Inventário PCI
Troca de várias crenças sobre a gravidez e sobre as crianças.
Superstições / crenças / tabus / amuletos populares (gravidez e primeira infância)
Transcrição
- "Não se podia passar a criança por uma janela. Se passassem de fora para dentro dava ladrão, se passassem de dentro para fora dava quadrilheiro.
Ao pentear, quando se estava a pentear, dizia-se:
«Pentinho a pentear, mocinho a falar.»
Não se podia pentear sem dizer nada, se não a criança depois não falava. Quando se estava a passar o pente dizia-se: «Pentinho a pentear, mocinho a falar."
- "Por exemplo, quem andava grávida não pode tocar numa flor. Se você pega uma flor e a põe no corpo, a criança sai com a flor."
- "Ou, também, na pássara do porco."
(...)
- "Dê-me licença agora, que esta (...) tocou-me a mim. A minha mulher, quando andava grávida do filho mais velho, matou um coelho e tocou-o na pássara e deu-se de conta. Mas diz-se que tem de se pôr a mão em algum sítio, então ela pôs a mão na barriga, ali num sítio escondido, para não pôr [na testa]. Porque há uma moça aqui em baixo em Portas que a mãe pôs na testa e saiu-lhe na testa. (...) E ela pôs ali e nasceu-lhe ali a pássara. Nasceu-lhe lá ao rapaz. Mas ela já sabia que tinha de pôr num sítio escondido. E essa foi certinha. Ela deu-se de conta que tocou logo no coelho."
- "A minha mãe não queria crer em nada dessas coisas. Então quando mataram um porco, fê-lo de propósito: pô-lo na barriga. Não queria crer em nada! E saiu-lhe a concha à Tia Poche. E lá vai ela."
- "A gravidez tinha que ser mantida em segredo o mais tempo que se pudesse para a criança sair bonita."
- "O mínimo 3 meses."
- "Porque se dissesse cedo a criança não saía bonita. Outra: quando uma criança era transportada de noite, por exemplo iam à casa dos avós e depois iam para a deles, não podia ser trazida pela mãe."~
- "Até batizar."
- "Não, tinha de ser trazida por um homem."
- "Mas não era só até batizar?"
- "Não, era sempre. Criança pequena tinha de ser transportada por um homem, para não lhe dar o ar da noite."
- "E trazer o carvão! E por via das feiticeiras um alho. Metiam-lhe um alho na fraldinha ou onde calhasse. Metia-se um alho bem escondidinho ali. Havia quem metesse até um saquinho com erva, não era Maria? Fazia-se um saquinho com várias ervas..."
- "Chamavam-lhe uma relíquia!"
- "Isso até se punha às vacas, também."
- "Também. Mas as crianças, eu, era mais o alho. Eu metia-lhe, porque diziam-me que devia-se meter quando se ia a algum sítio que se dizia que havia feiticeiras, havia que lhe pôr o alho."
- "Também não se podia passar a pá de meter o pão por cima da criança, porque também não crescia. Se lhe passasse a pá a criança não crescia. Tudo mentira, mas pronto."
(...)
- "Uma casa que tivesse uma criança sem batizar, aí é que era. Sem batizar não podia emprestar nada a ninguém, já ninguém lhe ia pedir nada."
- "Porque antigamente havia que batizar as crianças logo no segundo ou terceiro dia, havia que batiza-las. Porque antigamente morriam muitas crianças e então se não fossem batizadas não iam para o céu. Então para ser anjinho, para ser transformado em anjinho tinha [de batizar]. Então essa família se não batizava... a religião é que estava ali a meter um bocadinho de pressão que devíamos batizar-nos o quanto antes."
- "A mãe, quando estava a amamentar o filho, não se devia sentar na soleira da porta, porque se não a criança podia ter a gota. Podia-lhe dar a gota. A mãe, pelo mesmo motivo, para não dar a gota à criança, não devia beber ao mesmo tempo que amamentava."
- "Mas é muitas coisas. Por exemplo: o pão por cima da mesa com as pernas para o ar, ainda hoje é coisa que não se gosta de ver. (...) Não traz sorte, traz desgraça.
O pão com as pernas para o ar na mesa. Certas coisas..."
- "Havia outra crença que era de levar a canalha - a canalha não sabem o que é, era a criança - ao moinho, que era para sair inteligente. Alguma gente levava a criança ao moinho, mas o moinho tinha de andar em vão já, já não podia ter milho. E ao chegar lá, pegavam no tangalho do moinho, que é aquele coiso que faz trepidar para cair o milho, e punha-lhe a mão da criança ali e dizia assim: «Como este moinho anda em vão, assim esta criança quando vê com os olhos faça com a mão. Só roubar não.»"
- "Aquilo batia. A mó andava e aquilo batia."
- "Quanto mais a mó andava, mais ele batia."
- "Deixava cair um grão de cada vez."
- "Era por ser uma coisa muito precisa. "
- "Era muito preciso."
- "O moinho estava a moer. Mas quando isso era feito a pessoa tinha que chegar lá e encontrar o moinho já sem o milho, chamava-se andar em vão, já sem o milho, porque se tivesse milho não valia. Tinha de ir para outra vez, não sei."
- "Esperavam que o milho acabasse."
- "Não podiam chegar lá e o moinho estar a moer. Tinha que estar a trabalhar, mas andar sem o milho. Então a pessoa pegava no tal tangalho do moinho, chamava-se tangalho, punha-lhe a mão da criança e dizia: «Assim como este moinho anda em vão, assim esta criança quando vê com os olhos faça com a mão. Só roubar, não.»."