Inventário PCI
Mora
"O jogador" - Um homem é vencido num jogo de cartas pelo diabo e para não ser morto tem que fazer quatro tarefas. Branca Flor, filha do diabo, ajuda-o na demanda e torna-se sua esposa.
Maria Bernardina; Mora; Concelho de Mora, Évora
Registo 2007.
Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.
Transcrição
O jogador
Estavam a jogar às cartas e um senhor jogava, tornava a jogar e ganhava. E atão um certo dia, como ele ganhava sempre aos camaradas de lá, disse:
– Eh! Eu jogava aqui nem que fosse com o Diabo!
Ele deu aquela palavra e ele, realmente, apareceu. Ele batia a carta e o outro apanhava, ele batia a carta... Quer dizer que ganhou. E atão ele disse:
Diabo – Vamos jogar. Quem ganhar é que fica a mandar!
E assim foi. O outro jogador, coitadito, cansou-se, mas já não conseguiu fazer nada e o Diabo ganhou.
Diabo – Tal dia – terminou-lhe dia – vais ter comigo à terra da Branca Flor.
Ora mas o outro jogador na' sabia onde é que era a terra da Branca Flor e atão, a partir daí, andava sempre muito triste. A mãe via-o muito triste, ele muito triste, muito triste mas, quando chegou aquele dia, ele teve que partir e abalou!
Abalou, foi andando, andou uma data de léguas(4). Quando lá chegou adiante (na' sabia pa' onde é que havia de ir nem nada!) viu um senhor a guardar lobos. Ele chegou, os lobos acorreram logo...
Guardador de lobos – Eh! Eh! Na' façam mal ao senhor!
Procurou pela terra.
Jogador – Atão o senhor não me sabe dizer aqui onde é a terra da Branca Flor?
Guardador de lobos – Não. Eu não sei! Olhe, mas vá pra diante. Aí mais adiante anda um compadre meu a guardar águias.
E ele abalou, por aí fora. Lá muito adiante, mais uns quilómetrozitos, andava o senhor das águias. Chegou lá, procurou o outro:
Jogador – Ai, o senhor na' me indica aqui onde é que é a terra da Branca Flor?
Guardador de águias – Ai, eu na' sei onde é! Mas pode ser que as minhas águias saibam.
Águias – Ai, eu também não! Eu também não.
Guardador de águias – Ai, mas espere aí! Falta-me uma águia velhinha, muito velhinha, ela na' está aqui.
E atão ele assobiou e a águia veio.
Guardador de águias – Olha, tu sabes onde é que é a terra da Branca Flor?
Águia velha – Olha, vim de lá mesmo agora! Mas para ir lá, tem de arranjar sete carneiros. –Porque cada vez que ela olhasse para trás, ele tinha que lhe dar um quarto de carne.
Bom e assim foram, seguiram. Quando ele lá ia a chegar, já pertinho, a carne acabou. Ela olhou para trás e ele ia pa' cortar o braço e ela disse:
Águia velha – Não. Eu vou-te lá pôr. Deixa-te estar, não faças mal ao braço. Mas agora chegas ali e andam três pombinhas a banhar-se ali no tanque e tu vais tirar a roupa àquela que é a Branca Flor. E quando ela disser "dê-me a minha roupa. Tem que me dar a minha roupa! Quem me der a roupa, eu digo-lhe todas as desgraças!" Tu corres e dás-lhe a roupa.
E assim foi. Ele chegou lá, elas 'tavam-se a banhar, ele tirou-lhe a roupa e escondeu-a.
Branca Flor – Olha, vai-te embora. Depressa, que o meu pai 'tá a acabar de almoçar pra ir à tua procura!
Pò matar!
Branca Flor – Chegas lá, bates com toda a força...
O Jogador foi e bateu – truz, truz!
Diabo – Quem é?
Jogador – É o teu jogador!
Diabo – Ãh? Já ia à tua procura, pra te matar!
Já na' foi preciso. E então ele disse-lhe:
Diabo – Bom, hoje vais descansar. Já vieste de longe, hoje descansas.
Aquela tarde o jogador na' fez nada. Descansou. No outro dia, o Diabo deu-lhe uma tarefa pra ele ir fazer. E atão a tarefa que ele lhe deu! Tinha de ir plantar um vinha e à noite, ao jantar, queria ter vinho daquela vinha. E assim foi...
O jogador começou a chorar. Apareceu logo a Branca Flor.
Branca Flor – Atão, o que é?
Jogador – É o teu pai que quer isto assim, assim...
Branca Flor – Na' te preocupes. Deita a cabeça no meu colo.
Ele deitou a cabeça no colo. Quando chegou à hora mais ou menos que ela viu que era altura do jogador ir ter com o Diabo:
Branca Flor – Vá. Vai lá levar-lhe, mas disfarça bem. A assobiar!
E ele lá abalou, a assobiar, foi levar o vinho. Ele disse:
Diabo – Anda aí Branca...Anda aí Branca Flor!
Jogador – Não anda, mas se andar Deus me leve!
Mas o Diabo, como andava mal com Deus, não queria aquela palavra em casa.E atão foi:
Diabo – 'Tá bem!
No outro dia, deu-lhe outra tarefa a fazer.
Diabo – Agora hoje vais fazer o forno e eu, à noite, quero pãozinho mole no forno.
E ele vai de chorar outra vez.
Jogador – Agora como é que eu faço isto?!
Apareceu-lhe a Branca Flor.
Branca Flor – Atão, o que é?
Jogador – O teu pai quer forno feito e pãozinho mole!
Branca Flor – 'Tá bem. Deita a cabeça no meu colo e dorme.
E assim foi, deitou a cabeça no colo e deixou-se dormir. Quando ela viu mais ou menos que eram horas, disse-lhe:
Branca Flor – Vá. Vai lá levar o pão ao meu pai, mas disfarça – assobia!
E assim era.
Diabo – Anda aí Branca Flor!
Jogador – Não anda, mas se andar Deus me leve!
Diabo – Olha que eu na' quero essa palavra!
Disse sempre isso. Quando foi no outro dia, disse-lhe:
Diabo – Olha, hoje vais fazer outra tarefa.
Dava-lhe sempre assim tarefas muito difíceis a fazer.
Diabo – Vais buscar a água do sol.
É impossível a gente chegar ao pé do sol, n'é? E ele vá de chorar.
Branca Flor – Vais buscar um frasco, atas-mo ao pescoço e vais buscar à cocheira o "Pensamento". –Era um cavalo que se chamava "Pensamento".
E assim foi.
Branca Flor – E eu, às tantas horas, se não aqui 'tiver é porque já não venho!
E ele coitado, triste, chegava àquela hora e perguntava:
Jogador – Já aí vem? – Não, o cavalo abanava a cabeça que não.
Jogador – Já aí vem? – Não, abanava a cabeça que não.
E ele lá esperou aquelas horas. Ao fim daquelas horas, ela apareceu.
Jogador – Já aí vem? – Pronto, ele começou a abanar que sim.
Bom, ela vinha muito preta, muito preta. E disse pra ele, para o jogador:
Branca Flor – Lava-me lá com essa águinha.
Lavou-a com um bocadinho de água, ficou branquinha na mesma.
Branca Flor – Vá, vai lá levar isto ao meu pai.
Foi.
Diabo – Anda aí Branca Flor!
Jogador – Não anda! Mas se andar, que Deus me leve!
Era sempre a resposta dele prò Diabo. Ele fez aquela tarefa. No outro dia, outra tarefa, difícil também:
Diabo – Bom, hoje vais ao fundo do mar, à barriga do rei dos peixes buscar uma molhada(7) de chaves que lá está.
Vá de chorar novamente. Apareceu-lhe a Branca Flor.
Branca Flor – Atão, o que é?
Jogador – Tenho de ir ao fundo do mar buscar uma molhada de chaves que 'tá na barriga do rei dos peixes!
Branca Flor – Vai lá buscar o "Pensamento" e trazes um alguidar e trazes uma faca e matas- -me! E depois cortas-me e mandas-me pra dentro do mar.
E ele assim fez, mas deixou cair uma pinguinha de sangue pò chão (e o homem ainda agora chorava por causa daquilo). Perguntava ao "Pensamento":
Jogador – Já aí vem? – Abanava que não.
Jogador – Já aí vem? – Abanava que não.
Jogador – Já aí vem? Abanava que não.
Até que ela chegou e ele abanou a cabeça que sim.
E atão o Diabo disse pra ele no fim daquilo tudo:
Diabo – Fizeste as quatro tarefas, qual delas a mais difícil. Agora dou-te uma filha das minhas pa' casares com ela. – Eram três.
Diabo – A que escolheres, casas com ela. Mas tens de escolhê-la pela fechadura da porta!
As outras duas eram diabinhas e aquela é que era santa.E ela meteu o dedo em que faltava a pintinha do sangue no buraco da fechadura.
Jogador – Quero esta. – Escolheu aquela a que faltava a pintinha do sangue no dedo. – Quero esta!
Pronto, ele ficou logo a saber que a filha o ajudou em todas as tarefas difíceis. Tiveram de abalar porque o Diabo preparou tudo pòs matar! E atão ela, que sabia tudo, disse:
Branca Flor – Olha, vais lá à cocheira e trazes o "Pensamento" que é para a gente fugir. Mas arranjas um canudo d'água, um canudo d'agulhas e um canudo de cinza. Arranjas esses três canudos.
E assim foi. Mas ele foi à cocheira, achou o "Pensamento" muito magrinho e trouxe o "Vento".
Branca Flor – Não, não! Tem de ser o "Pensamento"!
Voltou, foi buscar o "Pensamento", porque o vento pode ser rápido mas não é tanto.
E eles abalaram, foram-se embora. Mas ele foi atrás deles e a certa altura viram-se atacados.
Branca Flor – Vá! Manda lá o canudo de água.
Fez-se um grande ribeiro e os perseguidores já não puderam passar. Depois abalaram outros quilómetros, foram-se embora. Chegaram já lá mais adiante, o que é que havia de ser? Vinham eles, outra vez.
Branca Flor – Manda lá o canudo das agulhas!
Mandou o canudo das agulhas. Fez-se ali um pinhal, muito fechadinho, e os perseguidores tiveram que parar. Voltaram para trás. Mas pensaram:
– Bom, a gente temos de ir ter com eles.
O que é que eles fazem? Vão outra vez atrás deles:
– Vamos atrás deles! Temos que apanhá-los!
E atão diz ela assim pra ele:
Branca Flor – Manda lá o canudo da cinza!
E atão fez-se um nevoeiro muito fechado, muito fechado, e ali atão é que eles desistiram. Desistiram, já não foram mais atrás deles e eles ficaram felizes e contentes para sempre.
Deus seja louvado, o meu conto 'tá acabado!
Maria Bernardina, 68 anos, Mora (conc. Mora), Junho 2007.
Caraterização
Identificação
Contexto de produção
Contexto territorial
Contexto temporal
Património associado
Contexto de transmissão
Contadores de histórias participam em iniciativas do Município de Mora. São convidados para participar na inicativa Palavras Andarilhas. Vão a escolas, lares e bibliotecas. Participam em iniciativas do Fluviário de Mora e da Casa da Cultura. Destacam-se as seguintes actividades desenvolvidas desde 1999:
- Encontro de Contadores e Histórias - 1999 a 2005
- Ti Tóda - Conta-me eum conto, estafeta de contos - 2001 a 2004
- As lendas vão à escola - 2005
- O Talego Culto - 2007
- O Talego ambiental - 2007 a 2008
- Comunidade do Canto do Lume