Inventário PCI
História sobre o Sarronco, uma espécie de bicho papão.
Rituais sazonais (carnaval); figuras lendárias (o “sarronco”)
Transcrição
- "Eu nunca vi um Sarronco. Nem sei o que era, é uma coisa assustadora que eu não sei. Que a gente às vezes brincamos ao Sarronco. Enfiamos um saco pela cabeça e andamos ali a correr uns atrás dos outros. É uma coisa muito feia, mas eu não sabia o que era."
(...)
- "Depois no Carnaval o Sarronco saía, não é? Uma espécie de careto. O Sarronco saía para assaltar as casas, as travessas, para assustar a gente..."
- "Olha, eu vesti-me de Sarronco!"
- "... para engravidar as moças. Pois vestiste, há dois anos. (...)
E há um esconjuro do Sarronco. Pronto, tem uns versinhos a descrever o Sarronco:
É um basculho meio bicho, meio gente,
Feito de ranço e na boca só tem um dente.
É corcunda, tem cornos como o diabo,
Tem as pernas tortas e do cú sai-lhe um rabo.
No domingo gordo há que agarrar o Sarronco,
Traze-lo para o centro da aldeia, amarrá-lo a um tronco.
Chegada a terça-feira é tempo de mandar para o inferno.
Depois de dois dias de festa diz-se adeus ao inverno.
O feiticeiro revira os olhos, meio vivo meio morto,
Desata a gritar e pular já com o diabo no corpo.
- Ai as colheitas, cheia de maleitas! Queima o Sarronco!
- Ai que não emprenham as vacas e as espigas estão fracas! Queima o Sarronco!
- Ai que não medram os anhos e lá se vão os rebanhos! Queima o Sarronco!
- Ai que não põem as galinhas e secaram as vinhas! Queima o Sarronco!
- Ai que putedo, parece bruxedo! Queima o Sarronco!
- Ai esta doença que não há quem a vença! Queima o Sarronco!
- Ai santíssima trindade, que já vejo a irmandade! Queima o Sarronco!
Arda no inferno, seu excomungado desengonçado.
Deixa-nos em paz, filho de satanás!
E agora atirai-lhe com sal, para esse espírito do mal rabiar até se engasgar.
Que morra ele e a inveja e que Deus nos proteja.
E por fim a atirai-lhe um dente de alho para o borralho
E que esse filho da puta vá de vez para o caralho.
Depois é:
E ardia ali a cobiça e toda a amizade postiça,
Não havia magia que resistisse aquela folia.
Bebia um bagaço levantavam engaço,
gritavam aos céus e atiravam com chapéus.
Eram concertinas a tocar e saias a rodar até o dia raiar
E na quarta-feira iam à missa recordar que a vida é passageira
E pedir eternidade junto da sua santidade
E a cinza na testa ditava o fim da festa.
E marcados pelos seus pecados
Pediam perdão com as mãos cruzadas no coração.
E é outro dia, era outra melodia,
Agarravam na enxada para começar nova jornada."