nome: |
Auto da Floripes |
freguesia: | Mujães, Barroselas e Vila de Punhe |
concelho: |
Viana do Castelo |
distrito: |
Viana do Castelo |
data de recolha: | Agosto 2016 |
Inventário PCI
Entrevista a praticantes do Auto da Floripes representado nas Neves, no dia 5 de Agosto de 2016.
Este auto é representado por habitantes das freguesias de Mujães, Barroselas e Vila de Punhe, no Vale do Neiva, Viana do Castelo. O lugar das Neves é o ponto de encontro entre estas 3 freguesias.
Relata as aventuras imaginárias de um exército de Carlos Magno em confronto com um suposto exército Turco da Hispânia com especial atenção a um combate-debate-dança entre dois heróis: Oliveiros e Ferrabraz. A personagem Floripes, irmã de Ferrabrás e única presença feminina da peça, tem um papel desbloqueador do enredo.
Com origem no romance de cavalaria "História de Carlos Magno" publicado em francês no fim do séc. XV, o texto em que se baseia este auto foi traduzido e publicado em português (a partir da versão espanhola) no séc. XVIII.
Transcrição
Caraterização
O Auto da Floripes é uma prática performativa de periodicidade anual. É preparada pelos habitantes das freguesias de Mujães, Barroselas e Vila de Punhe, no Vale do Neiva, Viana do Castelo e levada a cena no largo do lugar de Neves no dia 5 de Agosto, integrado nos festejos a Nossa Senhora das Neves.
A peça conta um episódio de cavalaria, imaginário, que mistura referências históricas com figuras reais e ficcionadas de várias épocas. Insere-se no conjunto de eventos teatrais tradicionais que opõem cristãos a mouros. Estes eventos são comuns em celebrações tradicionais ibéricas. Neste caso os mouros são substituídos por turcos e é dada uma grande importância ao duelo, sobretudo verbal e ideológico, entre dois heróis: Oliveiros e Ferrabrás. A personagem Floripes, irmã de Ferrabrás e único personagem feminino da peça, tem um papel desbloqueador do enredo.
A performance obedece a um guião textual e cénico preciso que é transmitido geracionalmente, com poucas variações. Inicia com os cristãos posicionados no espaço cénico, sinalizando a posse do território, enquanto os turcos percorrem o lugar em desfile acompanhado por uma banda filarmónica, até entrarem no espaço cénico, invadindo-o. Desenvolve-se segundo um retângulo estreito que tem um exército em cada ponta, enfrentando-se em sucessivas escaramuças, duelos e negociações até à vitória dos cristãos e conversão dos turcos. Os combates são coreografados em movimentos fixos ao som das bandas ou de um percussionista, conforme o momento.
Os figurinos e adereços são assegurados pela comunidade, bem como o espaço cénico. Este evoluiu recentemente, passando de um tablado comprido colocado no centro da praça com o público disposto dos dois lados mais longos e as bandas musicais a ocupar as extremidades logo atrás dos exércitos, para um palco de grandes dimensões e altura que só permite o publico em plateia, atrás das bandas que se sentam imediatamente a frente da boca de cena.
O guião escrito tem origem no romance de cavalaria "História de Carlos Magno" publicado em francês no fim do sec. XV, o texto em que se baseia este auto foi traduzido e publicado em português (a partir da versão espanhola) no sec. XVIII. Apesar de ser clara esta origem literária do guião, o mesmo foi transmitido oralmente por várias gerações iletradas até voltar a ser fixado em texto por volta de 1940 por Leandro Quintas Neves. Provavelmente foi nesta altura que se redescobriu a relação deste espetáculo com o romance de cavalaria e se voltou a designar o exército invasor como "turco" em vez de "mouro" como é comum em tantas manifestações teatrais relacionadas com esta.
A performance remete para o teatro de tablados das épocas medieval, renascentista e barroca. Uma conceção desenvolvida a partir de textos, relatos e imagens de espetáculos similares um pouco por toda a Europa. De Gil Vicente ao Século de Ouro Espanhol reconstruiu-se uma ideia de espaço cénico para teatro de exterior que se adapta a este espetáculo, o que parece indicar uma origem para este auto algures entre os Sec. XIV e XV, à semelhança de outros que se encontram registados, como o Patum de Berga (Catalunha, 1454). Mas se notarmos as semelhanças (o tema, a propensão para o debate ideológico, a personagem-chave feminina) com o auto "Os Sete Infantes de Lara" que foi muito comum na região norte, Galiza e Leão, podemos recuar até 1130, a altura em que foi fixado em texto na Crónica Geral de Espanha escrita por Alfonso X, rei de Leão e Castela. Esta comédia (que tem a conotação de drama em mirandês) "Os sete infantes de Lara" foi representada em Portugal na zona de Miranda do Douro até ao sec. XX em tablados ao ar livre, bem ao modo medieval, ilustrando como nenhum outro exemplo a persistência de algumas performances tradicionais em localidades isoladas.
Mas, apesar destes indícios, a mais antiga referência escrita ao Auto da Floripes aparece apenas no sec. XIX no Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro para o ano de 1860, de Alexandre Magno de Castillo, que relata o drama de Ferrabrás e Floripes, já a realizar-se no mesmo lugar onde mais tarde é referenciado por outros autores. De notar que neste relato os participantes aparecem todos a cavalo desfilando lado a lado. O registo indica que se tratam de mouros (e não turcos) e que se vestem à moura embora os nomes dos personagens remetam para os turcos do romance acima referido.
O registo em filme deste auto efetuado em 1959 pelo Cine-clube do Porto apresenta ainda o sistema de tablado com plateia de ambos os lados e as bandas posicionadas nos extremos do tablado, atrás dos exércitos e do espaço de prisão (onde estão os soldados cativos). Regista ainda uma certa caracterização "colonial" do exército cristão (equipado com armas de fogo) face a um exército turco armado de espadas. As armas de fogo foram abandonadas no fim da década de 1960. Nesse filme aparece o último homem (António Miranda) a encarnar Floripes, o personagem feminino da peça. A partir de 1962, Maria Eulalia Viana torna-se a primeira mulher a desempenhar este papel. Susana Lima foi Floripes nos últimos 15 anos do Auto.
No registo de 2016, o espaço cénico deslocou-se para um dos extremos do largo das Neves, onde se montou um palco de grandes dimensões que é utilizado para uma série de espetáculos durante estas festividades, ao contrário do seu predecessor que só servia o Auto. Cristãos e Turcos enfrentam-se em danças com espadas e lanças, as prisões deslocaram-se para o centro recuado da cena e a banda ocupa o lugar logo à frente da boca de cena. A altura do palco passou para um metro, fazendo com que assistência se posicione mais atrás para ter visibilidade. Os personagens utilizam microfones portáteis reduzindo o problema da distância em relação ao espectador e o som de fundo habitual de um ajuntamento festivo.
É significativa a mistura de gerações entre os intervenientes e a juventude dos organizadores. As entrevistas dos praticantes revelam a importância identitária que esta manifestação tradicional mantém para a comunidade.
A partir de 1973, a deslocação de uma representação do auto a Lisboa a convite da Fundação Calouste Gulbenkian que também financia a publicação de um estudo sobre o Auto da Floripes, inicia-se uma época em que a comunidade aceita a deslocação da performance a outros espaços e contextos.
Identificação
Contexto de produção
Os direitos coletivos são de tipo consuetudinário - comunidade local.
Contexto territorial
Contexto temporal
Património associado
Festas em honra de Nossa Senhora das Neves, 2 a 6 de Agosto.
Figurinos de "turcos" e "cristãos", adereços.
Contexto de transmissão
Núcleo promotor do Auto da Floripes, Escolas.