Inventário PCI
S. Pedro do Sul
"Viagem de St. António" - No tempo das ceifas, em Manhouce, dois lavradores vão juntos colher o centeio confiando que um Santo António de barro lhes há-de guardar o gado. Depois do Santo partido… têm que encontrar substituto para a procissão de 13 de Junho! Com manha duns e sacrifício doutros, há sempre solução.
Mestre Silva, Ano de Nascimento 1922. Manhouce. S. Pedro do Sul. Registo 2007.
Transcrição
Viagem de Santo António
As ceifas, em Manhouce… Antigamente, Manhouce primeiro viveu da pastorícia. Depois viveu da agricultura antiga, que era tudo à mão. Semeavam o centeio mais até ainda do que milho! Porque dava menos trabalho. O centeio semeia-se em Novembro (Outubro e Novembro) para colher em Junho. Em Julho é para malhar mas, para colher, em Junho. Eles faziam serviço comunitário. Isto é: Hoje é a tua ceifa? Vai toda a gente da aldeia à ceifa! Porque assim, dividido por todos, era mais fácil. Depois é uma ceifa daquele? Vai a aldeia toda para aquele!
Foi assim até que estavam as ceifas quase a acabar. Mas ficou a maior ceifa para o fim. Diz ele:
- Agora é que está mau… porque é preciso mais gentes, mais braços a trabalhar a terra, mais… Agora é que está mau… Como é que há-de ser?
Eram sempre duas pessoas que iam guardar os rebanhos. Duas pessoas. Disse:
- Olha, os pastores vêm ajudar a ceifa.
- E quem é que guarda o gado?
Diz ele assim:
- Pois, não sei… Quem há-de ser?...
Vai um assim mais esperto:
- Vocês, quando falta uma cabeça de gado, não vão rezar o responso ao Santo António e não lhe rezam para aparecer a cabeça de gado? É mandar o Santo António acolá!
E diz ele assim:
- E olha que tu tens razão… Mas como é que se há-de fazer? Ele não caminha!
- É prendê-lo a uma cabra, ou a um bode grande e mandá-lo para o monte, que ele guarda o gado.
Pronto. Assim foi. Combinaram todos… e vêm duas pessoas para a ceifa. (Elas também queriam ficar porque era uma ceifa que acabava mais depressa, mais cedo, e eles botavam a cabra ao forno e tudo. E depois, no fim, havia festa. Era logo. Era logo...) Então arranjaram o bode maior. Era o bode maior. Levaram uma cordinha fina mas comprida. E, dum lado, – começaram dum lado – botaram-lhe o Santo António às costas do bode, uns a prender e os outros a amarrar o Santo às costas do bode. Amarraram aquilo bem amarradinho e … e botaram o gado fora e botaram o bode!
- Vai! Guarda o gado! Hoje é por tua conta!
Pronto. E lá foi! E o bode lá foi para o monte. Pronto. Chegou-se ao monte… O bode sentia aquilo às costas, ia pesado… não estava bem… Começou aos pulos, a cabriolar por cima das fragas… Quebrou o Santo todo! O Santo ficou todo quebrado, não se aproveitou nada do Santo! Alguns ainda foram procurar, encontraram um niquinho dum pé, um niquinho da cabeça… mas não tinha mais nada! Quebrou o Santo todo. Pronto. Vieram embora. Diz:
- Não se diz nada. A gente vai para a festa agora, não se diz nada.
O gado veio à noite e eles contaram. Estão as pessoas à porta do curral e as cabras já conhecem o seu curral: entram e eles contam.
- Está tudo bem, está tudo certo: o gado veio todo.
Só atrás é que vinha o bode com a corda de arrastos! Mas Santo? Que é dele! Não vinha, não veio… Pronto.
Tudo passou. Foram para a festa, cantaram, brincaram… como quiseram. Pronto. Chegou-se ao dia 13. Tinham acabado as ceifas. O Santo António, o dia de Santo António, é dia 13. Chegou-se o dia 13. Dia 13 é dia de festa. O padre disse:
- Dia 13 é uma festa de Santo António! -avisou na igreja.
Pronto. Há uma comissão que faz o peditório e que organiza a festa… É uma comissão, são os mordomos. Os mordomos são os que fazem o peditório e organizam a festa. Mas faltava o Santo! E eles não sabiam como é que haviam de arranjar.
- Como é que se há-de arranjar?...
Vai um lá muito esperto:
- Olha… O marrequinha da Tia Júlia é pequenino e é gordinho, é coradinho, a quase como o Santo! Quase como o Santo! E se a gente lá fosse?
Foram lá dizer à senhora.
- O marrequinha da Tia Júlia… E olha que és capaz de dizer bem…
Foram lá dizer-lhe. Ele aceitou. Aceitou! Foram escondidos para a sacristia pôr o santo no andor. Puseram-no no andor. Ele, assentado, ia bem! Estava bem! E, de longe, era bonito, até parecia o Santo! Tinha o cabelo cortado à tigela… Mas as pernas não cabiam; ficaram as pernas de fora. Ficaram as pernas de fora, ficaram presas. Vai um assim:
- Vai buscar um lençol!
Amarraram-lhe um lençol e ficaram as pernas ao menos amarradas, cobertas com o lençol. Foram para a festa! Saiu a procissão e o marrequinho lá ia, todo coradinho! E o padre a rezar lá na procissão, e as raparigas a cantar… Pronto – fizeram a procissão!
Mas… Havia o cemitério. Eles deram a volta ao cruzeiro e depois havia o cemitério e o cemitério é quadrado: fazia uma esquina para o morro. E o morro encheu de silvas, que era um silvado enorme! Uma pessoa ainda passava: livrava da senda as silvas, ainda passava. Mas o andor, que era quatro? Tinha que passar a jeito? Eles viraram dum lado, viraram do outro, não passava… não passava… E a procissão toda parada à espera, o padre e tudo. E a procissão não passava… eles… romperam pelas silvas fora! Romperam – vumba! As silvas, meu amigo, rasgaram o lençol, rasgaram as pernas! Já era sangue a sair e ele estava para se querer queixar, vai um assim:
- Shhhh…
E ele aguentou. Aguentou. Não o deixou gritar, porque senão ele gritava mesmo! Depois lá conseguiram então ir até à igreja. Chegaram à igreja, foram fazer uma água com malvas. Foram para a sacristia fazer uma água com malvas para lhe lavar as pernas bem lavadinhas, e para curar. E desamarraram-no depois e ele, o santo, estava atrapalhado. Quando se viu em pé, fora do andor e em pé, diz assim:
- Puxa, que aqui nesta terra nem o Diabo pode ser santo!
Pronto. Mas para aquela vez valeu.
Mestre Silva, 2007, S. Pedro do Sul
Caraterização
Identificação
Contexto de produção
Contexto territorial
Contexto temporal
Património associado
Contexto de transmissão
Histórias partilhadas nos tempos de lazer e em festas e romarias. Actividades promovidas pelo Município.