Inventário PCI
Grupo de Brincas dos Canaviais, representação da Tragédia de Pedro e Inês, durante o Carnaval de 2015. As Brincas de Évora são uma forma de teatro comunitário que acontece durante o Carnaval. Organizadas por grupos informais que escolhem e ensaiam textos escritos em décimas, as Brincas misturam tragédias e dramas como este "D. Pedro I" com a intervenção constante de palhaços faz-tudo. São representadas na rua, em praças e pátios ou mesmo em espaços fechados se estiver a chover, nas freguesias rurais de Évora.
Transcrição
Caraterização
As Brincas Carnavalescas são uma antiga tradição performativa da região de Évora.
"Esta forma dramática, parente de outras tradições performativas nacionais e internacionais (Floripes do Minho, Papeladas de Valongo, Danças dramáticas da Terceira, Tchiloli de São Tomé, Bumba meu Boi e Cavalo Marinho de múltiplas regiões do Brasil) é constituída por um grupo de homens e rapazes que vai soltando décimas, numa cadência ritmada bem audível e, dessa forma, co(a)ntam uma antiga história (Fundamentos). Pelo meio, um trio de faz-tudos desafia e intromete-se com a assistência, contrastando nítidamente com o aprumado figurino dos restantes performers: calça, casaco e chapéu escuros atravessados por fitas de seda coloridas pespontadas com flores de papel. Uma marcha lenta evolui coreograficamente em torno de um estandarte, coordenados pelo Mestre, ao som do acordeão e percussões, desembocando num círculo perfeito.
A visão "pretérita", ou seja, o peso imemorial da tradição com que alguns definem as Brincas como tendo sido muito características da região, mas como algo em desaparecimento ou já perdido, sobrepõe-se claramente ao que ano após ano vamos ainda assistido no 'aqui e agora", teimosamente realizado pelo Grupo de Brincas dos Canaviais (um dos poucos grupos em actividade!) que as preparam e ensaiam durante as longas noites frias de Inverno na Casa do Povo dos Canaviais.
Independentemente da narrativa em questão, que introduz a diferenciação ao nível temático e de personagens, existem figuras que se mantém e que adquirem uma centralidade que lhes confere a "identidade" de fundamento de brincas: o Mestre (apresentador das Brincas, ensaiador e detentor do saber), o Bandeira (porta Estandarte do Grupo), o Acordeonista e os Faz-tudo.
Duma forma geral os participantes/actores evocam e apropriam-se das personagens através dos figurinos e adereços que usam. A criação da"figura"é realizada com o recurso a formas simples de fácil identificação, quer individualmente quer de grupos. Recorrem ao uso de adornos e objetos: coroas, chifres, chapéus, espadas, cruzes e chocalhos, mantos e xailes.... E o uso da máscara impera, mesmo que, como ocorre nas Brincas, ela seja substituída por "óculos escuros", que aqui desempenham essa mesma função mediadora."
Isabel Bezelga
A estrutura de atuação das Brincas, nesta sessão que gravámos, foi a seguinte: O Mestre conduz o agrupamento na apresentação à comunidade. Após a música de abertura que sinaliza a chegada do grupo, o Mestre faz o pedido de atuação dirigido ao representante da comunidade ("Dono do Lugar" ou "Dono da Rua"). Dada a autorização começa uma contradança que termina com a colocação dos participantes em círculo fechado, ocupando as posições que cada personagem tem durante o desenvolvimento do espetáculo. O mestre inicia o prólogo que resume a proposta dramática. A peça desenrola-se mantendo o círculo. Os atores deslocam-se dentro do círculo de acordo com as suas intervenções e retomam o seu lugar quando terminam enquanto os Faz-tudo pontuam o espetáculo com intervenções quase contínuas que retiram o dramatismo às situações criadas. Finalizada a peça, o fundamento, o Mestre faz um apelo à doação a que se segue um entremez dos Faz-tudo enquanto se recolhem as moedas atiradas para o círculo pelos espectadores. Depois o porta-bandeira posiciona-se no centro da roda e segue-se o momento da "Décima à Bandeira" em que cada ator avança e numa décima resume o seu personagem terminando sempre com o nome do grupo/fundamento. Segue-se a última contradança após a qual o Mestre se despede do representante da comunidade. O grupo retira-se continuando a tocar e exclama em uníssono: "Até pró Ano".
Não foram encontrados registos relacionados com as Brincas anteriores ao início do séc. XX. Uma das explicações para esta falta de registos históricos pode estar relacionada com o facto dos participantes se situarem fora da notabilidade histórica. Existem algumas relações de cumplicidade entre os textos dos fundamentos e os textos teatrais em folhetos de cordel. Como exemplo, o Mestre Matias, na entrevista de Isabel Bezelga, refere a existência de um fundamento do "João de Calais", conhecido cordel que parece ter origem francesa, onde foi impresso pela primeira vez em forma literária, mas com dezenas de versões de cordel em Portugal e, sobretudo, no Brasil. O mesmo Mestre diz-nos que já o avô era mestre de brincas, e calcula em 100 anos as memórias familiares sobre esta prática. Há, ainda, todo um trabalho de investigação a realizar para traçar a presença de manifestações teatrais populares no Alentejo que terá de relacionar a explosão teatral do Século de Ouro Espanhol com o facto de Évora se encontrar no caminho das trupes, entre Sevilha e Lisboa.
Identificação
Contexto de produção
Os direitos coletivos são de tipo consuetudinário - comunidade local.
Os direitos coletivos são de tipo consuetudinário - comunidade local.
Acções institucionais de apoio e divulgação das "Brincas de Évora", contribuindo como um forte elo a relação comunitária e a noção de pertença à contemporaneidade, além da disseminação das suas origens, protagonistas, histórias e processos de fazer, aliados à recolha de informação e realização de estudos sobre as "Brincas de Évora" Estas acções estão a ser coordenadas por uma equipa que envolve a Câmara Municipal, Investigadores Universitários e detentores locais e pretende dar um novo estímulo e impulso de continuidade pela mão das novas gerações.
"Brincas de Évora" foram consideradas uma manifestação marginal e largamente desconhecida, realizada em comunidades pequenas e para consumo interno. A concorrência com outros modos mais mediáticos de celebrar o entrudo e o desaparecimento da população residente são factores de risco para esta forma de teatro popular.
Contexto territorial
Contexto temporal
Património associado
Celebrações do Entrudo
Figurinos e adereços.
Os fatos tradicionais usados nas Brincas têm por base um casaco, calça e chapéu escuros e camisa branca. No entanto, o que lhes transmite as características de "figurino tradicional de Brincas" é a colocação de fitas e flores e o enfeite dos chapéus. A confecção doméstica é um aspecto importante no envolvimento de todos os que participam na performance. As redes familiares e de vizinhança facilmente se activavam nesta ocasião até porque não põe em causa o segredo do tema/fundamento. As flores, maioritariamente continuam a ser feitas de papel, na linha de uma tradição presente ainda no Alentejo.
Relativamente aos adereços podemos considerar três tipos: Os adereços que têm uma carga simbólica específica no Grupo, como, por exemplo, o ponteiro e o apito do Mestre, o Mastro com a bandeira ou estandarte do Grupo (decorados com fitas) e ainda o "apoio" dos Faz-tudo; os adereços de cena: os volumosos suportes cenográficos ou os poucos e pequenos objectos que estão directamente relacionados com o enredo dramático; os mil e um objectos dos Faz-Tudo que, dentro de várias malas, vão sendo acumulados no decorrer das várias apresentações da performance e que invadem toda a roda em momentos ritualizados do jogo dos Faz-Tudo.
Não se aplica
Contexto de transmissão
Mestre do grupo que ensaia, distribui os personagens pelos participantes e coreografa a representação.
O número de grupos é variável de ano para ano, dada a sua natureza informal. De acordo com os dados de investigação de Doutoramento realizada por Isabel Bezelga , em 2012, na Universidade de Évora, nos anos oitenta chegaram a existir 8 grupos em actividade seguindo-se um periodo de declínio. Apenas o Grupo de Brincas dos Canaviais se manteve durante todo o processo de investigação, sendo que em 2006 e 2007 se apresentaram 2 grupos de Brincas: Grupo de Brincas da Graça do Divor e Grupo de Brincas dos Canaviais e nos anos de 2010, 2011 e 2012 se voltaram a apresentar 2 grupos: Grupo de Brincas dos Canaviais e Grupo de Brincas do Rancho Folclórico Flor do Alentejo.