Inventário PCI
Relato sobre as travessias entre as terras brandas e inverneiras.
Costumes populares (transumância entre as habitações de inverno e as de verão; economia pastoril de montanha; memórias de antigamente).
Transcrição
- "Eu conto-lhe histórias que a mim se passaram. Eu era nova, naquela altura, era nova. Ia, não sei se era às batatas, que ficava a oito quilómetros. E depois naquela altura não havia carros. Tínhamos burros para ir a cavalo. Então eu ia, agarrava na burra, botava-lhe a albarda e lá ia seixar as batatas às inverneiras. E depois se calha a ver pessoinhas velhas que iam a pé e eu calçava-as, punha a cavalo, caçava-as. E depois, pronto, eu era de um feitio assim... não lhe posso explicar. Agarrava-as e dizia-lhes assim: «Olhe, monte-se aqui a cavalo, que eu vou a pé,». E as coitadinhas das pessoas eram velhas botaram-se a cavalo. E a burra era falsa, a minha burra era muito esperta. As pessoas de fora, não as queria. Não as queria no alto! Mas eu como sabia como ela era, agarrava-a à corda, porque se eu a deixava ela virava-se [para] trás e mordia-lhe nas pernas ou soerguia-se e botava-as abaixo. Mas como eu a agarrava à corda ela não se mexia, comigo não se mexia. Então as pessoas iam a cavalo, mas tinha que eu levar a burra à corda.
Eu passei esses sacrifícios várias vezes. Várias vezes. Aconteceu mesmo. E eu, como era boa, mandava botar as pessoas a cavalo. E as pessoas botavam-se, coitadas, vinham cansadas. E eu se deixava a burra, a burra soerguia-se, botava-os abaixo.
Ela não queria ninguém em cima dela, queria-me só a mim e então como eu sabia como ela era agarrava-a e levava-a à corda e já não os botava abaixo. Só fazia aquilo que lhe eu mandava, ela era esperta. E pronto.
Tinha lá casa na branda e tinha na inverneira. Tinha, sim senhor, tinha lá casas. Até as casinhas velhas eu já vendi. Deixei só aquelas que eu queria e tinha muitas. Chegam-me as que tenho, até demais!
Eu vou lá às casas, ainda vou limpá-las, eu vou lá a elas. Claro que agora não posso muito, parti uma perna há dois anos, eu não posso muito andar, mas eu vou lá.
Na branda não há ninguém. Estão lá, assim, de férias. Vão para lá de férias. Está lá uma casinha que eu vendera a (uso de âncora?) e vão para lá de férias. Aceitaram-na, reconstruiram-na e está uma casinha que é um sonho. E tem lá água, tem luz, tem tudo. E estão lá. E vêm pessoas da França que vão para lá também. E agora vão reconstruir outra lá, também vão para lá de férias.
Nas inverneiras há um homem que tem um gado, vacas, a comer lá e ele construiu lá umas casinhas, para aí cinco ou seis casinhas. Aquele lugar está uma cidade, agora está uma cidade. E tem a estrada lá, tem moinho, tem forno ali. Aquilo é muito bonito, aquele lugar é muito bonito.
No Natal íamos para as inverneiras, para Pontes. E depois passávamos o Carnaval em Pontes, os entrudos. Passávamos os entrudos em Pontes e depois só íamos para a branda no março. Subíamos no março para a branda, porque depois no verão na branda estava-se melhor que na inverneira. Mas depois fazíamos trabalhos nas inverneiras. Tínhamos que vir da branda à inverneira colher as ervas, para depois no inverno ter para os animais. E botávamos batatas no setembro, íamos para lá um mês no setembro. Arrancávamos as batatas e, pronto, e depois íamos outra vez para a branda. Centeio, na inverneira também tínhamos centeio, também colhíamos centeio, mas na branda tínhamos mais, tínhamos mais terreno e colhíamos muito centeio. E colhíamos batatas, colhíamos tudo."