Inventário PCI
Manuel Carvalhal (Poeta Silvais), poesia tradicional em décimas.
Registo no âmbito do curso "Registo de Património cultural imaterial" com a participação dos formandos. Turma de 15 e 16 de abril 2024, Évora.
Evento promovido pela Câmara Municipal de Évora.
Transcrição
Poeta Silvais - O monte onde nasci
Em 1948 custei 500 escudos ao meu pai para eu nascer, está a ver? Hoje pagam para fazer uma cesariana, mas eu andava assentadinho, subia e não descia. E o médico para vir num charriot, levou 500 escudos ao pastor para me virar na barriga da minha mãe. A ver, quanto é que quanto é que vale a besta a juros hoje? Se eu tivesse esses 500 escudos no banco, era um gajo muito rico.
E então escrevi umas décimas aí sem mote. A falar nisto na minha história. Que é o Monte onde eu nasci, que é esse, e diz assim:
Foi na Parreira do Gato
no dia 31de agosto
de mil novecentos e quarenta e oito
que nasceu ali um gaiato.
500 escudos não foi barato
o dinheiro que o pai pagou
ao doutor que o virou
no ventre da sua mãe.
E assim, o Alentejo tem
o alentejano, que eu sou.
De São Cristovão natural
mas de Évora por adoção,
mas a minha criação
foi no Monte do Escoural
Andei à escola no Tojal
com uma boa professora
Maria Gertrudes, a senhora
que me trouxe para a cidade
onde vive sem vaidade,
numa casa acolhedora.
Trabalhei numa recauchutagem,
calcei carros e tratores.
De cooperativas, e lavradores
mas pertenço à marinhagem.
Ainda guardo a imagem
da vida de marinheiro
onde fui e sou fogueiro
em prol da terceira idade.
Trabalho com dignidade
de um homem pobre e ordeiro.
Não me devo lamentar
daquilo que já sofri.
Melhor vida consegui,
depois de muito lutar.
Ainda quero um patamar
no mundo da poesia.
Sou artesão com mestria,
embora pouco-apoiado
no Alentejo mal-amado
quero viver com alegria.
Vivi as minhas experiências de gaiato novo. Ia com uma linha às costas, chovesse fizesse sol. Estrada velha a fora fazia 4, 5 km para cada lado e nunca faltei um dia a escola.
Depois, baseei-me nas silvas para criar o Silvais. Há outros que me chamam Silvares mas o Silvares é uma aldeia que há na beira baixa. Eu, às vezes digo não quando não me agrado, digo” não me batizes que eu batizei-me e não tenho padrinho.