de vacas (onde passavam os carros de vacas, não havia bois mas eram vacas que puxavam os carros). E como os caminhos passavam por vezes dentro das propriedades e das terras, eles fizeram paredes do lado dos caminhos. E portanto passava o carro – só – e as vacas e as pessoas, mas só havia essa largura.
E quando eles faziam às vezes umas festas e que vinha grupos grandes, pois, passavam à vontade naquele caminho – porque havia largueza, a largueza dum carro de vacas. Passavam.
Depois fizeram lá um casamento. Era um casamento muito falado! Muito badalado, muito falado, muito negociado – porque antigamente o casamento era mesmo um negócio, porque só quem tinha um dote bom é que se casava; mas casava-se também com um senhor que tivesse boas propriedades ou também muito dinheiro. Isso era sempre assim. Então, fez-se o casamento.
Combinou-se o casamento e veio as gentes da aldeia toda. Aquilo era uma procissão de gentes, enchia o caminho com um comprimento até lá adiante! À frente vinham os noivos. Os noivos vinham – os noivos – de braço dado. E então iam os noivos à frente e aquela procissão toda atrás. O rapaz ia abraçado à noiva. E a noiva abraçada ao rapaz. De vez em quando, o rapaz saltava a parede… – e estava lá um bocado. E ela, a noiva, parava, à espera. E depois… Depois, o rapaz tornava a vir para ao pé da noiva e tornavam a ir – tornavam a ir na procissão. Dali por um bocadinho, ela apertava-o, e chegava-o para ela, e apertava-o… e ele, assim que sentia ela apertá-lo, dava logo outro salto! Saltava. Ia e saltava para o lado da parede – e a parede. Ele já fez isto umas três ou quatro vezes… Mas quando foi assim umas três vezes, ela perguntou-lhe:
- Tu vais urinar tantas vezes?...
E diz ele assim:
- Não… Eu não vou urinar…
- Então que vais tu fazer?!
- Olha, eu queria-te dizer uma coisa, mas… Eu até tenho vergonha de te dizer…
- Então?
- Eu tenho um defeito muito grande.
- Tens um defeito?!
- Pois tenho. Tenho um defeito muito grande.
- Então que defeito é esse?
- Eu tenho vergonha de te dizer…
- Não, não: diz! Então? Eu vou ser tua mulher! Diz. Tens que dizer o defeito que tens.
Diz assim:
-Olha… Tenho a pilinha torta.
E depois – e depois, diz ela assim:
- Ai, Jesus… -botou as mãos à cabeça e disse: -Pára a boda!
A boda parou toda. Parou toda. E então começavam uns a resmungar, a dizer:
- É… Arrependeram-se! Já não há almoço! E a gente vinha cá era para isso, e a gente… Já não há comer! Arrependeram-se! -aquilo era um burburinho que eles fizeram… Medonho!
E ela pensou assim:
- Então olha, diz-me uma coisa. Mas então… E ela é muito torta?
- É… Quanto mais tu me apertas, mais ela entorta!
E depois diz ela assim:
- Mas olha lá, ela é torta pra que banda?
- É torta prá frente, assim pra direito, assim pra… Eu tenho aqui que estar um bocado a descansar pra vir! Mas tu… Eu chego aqui e tu agarras em mim! Aquilo agora até empurra as calças!
Diz ela assim:
- Ó! Ó, graças a Deus! Isso… Isso foi um bem que Deus me deu agora! Siga a boda, siga a boda! Não faz mal nenhum! Isso para baixo vem! Não te incomodes, que isso para baixo vem! Vá, siga a boda! Siga a boda!
Pronto. Foram, casaram-se e… e tiveram muitos filhinhos!
Mestre Silva, 2007, S. Pedro do Sul
Caraterização
Identificação
Contexto de produção
Contexto territorial
Contexto temporal
Património associado
Contexto de transmissão
Histórias partilhadas nos tempos de lazer e em festas e romarias. Actividades promovidas pelo Município.