Inventário PCI

História das laranjas

Serpa

“História das laranjas”- Uma intervenção milagrosa da Virgem Maria devolve a vida a um menino morto pela sua mãe cruel.

Mariana Valente; Vila Verde de Ficalho; Concelho de Serpa.

Registo 2006.

Contos maravilhosos. Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson:ATU 720 Minha Mãe Matou-me; Meu Pai Comeu-me (O Zimbro).

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.

 

Transcrição

História das laranjas

 

Era uma mãe que tinha dois filhos: um menino e uma menina. A menina chamava-se Periquita e o menino Periquito. E a mãe era muito má! E um dia disse-lhes assim:

– Olhem lá filhos, vocês vão a fazer um recado à mãe. Mas esse que chegar cá primeiro, eu dou-lhe uma coisinha! Um vai ao azeite e outro vai ao vinagre.

 

Foi. Eles foram fazer o recado à mãe. Foram os dois a correr, coitadinhos! Foram os dois a fugir.

E quem havia de vir primeiro foi o menino. A mãe era muito má (e o pai andava trabalhando) e ela o que fez? Matou o menino e fez comida pra mandar ao marido. E quem havia de levar a comida ao marido? Foi a menina quando chegou.

Periquita – E o nosso Periquito?

Mãe – Ora, o nosso Periquito ainda não veio. Tu é que agora vais levar o almoço ao pai. Mas não destapes a panela! Não destapes a panela!

Ela foi. Quando ia no caminho pensou: “a minha mãe disse que não destapasse a panela?! Mas eu vou-a destapar!”. Foi destapar e viu umas manitas(1) de alguém ao de cima. E conheceu que eram as manitas do irmão. Começou a chorar, a chorar, chorar… Ali, sentada ao pé da panela, a chorar.

Apareceu uma velhota.

Velhota – Porque é que é que tu choras, menina?

 

Periquita – Oh! Porque minha mãe mandou-me a mim ao azeite e o meu manito(2) ao vinagre e ao que chegasse primeiro dava-lhe uma coisinha. E agora, a minha mãe o que fez? Matou o meu irmão. E tenho aqui a comida feita pra meu pai comer!

A velhota disse-lhe assim:

– Olha, na’ tenhas medo. Eu sou Nossa Senhora(3). E atão(4) tu agora vais, e chegas lá, não comes! Se o teu pai te disser para comeres, tu não comes! Dizes que na’ queres. E os ossinhos todos que o teu pai deixar, tu apanha-los todos, guarda-los e depois deixa… Quando chegares a casa… Tu não tens lá nenhuma árvore no quintal?

 

Periquita – Tenho uma laranjeira.

 

Velhota – Atão, lá debaixo da laranjeira, sem ninguém ver, tu pões lá os ossinhos do teu irmão. Todos lá metidos, ali num bocadinho de terra, debaixo da laranjeira. – A laranjeira tinha muitas laranjas, muito bonitas.

E ela foi. Chegou lá, o pai disse-lhe:

– Anda comer Periquita!

 

Periquita: – Não. Eu na’ quero comer.

Pai: – Pra quê que tu andas apanhando os ossinhos?

 

Periquita: – Pra eu brincar. – Agarrou-os todos, meteu-os dentro de um lencinho. Guardou-os.

Chegou cá a casa, foi pô-los lá onde a Nossa Senhora lhe tinha dito. Ali. Ela enterrou-os ali, todos os ossinhos debaixo da laranjeira.

E, no outro dia de manhã, apareceu o menino com um grande ramo de laranjas!

A avó chegou lá ao pé dele:

– Ai! O nosso menino com umas laranjas tão gordas! Dá-me uma, filho!

Periquito: – Não, não quero. A mãe, primeiro.

Mãe – Dá-me uma, filho!

 

Periquito – Não! Não quero! Que me mataste!

 

Depois disse a avó:

– Periquito, dá-me uma!

Periquito – Não quero! Que me esfolaste!

 

Depois foi a menina a dizer:

– Ai mano! Dá-me uma a mim!

Ele deu-lhas e disse:

Periquito: – Toma-as todas, que me salvaste!

 

Mariana Valente, Ficalho (conc. Serpa), Fevereiro 2006.

Glossário:

 

(1)    Manitas: mão pequena; mãozinha.

(2)    Manito: pequeno irmão; irmãozinho.

(3)    Nossa Senhora: Designação da Virgem Maria na Igreja Católica Romana.

(4)    Atão: regionalismo de Portugal, de uso informal e coloquial que significa “então”.

 

Caraterização

Identificação

Tradições e expressões orais
Manifestações literárias, orais e escritas
História das laranjas
Mariana Valente

Contexto de produção

Contexto territorial

Vila Verde de Ficalho
Vila Verde de Ficalho
Serpa
Beja
Portugal

Contexto temporal

2006
Hoje sem periodicidade certa. Encontros informais e iniciativas do Município de Serpa e de escolas

Património associado

Transmitidas aos serões, em quotidianos de trabalho e lazer.

Contexto de transmissão

Estado da transmissão
ativa
Descrição da transmissão
Agentes de tramissão

Contadores de histórias participam em iniciativas do Município de Serpa e de Beja. São convidados para participar na inicativa Palavras Andarilhas. Vão a escolas, lares e bibliotecas.

Em 2010/2011 o Agrupamento de Escolas de Serpa como o projecto "Contos d'Aqui" entrevistou e levou à escola a Susete Vargas, de Vale do Poço e a Francisca Calvilho, de Vila Verde de Ficalho, mais duas contadoras de histórias do concelho de Serpa (ver em "Documentação")

Idioma
Português

Equipa

Transcrição
Maria de Lurdes Sousa
Registo vídeo / audio
José Barbieri
Entrevista
Marta do Ó
Inventário PCI - Memoria Imaterial CRL