nome: |
Tia Desterra |
ano nascimento: |
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freguesia: | Póvoa de Varzim |
concelho: |
Póvoa de Varzim |
distrito: |
Porto |
data de recolha: | 2007 |
Póvoa de Varzim "A tia ressuscitada" - Aventura de uma mulher morta que, afinal, não chegou a morrer. Ti Desterra, Póvoa de Varzim, Registo 2007 Há uma senhora que também lhe deu um tifo e também morreu. Morreu, foi para o cemitério. Mas por sorte do destino ou por sorte da senhora, não foi enterrada naquele dia mas ficou dentro da capela do cemitério. (O cemitério da Póvoa… As grades eram mais baixas… A capela nem se fechava… Não havia vandalismo naquele tempo, portanto… as igrejas estavam abertas todo o dia! Não é nada como agora.) A mulher foi para lá. Estava morta. E antigamente as mulheres iam vestidas de santas. E como iam vestidas de santas, só se vestiam na frente: atrás ia tudo aberto! Claro, levavam uma saiinha branca, uma camisinha… Iam de camisa, com uma saiinha branca e depois iam vestidas de santas: de Nossa Senhora das Dores, de… qualquer santa! A mulherzinha acordou, altas horas da noite, e disse: - Ai, meu Deus… Eu onde estou? Quando disse “ai meu Deus onde estou”, como o caixão era de madeira, abriu! - Ai, meu Deus, eu estou no caixão… Ai, Senhor… E tinha aquelas luzes de azeite. E como estavam lá mortos, tinha mais luzes, porque estavam outros mortos, não é? De azeite – lamparinas de azeite! Aquilo nem eram lamparinas, eles botavam numa malga com o pavio ali em cima, ou num copo! Eu lembro-me disso, que era assim! A mulher: - Ai, meu Deus… Ai, Senhor… Ai, eu morri, meu Deus… Eu morri, meu Jesus… E agora, meu Deus?... -mas a mulher olhou…: -Ai, Senhor, que estão aqui também mortos à minha beira! A mulher, pé ante pé, chega a porta… pernas para que te quero! Agora, a mulher teve que subir as grades do cemitério. Ela, como pôde, aos trambolhões, mas subiu as grades do cemitério e pumba: cá abaixo. Ora, pelo caminho, dava-lhe o vento, a mulher tapava aqui, sempre a correr, sempre a correr pelo cemitério abaixo. Morava a mulher na Rua das Hortas. (Sabe onde é a Rua das Hortas? Aqui na Avenida Mouzinho de Albuquerque. É na Avenida que depois tem uma rua: chama-se a Rua das Hortas.) A mulher por ali, aqui com a mão a tapar que, lá lhe dava o vento, abria aquilo tudo! Mas a mulher tinha a saiinha branca! (Todas as pescadeiras, todas as pessoas tinham uma saia branca para morrerem e para levarem!) Por ali assim… Chegou a casa. Cheiinha de frio, faz uma pequena ideia! Chegou ali (não sei que mês era, não posso explicar), bateu à porta: - Tum-tum. - Quem é? - Sou eu, minha filha, abre-me a porta! Ela morava com a filha e com o genro. - Cruz, Santíssimo Sacramento, minha mãe! Ó minha mãe, você não pertence a este mundo, minha mãe! Você vá para onde Deus determina, minha mãe! - Ó minha rica filha, abre-me a porta que eu estou cheiinha de frio, minha filha! - Ó minha mãe, você vá para onde Deus Nosso Senhor determina, minha mãe! Diz o homem, que estava na cama: - Que foi? - Ai, homem… Nem o Senhor quis a minha mãe… A minha mãe não fazia mal a ninguém… A minha mãe está aí à porta! - Abre-me a porta, minha filha… Meu genro, abre-me a porta, por caridade, que eu estou cheiinha de frio… Diz o homem: .- Tu, o que é que tu queres? A casa não é da tua mãe? Então, a mulher vem para o que é dela! Abre-lhe a porta, mulher! O genro chegou ali, abriu a porta; a mulher entrou. - Ó meu genrozinho, bota-me um cobertor por cima de minha cama! -que a cama estava desfeita; morreu, eles desfaziam logo aquilo tudo. Diz: - Ai, eu estou a morrer de frio! Diz o genro: -Eu vou-lhe fazer umas migas. Foi fazer umas migas, que naquele tempo não havia cafés nem nada, era migas. Fazer as miguinhas, levou-lhe as miguinhas. A mulher, com as miguinhas quentinhas, lá ficou. A filha não dormia! - Ela está morta… - Mulher! A tua mãe comeu as migas! Os mortos não comem: mas ela comeu! Portanto, a tua mãe está viva! - Ai, meu homem… -a mulher nunca mais via chegar o dia. Chega o dia, a filha foi à beira dela … Nem queria chegar-se à beira da mãe! Mas o homem: - Vá! É a tua mãe! Ela não te come! E se foi alma, já foi! Mas não te come! Chegou à beira… - Mãe… - Ó minha rica filha… - Mãe, você morreu, minha mãe… - Eu não morri nada, minha filha! Eu vou-te contar! Isto logo de manhã cedo, ainda o cemitério estava fechado, não se sabia que um morto tinha fugido! - Ó minha filha, eu acordei, altas horas da noite, minha filha. E olhei, fiz assim e o caixão abriu! -o caixão era de cavilhas fininhas de madeira. -Eu, minha filha, vi os mortos; assim que vi os mortos, eu fiquei cheiinha de medo! Abri a porta e fugi, deixei a porta aberta e tudo para os outros também fugirem se quisessem! -contou à filha o trajecto que fez. A filha disse: - Agora temos aqui uma coisa, minha mãe… Eu tenho de dar parte às autoridades, porque você tem uma certidão de óbito. Você, perante a lei, você morreu! Diz ela: - Eu quero lá saber da certidão de óbito!!! Eu sei que estou viva! Conta a minha mãe que a senhora durou mais vinte anos! Botaram-lhe: a Tia Ressuscitada. E depois ela era conhecida pela Tia Ressuscitada porque a mulher ressuscitou dos mortos! Não estava era nada morta! Valha-me Deus! Que agora dão vinte e quatro horas aos mortos. Antigamente não davam! Os mortos morriam, eles: toca a andar, logo! E a mulherzinha aconteceu-lhe isto. Foi aqui na Póvoa… Actividades promovidas pelo Município da Póvoa de Varzim, Biblioteca Municipal e Museu Municipal de Etnografia e História da Póvoa de Varzim. Comunidade piscatória da Póvoa de Varzim
Inventário PCI
Transcrição
A tia ressuscitada
Caraterização
Identificação
Contexto de produção
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Contexto temporal
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Contexto de transmissão
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