Inventário PCI
Relato sobre o hábito de cheirar rapé.
Costumes tradicionais (vícios)
Transcrição
- "Aqui esta casa era de gente até muito culta, mas asneiras eram por aí por aí fora."
- "Era muito culta."
-" Não temos aqui a fina da minha avó, era..."
-" Era snifar rapé, vinho verde e trabalhinho zero!" [Risos]
- "Snifar naquela altura era... Aqui era a casa de um Padre. Snifar era fino, naquela [altura], era chique. É como hoje fumar um charuto. Até que aqui nesta casa tudo snifava, menos eu que não queria. Ainda experimentei uma vez.
O tabaco, compravam uma caixotilha - eles chamavam naquela altura [ao] pacote de tabaco - e depois tinham uma caçolinha, um caco. (...) Acendiam o lume e punham aquele caco com o tabaco ao lume a aquecer, até que o tabaco ficava estaladiço. E depois tinham um pau, já com a mó fina de tanto rodar, muito.... E um caco. Botavam ali aquele tabaco quente e com o pau moíam, moíam. Ficava como canela, aquilo. Depois o meu tio fazia, fez, uma cacirrinha, que era assim uma coisinha: tinha um buraquinho pequenino e outro maiorzinho onde meter o tabaco, pronto de o snifar para o nariz. Sim, que a gente era muito habilidosa, mas esses vícios tínhamos. E então [deitava] o tabaco por aqui, tirava por aqui e depois andávamos sempre com o tabaquinho, com a cacirrinha aqui muito jeitosinha e [snifávamos]. "
- " Claro, mas aqui havia muito já. Havia o padeiro..."
- "Havia muitos. Aqui na minha família era tudo, era mulheres e homens."
- "São vícios (...)."
- "Eram. Já a minha avó, snifava também."
- "Também a minha."
- "Se calhar os pais dele também."
- "Também a minha avó."
- "Naquele tempo era chique!"
- "Depois ia ao Tio Cidro, ao genro, pedir-lhe pontas do tabaco."
- "Isso era o Tio Joaquim, o caseiro."
- "Mas era ali, o Cidro, o Tio Cidro. E depois ele pegava «Tabaco custa dinheiro, compre-o!». [Risos] Porque naquele tempo sabe Deus.».
- "Havia aqui, esta casita que está a cair ao lado tinha... Pronto, havia casais em todo o lado velhos e novos e a gente vivia aos montes. E pobres. E o meu pai também tinha o vício de fumar, e bem pegado. E as pontinhas metia-as todas no bolsinho pequeno aqui do casaco, para as guardar para o vizinho. Mas ele (...) era pintor e fazia obras e essa coisa [toda]... ia terra, ia tudo. Chegava aquilo, botava-lhe aquilo tudo no punhado e ele moia aquilo, metia aquilo pelo nariz acima. Ê, caralho, vai terra e vai tudo. A miséria era tanta..."
- "E não espirravam?"
- "Olha, espirravam, espirravam. Eu, uma vez, experimentei. Fiz assim lá no caçoulo dela e fiz aqui, olhe, eu fugi aos espirros! [Risos] Fugi aos espirros, nunca mais!"
- "Era um hábito! Habituando-se depois não [espirravam]."
- "Mas eu era pequena, via-os ali todos contentes! Um dum lado e outro do outro, o meu tio, a minha tia. «Deixa-me experimentar.». E eles estavam sempre: «Pega, pega, pega!». E eu um dia, então, pus o dia e fiz assim. Ó raio que aquilo tem pimenta no nariz."