Inventário PCI
Ervas e reza para livrar do mau olhado.
Medicina (veterinária) popular; Rezas e benzeduras; defumações.
Nota: A crença no “Mau olhado” existe em todas as sociedades de cultura mediterrânea e possui vários métodos para proteger ou curar as pessoas e animais que a ele estão expostas. Dos amuletos às benzeduras acompanhadas ou não pelo uso de plantas (defumações, chás, etc.)
Transcrição
- "Há más olhadas. Há pessoas que fazem mal com a vista. E as que fazem mal com a vista, eu sabia uma reza que me ensinaram.
Eram nove ervas. Aqui tem tudo menos (...) a bosta de forno. São nove ervas: sabugueiro, flor de sabugueiro; erva de nossa senhora; erva da inveja, muita; pinheiro; é erva de São João; é vassoura - como agora são do piaçá, fui a tirar acolá ao forno, vassoura de varrer o chão.
Esta é a erva da inveja. Esta é a erva de nossa senhora, que há acolá, àquela beira. Esta também é erva de nossa senhora. Esta é a erva de São João, também. Aqui está o pinheiro. Isto é São João, a gente tem bastante. Aqui é palha de alho, coisa dos alhos. Este também é sabugueiro. Este também é erva da nossa senhora.
São nove ervas. Tem sal virgem."
- "Sal virgem?"
- "Sim. Sal que não salgue, que não tenha salgado. Por exemplo, esse sal que se salga os porcos com ele já não dá. Tem que ser sal virgem. Sal puro, que não tenha salgado.
E isto da vassoura de varrer. E falta então aqui a bosta de forno.
Agora não se coze, não é? Mas dantes cozia-se e barrava-se a porta do forno, pela parte de fora, barrava-se com aquela bosta. «Ao estar a bosta seca diziam que estava o pão cozido», é um adágio. E estava.
E falta então aqui a bosta de forno que é tirada em cruz. Tira-se dali um bocadinho, tira-se daqui outro. Tirada em cruz na porta do forno.
Ainda corri, até fui lá a uma casa também, a ver se tem lá ao forno. Não há mais. Não há, mas aqui há vacas. Há vacas. Até no monte ou isso se apanha.
Põem-se então as ervas todas ali. E depois é que se lhe põe lume. O sal também já tem ali, tem tudo. E depois põem-se-lhe o lume. E depois é que se dizem as palavras:
Eu te defumo e te torno a defumar.
A inveja e a má olhada,
A estas ervas venha andar.
Pela graça de Deus e da Virgem Maria,
Um Pai Nosso e uma Avé Maria.
e reza-se o Pai Nosso e a Avé Maria também.
Eu tinha uma vaca, estava logo para parir, estava prestes a parir. E ia-a levar a beber, ali ao rio. Só passava o quinteiro de uma pessoa e ia-a levar ali ao rio. Depois, veio a filha dela - ela não falava comigo, estava zangada comigo, não se falava. E eu vi que ela olhou muito para a vaca, porque a vaca estava prestes a parir.
Naquela noite já não comeu. Não me comeu! Digo eu: «Foi a má olhada.», porque ela estava gorda, estava prestes a parir. Até estas estiveram lá e viram como ela estava, diziam: «A vaca, dona Enézia, vai-lhe morrer. Vai-lhe morrer.», porque ela estava só com o focinho pousado no chão. (...) Esta viu-a. Esta e a irmã viram-na.
Uma senhora ali de Rouces ensinara-me a defumar e dera-me o nome das ervas. Eu procurei as ervas e defumei-a. Andei para ali a procurar, mas diz que no dia em que se juntam as ervas que não se deve alumiar. Depois eu fui-lhe perguntar ali a uma vizinha, digo: «Maria, tu não tens daquelas flores amarelas?», que eram do São João. E diz ela: «Não tenho, não.». Porque no mês de São João, 24 de São João, apanham-se essas ervas, para estas coisas assim. E então ela disse-me: «Não, não tenho.». Fui ainda a outra, a Gracinda também não tinha. O Zé, o marido, foi comigo. O marido da Gracinda foi comigo, que as havia no pelo de Lamas. Disse-lhe eu: «Anda então comigo ao Pelo de Lamas e eu vou buscá-las».
Levou um candeeiro destes de mão, de noite. Ao chegar ao meio do campo, o vidro [rebentou]. Ficou tudo escardilhado. Até ele que ia comigo disse: «Aqui anda diabo, anda.».
Lá levei as ervas, defumei-a. Até estava lá a minha sobrinha que era de Coalhão, estava lá a aprender à costura lá a outra senhora, mas estava lá comigo. Então botara-lhe a copa de palha.
Até eu trouxera ali um senhor da vela, já, que entendia da doença das vacas, dos animais. Esteve a ver, a apalpar. Disse: «Você dê-lhe só meia copa de palha. Não lhe bote mais.». E eu fiz aquilo, pronto.
Quando fora levar as ervas, [que] a ia defumar, depois aquela borrada diz que é bom botá-la pela água abaixo. E fui levar à corga. E quando vim, eu e a minha sobrinha, fui à côrte, abri a porta: comera tudo, a vaca, já! Já comera tudo! Por isso essas coisas... Aliás, porque a mim aconteceu-me. (...)
Nas noites antes não comia, a vaca morria - que digam elas, que elas tiveram lá as duas. A Zira e a Mia estiveram lá a ver a vaca na côrte. E a vaca, defumei-a por baixo, ela estava deitada, não se punha a pé já. Estava deitada, defumei-a por baixo do focinho, andei assim ao redor. Olhe, quando vim de ir levar a cinza lá à corga, a côrte estava limpa, estava varrida. Já comera tudo. Por isso essas coisas há as.
Havia aqui uma rapariguinha que veio da França. E a tia dela é que lhe disse que eu sabia defumar. E olhe, diz que a levaram já ao médico não sei quantas vezes, lá na França. E nada, que era umas manchas que tinha na cara e não sei quê. E depois veio aqui então o avô e o pai com ela. Esta rolha, foi de pôr as ervas dela também.
Defumei-as lá numa casa de forno. E perguntei-lhe então ao avô: «Que tal? As fumaças foram boas?» «Parece que fizeram efeito.». Porque ela disse que já a levaram lá na França, não sei se duas, se três vezes ao médico e nada, não tinha nada."