Inventário PCI

Os dois irmãos

Mora

"Os dois irmãos" - Dois irmãos ceiam e pernoitam na casa de um moleiro com o intuito de pedir a sua filha em casamento. A noite revela-se, no entanto, atribulada e quem sofre com os mal-entendidos é a dona da casa…

José Manuel ; Brotas; Concelho de Mora, Évora

Registo 2007.

Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson:ATU 1775 O Padre Esfomeado. [Nas versões portuguesas os protagonistas nunca são padres].

 

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.

Transcrição

Os dois irmãos

 Eram dois irmãos: um era estudante e o outro era um charragáz qualquer... E atão aquele que era charragáz andava sempre com um alforge às costas, *fazia colheres de pau* e coisa, andava sempre a fazer aquelas engenhocas.

Um belo dia, disse para o irmão que era estudante:

– Ó irmão! Queres ir lá a casa do moleiro, pedir a filha em casamento?!

Estudante – Ah! Vamos agora pedir a filha!!!

Cabreiro – Vamos! Pedir a filha em casamento que eu também quero casar!

Estudante – Bom, 'tá bem!

Bom, aquele que era estudante todo bem-posto(6), todo preparado, e o outro com o alforge às costas... Chegaram lá a casa do moleiro, lá trataram da ceia (nesse tempo era ceia, na' era jantar), que era prò depois, no fim, terem a conversa de pedir a filha em casamento. O que é que havia de ser pà ceia? Umas *papas de farinha de trigo*. Prantaram uma colher a cada um. Aquele que era charragáz meteu a mão ao alforge, puxou de uma colher de pau e aventou(10) com a colher que era lá de casa do moleiro para cima da mesa e com a colher de pau dele é que foi *malhar as papas*... Bom, o outro, coitadito, que era todo estudante, cheio de vergonha já daquilo.

E atão sobrou um prato de papas e a mulher lá do moleiro meteu-as lá numa gaveta. Lá foram e tal e lá passaram o serão. Bom, foram-se deitar. Lá às tantas da noite, começou aquele que era charragáz a dizer prò irmão:

– Ó irmão! Tenho fome! – A ceia tinha sido valente...Eram umas papas! – Tenho fome!

Estudante – Ó pá! Cala-te homem! Eu já estou cheio de vergonha de ti!

Cabreiro – Mas eu tenho fome!

Estudante – Olha, tens fome vai lá onde a velha deixou as papas, lá dentro da gaveta. Trá-las e come-as!

Bom, a casa do moleiro era assim uma parede e tinha três portas: tinha uma que era onde eles 'tavam deitados, tinha outra que era o quarto da filha e tinha a outra onde 'tavam o moleiro mais a mulher. Bom, o gajo vinha com as papas na mão. Chegou lá, já nem trouxe o prato! Aquilo 'tavam já frias, prantou-as em cima da mão e vinha a comer mesmo de cima da mão. No lugar de entrar prò quarto dele, entrou prò quarto da velha e do velho!

'Tava a mulher do moleiro co rabo de fora das mantas e o gajo começou a andar de roda do cu da mulher e dizia-lhe até assim:

– Ó irmão! Queres papas?

E a velha abanou o rabo – pfffffff! Deu uma bufa! E dizia-lhe o charragáz assim:

– É pá! N' assopres que elas 'tão frias, homem! Come papas, homem! Isso sim!

Até que o gajo zangou-se: truz! Deu com as papas no cu da velha e abalou porta afora. Foi pò quarto onde 'tava o irmão. Daqui a bocadinho começou a dizer pò irmão:

– Ó irmão, eu tenho sede!

Estudante – Eh! *Raios ta partam*! Cala-te, homem!

Cabreiro – Tenho sede, homem! Quero beber água!

E atão o velho 'tava a dormir, estendeu a mão por cima do cu da velha e achou a velha toda cheia de papas. Disse-lhe assim:

– Eh, mulher! 'Tás toda cagada! As papas fizeram-te mal! 'Tás toda esborteada! Vai-te lavar lá pò açude! – Aquilo tinha o açude que era onde o moinho trabalhava.

Bom, a velha lá levantou-se, foi pò açude ali co rabo de fora, a rebaixar-se ali no açude...

Cá o charragáz começou a dizer pò irmão que tinha sede...Disse-lhe o irmão assim:

– Olha! Vai lá aos cântaros, bebe água e foge por aquela porta, que eu fugo já aqui por esta!

Bom, o cabreiro chegou lá (o cabreiro ou o charragáz), meteu a mão dentro do cântaro pra ver se ele tinha água – ó'pois já não foi capaz de tirar a mão! Abalou com o cântaro na mão direito ao açude.

Chegou lá 'tava a velha a lavar o rabo no açude, pensava que aquilo que era uma pedra – truz! – com o cântaro no cu da velha! A velha – trás! – pra dentro do açude!

Bom, o moleiro (já há muito tempo que na' aparecia a velha) chegou lá ao açude, andava a velha co rabo prò ar! Disse o moleiro assim:

– Eh pá! Na' sei se é uma abóbora ou se é o cu da 'nha mulher!

Pronto! Acabou-se a história!

José Manuel, 87 anos, Brotas, (conc. Mora), Junho 2007.

 

Caraterização

Identificação

Tradições e expressões orais
Manifestações literárias, orais e escritas
Os dois irmãos
1920
José Manuel

Contexto de produção

Contexto territorial

Mora, Casa da Cultura de Mora
Brotas
Mora
Évora
Portugal

Contexto temporal

2007
Hoje sem periodicidade certa. Encontros informais e iniciativas do Município de Mora e escolas

Património associado

Transmitidas aos serões, em quotidianos de trabalho e lazer.

Contexto de transmissão

Estado da transmissão
ativa
Descrição da transmissão
Agentes de tramissão

Contadores de histórias participam em iniciativas do Município de Mora. São convidados para participar na inicativa Palavras Andarilhas. Vão a escolas, lares e bibliotecas. Participam em iniciativas do Fluviário de Mora e da Casa da Cultura. Destacam-se as seguintes actividades desenvolvidas desde 1999:

- Encontro de Contadores e Histórias - 1999 a 2005

- Ti Tóda - Conta-me eum conto, estafeta de contos - 2001 a 2004

- As lendas vão à escola - 2005

- O Talego Culto - 2007

- O Talego ambiental - 2007 a 2008

- Comunidade do Canto do Lume

Idioma
Português

Equipa

Transcrição
Maria de Lurdes Sousa
Registo vídeo / audio
José Barbieri
Entrevista
José Barbieri
Inventário PCI - Memoria Imaterial CRL