Inventário PCI

A “coisa má” e os medos em Ponte de Lima

Quatro histórias sobre os medos que havia da “coisa má” e como algumas pessoas organizaram uma partida a aproveitar-se desse medo.

 

[1, 2, 4] Crenças em seres sobrenaturais (“coisa má”; bruxas); [3] Conto jocoso (ATU 1676B Frightened to Death, contado como caso real); casos relacionados com o medo; brincadeiras.

Transcrição

[1]

Na freguesia do meu pai, que era em Geraz de Lima, que é ali perto de Ponte de Lima, há lá uma rua que tem uns muros muito altos e a partir de uma certa hora as pessoas tinham medo [de lá passar], porque diziam que aparecia lá a “coisa má”. Salvo erro, chamavam-lhe o Lugar da Barrosa. Então a gente tinha medo de passar, a partir das 7 horas da tarde já não passavam ali. Tinham medo! Se não tivessem outro caminho tinham que passar. E a gente que passava lá arrepiava-se toda, porque diziam que aparecia a “coisa má”.

(...) É que havia assim mais histórias, porque o meu pai quando era Inverno, em casa, na cozinha - lá está a tal coisa, na nossa cozinha - já eu era rapariguita, tinha 16 / 17 anos, é que ele contava muitas coisas.

[2]

Então há um sítio que ia da casa, que passava na estrada que ia dar à igreja. Há lá um sítio que chamavam-lhe Os Eucaliptos, que havia muitos eucaliptos. Então quando era no inverno as pessoas tinham medo de lá passar, porque os eucaliptos, com o vento, fazem barulho e estalam muito. Então as pessoas tinham medo de lá passar, porque diziam que eram as bruxas, que estava lá com os eucaliptos e que levam a gente.

[3]

(...) Foi o meu pai que contou que faziam muitas apostas, os homens iam para os cafés, para as tascazitas. E fizeram uma aposta a ver quem é que era capaz de ir pregar à meia-noite (havia alguns que tinham a mania que eram mais fortes), de ir à meia-noite pregar um prego no altar de Santo António, na igreja. E há lá um que diz: 

– Eu vou, eu não tenho medo nenhum! 

– Olha, tu vê lá, tu tem cuidado. 

– Eu vou, eu vou. 

Eles combinaram com o sacristão (eu não sei, isto é o que me contaram, que seria verdade), combinaram com o sacristão deixar a porta da igreja fechadinha, mas não trancada, de maneira a que ele pudesse entrar. Nas igrejas tem sempre, no santíssimo, tem sempre uma velinha ali acesa. Depois está tudo apagado, não há luzes. Então ele quando entra, ele levava um capote, quando entra só vê sombras. Vê aquela velinha ali e só vê sombras. E o altar de Santo António por acaso ficava perto da porta. Mas ele levava já os pregos e o martelo dentro do bolso. Então quando chegou lá, ele a olhar para todo o lado, a olhar a ver se via alguém, mas não via ninguém. E os outros escondidos, a ver se ele fazia aquilo. 

Resultado: o bom do rapaz vai pregar, mas com a aflição de ver aquelas sombras todas e com a aflição que viesse alguém que lhe fizesse mal, tirou o prego, mas o prego devia estar falhado na ponta e pegou no capote. Então ele não reparou, pega no prego, no martelo e prega o prego. Mas o capote ficou preso! Ele vai para fugir e sentiu-se preso. Às tantas [ouvem] os homens que ficaram cá fora:

– Larga-me António! Larga-me António!

Então, quando foram dar por ele, estava ele quase desmaiado a pensar que era o Santo António que o estava a agarrar por ele ter ido pregar o prego. Mas não, foi o prego que ficou preso.

E assim, como essas havia várias, mas essa nunca esqueci, era muito engraçado.

[4]

(...) Os meus avós também contavam, a minha falecida avó paterna. Diziam que aparecia a “coisa má” à meia-noite na igreja, aparecia a “coisa má”. (...)

– Nós vamos dar a “coisa má”.

Pegaram numa cabra. Os carros de vacas tinham umas cordas muito grossas, que era para amarrar o carro de milho e de giesta para estrumar as cortes. Então aqueles carros eram amarrados com aquelas cordas, cordas enormes. Então o que é que eles se lembraram de fazer? Amarrar uma ponta da corda no sino, no badalo do sino, e a outra parte cá em baixo amarrada à cabra. E um fardo de palha ou de erva um bocadinho desviado. Isto era [quase] meia-noite. 

À meia-noite ouviram o sino tocar.

– Epá, está coisa má na igreja, está o sino a tocar.

[Ouvia-se o sino] e depois ouvia-se [a cabra a balir].

– Olha o diabo! Olha o diabo está na igreja, vamos dar cabo dele!

E então vai uma data de rapaziada com paus, com forquilhas, com tudo, para o adro da igreja para ver o que era. Resultado: chegaram lá, era a cabra que queria chegar à erva e puxava a corda, conforme puxava a corda [o sino tocava] e a [cabra balia].

 

Caraterização

Identificação

Tradições e expressões orais
Aurora Cristo

Contexto de produção

Contexto territorial

Passos
Passos
Valença
Viana do castelo

Contexto temporal

2022

Património associado

Contexto de transmissão

Estado da transmissão
Descrição da transmissão
Agentes de tramissão
Idioma

Equipa

Transcrição
Laura del Rio, Paulo Correia
Registo vídeo / audio
José Barbieri
Entrevista
Filomena Sousa, José Barbieri
Inventário PCI - Memoria Imaterial CRL