nome: |
Tia Desterra |
ano nascimento: |
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freguesia: | Póvoa de Varzim |
concelho: |
Póvoa de Varzim |
distrito: |
Porto |
data de recolha: | 2007 |
Póvoa de Varzim "O bezerro maldito" - Relato de encontro de crianças com um bezerro, a meio da noite, e da maldição que recaiu sobre o homem que o viu. Ti Desterra, Póvoa de Varzim, Registo 2007 […] o que é que os anos se passaram. Isto, sem mentir, uns sessenta anos. Sessenta anos atrás. A minha mãe ia na aldeia e era Verão. E as lojas, antes, fechavam à meia-noite. As mercearias fechavam à meia-noite. E nós tínhamos ali… Na Rua Patrão Sérgio, havia duas mercearias. E a minha mãe chegou, o meu pai disse assim: - Isolina, não temos petróleo que dê para a noite. -o meu pai não queria que ninguém ficasse às escuras em casa; ficava o candeeiro todo em registo. E a minha mãe disse: - Carago, estavas à espera que eu chegasse para ir buscar o petróleo? O meu pai disse: - Eu não tinha dinheiro. - Ó, mandavas buscar, que depois eu pagava! Mas prontos, o meu pai não gostava de buscar nada fiado. Nem de mandar os filhos, nem nós íamos, que tínhamos vergonha! A minha mãe disse: - Ó João! -o meu irmão, que é três anos mais velho do que eu. -Ó João, vai num instante ali, antes que feche, à Senhora Dores! -chamava-se a senhora, chamava-se Maria das Dores, -… À Senhora Dores, buscar meio quartilho de petróleo. O rapaz, cheio de medo… Disse: - Terrinha, anda comigo… - Oh, não posso andar, tenho aqui isto ferido… -estava ferida dum pé. - Anda, que eu levo-te às canichas[1] ! -Naquela idade eu tinha que ir às canichas dele. -Oh, mas eu… Mas, com pena do meu irmão… Que ele não podia dizer não, que nós não podíamos dizer não ao meu pai. E foi o meu pai que mandou, a gente não podia dizer não, não podia dizer que tinha medo! E então sempre fui com o meu irmão, não é? Fui. Uma minha sobrinha que é da minha idade (tenho uma minha sobrinha que é da minha idade, diferença de três meses uma da outra), também tinha ido à loja buscar pinhas. Para acender o lume, que não havia pinhas. A mãe também ia fazer o comer, àquela hora que chegou junto com a minha mãe. O nosso, de comer, estava mais ou menos feito; o da minha irmã não estava, que era casada. E a cachopa vinha a correr e o meu irmão disse assim: - Lina! -ela chama-se Isolina. -Lina, espera aí por nós! - Oh! A minha mãe está à espera das pinhas! - Espera por nós, senão dou-te dois cachaços! -o meu irmão para ela, que era mais velho. E el[a] ficou, assim… Diz o meu irmão: - Não corras! Olha, está o bezerro na ilha! Olhe, palavra que o meu irmão foi dizer aquilo, ai senhora… A ilha, à entrada, era muito escuro. E depois, ao meio da ilha, tinha uma luzinha de azeite, que aquilo mal se via, mas havia uma luzinha. Quando nós fomos, quem ficou a namorar ao postigo? A minha irmã, com um namoro que já… Já estava pedida em casamento, já faltava um mês ou dois para se casar. E estava a namorar. Como estava muito anortada[2] , o meu pai disse assim: - Ó Cristina! - Diga, pai. - Manda o rapaz entrar para o lado de dentro. -porque ele estava do lado de fora e ela estava do lado de dentro. -Manda o rapaz entrar para o lado de dentro, está muito frio. Ele era filho do compadre do meu pai e assim, mas prontos, há sempre aquele respeito: lá por ser filho fosse de quem fosse, não vinha para dentro de casa! O rapaz entrou para dentro de casa e fechou a porta. Ainda bem, que se fossemos só nós, crianças, toda a gente dizia que nós estávamos todos tolos, com então que tínhamos medo, não é? Chegámos à primeira porta (a nossa era a sexta). Chegámos à primeira porta e o meu irmão disse: - Mãe! Abra a porta, mãe! Quem abriu a porta? O desgraçado que estava a namorar com a minha irmã. Ao mesmo tempo que ele abre a porta, o bezerro ia a passar. E ele caiu redondamente – diz que caiu redondamente no chão, que eu não vi. Agora, a nossa parte! Eu sentia patas no chão mas eu não via nada. Sentia aquilo: pimba, pimba… Ainda vinha de bem longe da ilha e eu já sentia patas no chão. E fui eu que disse ao meu irmão: - Ai, João! Ai João, que vem aí um boi! Mas eu não via boi nenhum! Não via nada! Sei que era: pimba, pimba… E eu, que, como ia para a aldeia, conhecia os animais, não é? Ó, senhor… Em antes daquilo chegar à nossa beira, fosse, senhor, o que fosse… Eu por acaso vi: que era um bezerro preto e branco, era um tourinho. Era um semelhante redemoinho de vento de volta de nós que o meu irmão pegou-me em mim aqui pelo pescoço, pescoço da minha sobrinha e juntámo-nos todos três abraçados. Todos três abraçados! Era um redemoinho tão grande, tão grande, tão grande no meio de nós… Mas olhe: nem virámos petróleo, nem a outra deixou cair as pinhas. Amarrámo-nos de uma certa maneira… Eu sei, quando vim a mim, que estava debaixo da mesa do meu pai! Eu vim… debaixo da mesa do meu pai. O meu cunhado no chão, esticado. O meu pai a botar-lhe fumo do cigarro pelo nariz, a ver se ele acordava. Veio logo uma minha tia que morava porta com porta, que se ouvia tudo de uma casa para a outra: - O que foi, o que foi? A minha mãe: - Ai, foi a minha Terrinha… -a minha mãe muito se afligia comigo. -Foi a minha Terrinha, foi mais a canalha! Filha da puta do bezerro! -por este mundo, por aquele e assim e assado… O senhor pode pensar que é mentira mas isso é verdade. A minha irmã casou com esse rapaz. E tiveram três filhos; quatro filhos. Mas ele morreu com 33 anos. Ele nunca mais teve uma hora de saúde. De que foi disso, ele nunca mais teve uma hora de saúde – ou o tombo que ele desse que o afectasse dentro: naquele tempo não havia, como hoje, máquinas para se descrever as coisas nem nada! Ele, quando morreu, a minha irmã ficou com uma criança de 20 dias nos braços e com mais três filhos pequeninos. Era um homem… Parece que estou a ver o meu cunhado: era um rapaz alto, ruço… Prontos, um moço bonito e alto! A minha irmã também era muito bonita. E eu gostava muito dele, sabe porquê? Porque ele contava muitas histórias. E eu adorava por ele contar as histórias, estava sempre de volta dele. Porque ele era muito engraçado a contar as coisas, era muito engraçado. E olhe, e isso foi passado ainda há sessenta anos atrás. Se dissesse assim: fomos nós, as crianças, que vimos e tivemos medo porque já ouvimos a história… Depois o meu pai perguntou-lhe a ele o que é que foi. E ele disse: - Eu ia a abrir a porta… -também já sabia da história, não é? Vê o boi a passar por ali; ali não havia casas de lavradores que o boi viesse por ali abaixo! Diz que era um bezerro pequeno: eu vi que era pequeno. Era um bezerro pequeno, mas era um bezerro! [1] Às cavalitas. [2] Distraída, alheada. Actividades promovidas pelo Município da Póvoa de Varzim, Biblioteca Municipal e Museu Municipal de Etnografia e História da Póvoa de Varzim. Comunidade piscatória da Póvoa de Varzim
Inventário PCI
Transcrição
O bezerro maldito
Caraterização
Identificação
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Contexto de transmissão
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