Inventário PCI
Declamação de poema de autoria própria sobre a tristeza de passar a Páscoa na tropa longe da família
Poesia de autor.
Transcrição
- “E estão isto foi num Domingo de Páscoa e Segunda-feira de Páscoa. E nós, aqui a Páscoa é na segunda-feira. Eu estava na tropa em Lisboa e, pronto, naquele tempo não se vinha a casa como agora, todos os dias. Eu só vim uma vez. Em 22 meses vim aqui 12 dias, só. Porque o bilhete e tudo, era pago à nossa conta. E então depois lembrei-me de fazer isto. E então mete aqui o Telmo também, sabes? O Mário Salvador...
Bem, eu vou ler isto depressa, que vocês...
Às sete e meia da manhã
Estava eu a descansar
E nisto toca o clarim
Para eu me levantar
Toca então a pôr-me a pé
Mas muito aborrecido
Meu coração estava triste
Pois tinha o dia no sentido
- Que era o dia de Páscoa.
Chegam-se as 8 horas,
O clarim volta a tocar
Pois o Alfredo já sabia
Que o café era para tomar
Chegam as 10 horas
Toca a render a parada
E então esta praça
No serviço deu entrada
Entrei em faxina, no Domingo de Páscoa, às 10 horas.
Dei então entrada no serviço
Mas com pouca satisfação
Pois a pechincha não era tal
Como a faxina o batalhão
Faxina era (...) Ali o empregado que estava para tudo. «Olha, vai acolá. Vai ao fulano levar aquilo.»"
- "Era o tarefeiro."
- "Tinha de estar 24 horas de faxina.
Chega-se ao meio-dia
O clarim volta a formar
Eu fui então escalado
O vinho aos doentes levar
Este vinho aos doentes é que tenho andado a pensar, que não me lembra lá no quartel haver enfermaria. Não me lembro, não tenho ideia nenhuma."
- "Tinha que haver uma enfermaria."
- "Mas tinha que haver. Lá davam um copito de vinho ou outro aos doentes, porque eu tenho aqui isto. Tinha que haver.
Depois veio o comer
O que foi vou contar
Grão de bico com massa
Uma pouca de carne a nadar
Que era assim naquele tempo, não é Manuel? Bem, tu onde é que estiveste?"
- "Mafra."
Também nos deram sobremesa
Dois copos de vinho tinto
Deram-nos duas laranjas
Amêndoas deram cinco.
Porque era quando havia assim um dia de festa, de resto nada, não havia nada.
Até às 3 horas descansei
Mas nosso sargento chamou
E então novamente
A escravatura começou
Porque às vezes havia aqueles [que diziam] «Opá, anda cá! É preciso fazer isto ou aquilo.»
Depois às 6 horas
O clarim torna a tocar
E os faxinas ao batalhão
Todos têm de formar
Fui então escalado para levar o comer
Aos que estavam de guarda
Pois era serviço
Que tinha que fazer
A comida era levada numa padiola. Uma (...) atrás, as terrinas dentro e depois eles lá na casa da guarda é que lá se amanhavam, parece que tinham lá loiça e tal. Era aqueles que estão à porta de armas, (...) não podiam abandonar.
Depois disto ter terminado
Pedi licença para sair
Então autorizaram-me
Que à 1 hora tinha que vir
Fui então dar um passeio
Com pouca vontade de andar
E quando era 1 hora
Já me estava a deitar
Chega a segunda-feira
Dia para mim extremado
E o Alfredo põe-se a pé
Mas muito pouco animado
Chegam-se as 8 horas
Fui então escalado
Para levar o café
Também a um pobre soldado
Nós em batalhão dos telegrafistas, formava-se ali o pessoal de transmissões no quartel. E depois esse pessoal era distribuído por certas entidades de Lisboa. Por exemplo, o Tribunal Militar de Santa Clara, no Ministério Do Exército. Era o nosso pessoal das transmissões que passava ali o tempo. Então nós tínhamos no Ministério Do Exército essa gente que estava lá. Veja lá o que era naquele tempo, ia-se de Sapadores, cá de cima, levar ou ao meio-dia ou à noite ou o café a esses soldados que estavam lá no Ministério Do Exército. E eram esses faxinas que tinham de fazer isso, a pé!
Caminhei pelas ruas
Em Lisboa em grande êxito
Fui ao Terreiro do Paço
Ao Ministério Do Exército.
Chegam-se as 10 horas
Tocou a render a parada
Foi então que esta praça
Livrou-se de tal trapalhada
Meti depois dispensa
Para faltar ao recolher
E então o Alfredo
A família foi ver
Que era um familiar, uns parentes que eu tinha lá em Lisboa.
Cheguei às 3 horas a casa
Cumprimentei um a um
E depois em seguida
Fui a Metralhadoras 1.
Foi quando fui ter com o Telmo.
Quando lá cheguei
Pedi à sentinela para entrar
Pois que tinha ali dois amigos
Que os desejava abraçar
(...)
Entrei então para dentro
A casa da guarda fui parar
E avistei em seguida o Telmo
A dormir de papo para o ar
Puxei-lhe por uma perna
Quando ele ficou espantado
E no período de momentos
Ele não se deu por achado
Ele não contava ali comigo, não é?
Mas quando me conheceu
Tratou logo de se levantar
Com grande satisfação
Ele me veio abraçar
Começou então o pagode
Para este dia não lembrar
E em seguida fomos os dois
O Mário Salvador procurar
(...)
Encontrámo-lo na caserna
Ele estava a descansar
Depois os três juntos
Começamos a abraçar-nos
Continuou então a conversa
Na terra começámos a falar
Dizendo uns para os outros
Onde a cruz devia de andar
(...) Aqui era à segunda-feira, a visita pascoal. E depois, com certeza, havia a hora que foi: «Que a cruz [deve estar] ali em tal lado!». A conversa foi esta.
Mas parámos com a conversa
Pois causava sentimento
Começaram então outras
Para passar este triste tempo
Fui para casa de família
Mas muito triste a pensar
Que estava longe da família
E quando a iria abraçar
No fim disto tudo
(Não sei quê) eu fui cear
Em conjunto a família
Só este tempo registar
No fim então de comer
Conversei então mais um bocado
Quando era 1 hora
Já estava deitado
Aqui está um resumo
Destes dias extremados
E o que me passou a mim
Passou também a outros soldados
E depois tem aqui uma assistência, também, a um embarque.
A um embarque assisti
E fez-me comover o coração
Em ver ir os meus colegas
Para Goa, Dia e Damão
O povo era imenso
Uns curiosos, outros pais
Vim bastante comovido
De assistir a tantos ais
Acenando com lenços
Era o último adeus que lhes podiam dar
Nessa hora tão suprema
Antes de partirem para o mar
Soou o último minuto
Daqueles miúdos tão aflitos
Assisti então com muito pesar
A uma cena triste de gritos
Eles lá vão, valentes soldados
Lembrando-se das suas mães amadas
Levando tão bem na memória
O retrato das suas namoradas
Assim partiram tristes
Numa dor sem igual
Mas cheios de vontade e brio
Para defenderem Portugal
E tenho dito!”